EDITORIAIS
O novelo da Covaxin
Folha de S. Paulo
Dar consistência jurídica às suspeitas em
torno do negócio será desafio da CPI
As suspeitas na negociação da compra da
Covaxin levaram à CPI da Covid um novelo com uma variedade de pontas soltas. A
comissão precisará de técnica investigativa para desatar esse emaranhado.
O vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse
haver indícios fortes de corrupção. Não basta. Há que encontrar elementos para
sustentar ou refutar a tese de que havia interesse em desviar dinheiro e
beneficiar agentes públicos e privados na importação da vacina indiana.
O ponto de partida é a acusação de que
integrantes do Ministério da Saúde agiram para facilitar o negócio de R$ 1,6
bilhão. O foco imediato recai sobre Alex Lial Marinho, tenente-coronel acusado
pelo servidor Luis Ricardo Miranda de ter feito “pressão atípica” para liberar
um pagamento adiantado.
O oficial do Exército era coordenador de
Logística de Insumos Estratégicos da pasta, vinculado à secretaria do coronel
Elcio Franco —que, por sua vez, era homem de confiança do então ministro
Eduardo Pazuello. A CPI deve tentar descobrir se havia interesse específico do
trio nessa compra.
Também está no centro da investigação o
deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara. A comissão quer
saber se o parlamentar foi responsável pela indicação política de servidores
que tentaram facilitar a importação.
Sabe-se que Barros apresentou emenda que
abriu caminho para a compra, mas ele alega que oito congressistas fizeram o
mesmo.
Os aspectos financeiros do negócio estão na mira da comissão. Depoimentos e movimentações bancárias da Precisa Medicamentos, empresa que serviu de intermediária para o negócio, darão as primeiras pistas nessa direção.
Descobrir o caminho do dinheiro se torna
especialmente importante diante de alegações ainda frágeis já formuladas na
CPI.
Uma delas diz respeito ao preço de US$ 15
pago por dose da Covaxin, bem mais alto do que os US$ 10 da Pfizer. A cifra é
um sinal de que o governo negligenciou vacinas mais baratas, mas não prova
superfaturamento. O laboratório indiano disse que esse era o preço-base para a
exportação do imunizante.
Mesmo a convicção dos senadores de que o
presidente Jair
Bolsonaro cometeu crime de prevaricação pode dar em nada se não houver
a necessária sustentação.
Ainda que ele não tenha comunicado à
Polícia Federal os relatos de irregularidades recebidos do deputado Luis
Miranda (DEM-DF), o governo alega que a questão foi encaminhada a Pazuello. Se
isso ocorreu, advogados dizem que não se prova omissão do mandatário.
O caso Covaxin abriu ampla frente de
suspeitas sobre a gestão da Saúde, o que é reforçado pela declaração de Miranda
à Folha de
que pode haver um esquema
“muito maior” na pasta. Tudo isso, porém, ainda demanda apuração
criteriosa.
Sensatez eleitoral
Folha de S. Paulo
Em boa hora, 11 partidos se unem contra o
projeto perigoso do voto impresso
A estapafúrdia tese do retorno do voto
impresso deixou as cavernas do bolsonarismo para adentrar os salões do
Congresso Nacional. Por obra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a
Casa criou, em maio, uma comissão destinada a analisar proposta de emenda à
Constituição sobre o tema.
A PEC 135/19, apresentada pela deputada
bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), embora não extinga as urnas eletrônicas, exige
que a cédula seja impressa após a votação, para que possa ser “auditada de
forma independente”.
Com a temerária chancela institucional à
aventura, Lira não só conferiu legitimidade a uma proposta de tintas
francamente golpistas como criou oportunidade para ataques à credibilidade do
sistema eleitoral brasileiro.
Daí a importância da união
de 11 partidos para evitar que esse ovo da serpente venha a ser
chocado.
Em videoconferência no sábado (26), os
presidentes de PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania,
Republicanos, PSD e Avante —siglas tanto da oposição como da base de apoio ao
governo— rechaçaram a necessidade do sufrágio impresso e reafirmaram a confiança
na votação eletrônica.
A articulação recebeu o apoio do ministro
do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que presidirá o Tribunal
Superior Eleitoral no pleito de 2022. Caso seja aprovado, o projeto
inevitavelmente chegará ao STF, abrindo mais um flanco do embate de Jair
Bolsonaro com a corte.
Somadas, as agremiações representam 326
deputados federais e 55 senadores. Por mais que os dirigentes partidários não
consigam garantir o apoio integral dentro de suas siglas, a mobilização parece
suficiente para impedir que a PEC obtenha o necessário apoio de 60% da Câmara e
do Senado.
O líder do Solidariedade, Paulinho da
Força, chegou a dizer que o movimento “mata o assunto na Câmara”. Que assim
seja. Tudo de que o país não precisa neste momento é desperdiçar tempo e
energia discutindo mudanças num sistema que há 25 anos funciona bem.
As urnas eletrônicas, cabe lembrar, já passam por verificações periódicas. O que merece de imediato o rigor das instituições, isso sim, são as acusações levianas de fraude lançadas ao vento de tempos em tempos por Jair Bolsonaro.
Ações do Centrão na Saúde são encrenca
certa para o Planalto
Valor Econômico
CPI desvela uma rede de interesses ao redor
das vacinas, que pode ter consequências explosivas para o Planalto
O governo brasileiro não se esforçou nem um pouco para obter vacinas contra a covid-19. Uma explicação recorrente nas entrevistas do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, era que elas custavam caro. Era balela. Agora sabe-se algo igualmente grave: com esperta intermediação privada o governo caminhava para a compra de 20 milhões de doses da Covaxin, do laboratório indiano Barhat Biotech, organizada pela Precisa Medicamentos, pelo maior preço de todos os imunizantes que foram oferecidos, R$ 80 ou US$ 16 a dose. Era a mais cara, até o Ministério da Saúde ter assinado carta de intenção para a compra de 60 milhões de doses da chinesa Convidecia, do grupo CanSino, a US$ 17 a dose, uma encomenda de R$ 5 bilhões intermediada pela Belcher Farmacêutica, de Maringá.
Desprezando a oferta de vacinas testadas e
comprovadamente seguras, o governo de Bolsonaro deu sinal verde a negociações
com grupos privados para obter vacinas ainda sem registro por aqui, a um custo
alto e suspeito. No caso da Precisa, de Francisco Maximiliano, a transação, com
notas fiscais incorretas e duas tentativas de receber pagamento adiantado,
quando o contrato expressamente indicava que isso só ocorreria mediante
fornecimento, foi impedida pelo servidor da Saúde, Luiz Ricardo Miranda e seu
irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF). Eles denunciaram irregularidades
pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro, que prometeu tomar providências - e
ao que se sabe, nada fez.
O deputado depôs na CPI na sexta e disse
ter ouvido do presidente da República frases enfáticas: “Vocês sabem quem é,
né? (..) Se eu mexo nisso aí você vai ver a merda que vai dar”. Miranda disse à
CPI que o presidente se referia a Ricardo Barros (PP-PR), o líder do governo na
Câmara dos Deputados. Barros pode ainda estar envolvido na tentativa de
aquisição, com intermediação privada, das vacinas da CanSino pela paranaense
Belcher.
As suspeitas que se avolumam é que o mesmo
governo que não queria vacinas, não se importava se alguém as trouxesse e
lucrasse com isso, legal ou ilegalmente, e que o presidente da República não se
meteria nisso. Ontem Bolsonaro disse: “Não tenho como saber o que acontece nos
ministérios”. Pode ser falta de vontade de saber. Quando tomou conhecimento do
fato pelos Miranda, mandou investigar os denunciantes e não as denúncias.
Políticos conhecidos começam a frequentar
essas estranhas histórias. O senador Flavio Bolsonaro levou Maximiliano a um
encontro com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano. Já Ricardo Barros
conhece Maximiliano que, como sócio da Global Saúde, deu um golpe de R$ 20
milhões quando Barros era ministro, no governo Temer, e não entregou os
medicamentos pelos quais foi pago.
Luis Ricardo Miranda, chefe da divisão de
importações do Ministério da Saúde, disse que foi pressionado a aprovar as
transações. Roberto Teixeira Dias, diretor de logística do Ministério, segundo
o deputado Miranda, dá as cartas sobre o assunto e foi indicado ao cargo por
dois parlamentares paranaenses - o ex-deputado Abelardo Lupion (DEM) e Ricardo
Barros (Folha de SP, ontem).
Barros foi tesoureiro do PP, o partido mais
atingido pela Lava-Jato. Sua mulher, Cida Borghetti, obteve em maio o cargo de
conselheira na Itaipu. (O Globo, 27 de junho). Roberto Ferreira Dias, o diretor
de logística da Saúde, por onde já passaram R$ 15,7 bilhões para a compra de
vacinas, ocupou cargo de servidor na gestão de Cida Borghetti, quando foi
governadora após a renúncia do titular Beto Richa (PSDB).
O Centrão loteou o Ministério da Saúde e
segue seus instintos ali. Esse foi parte do preço pago por Bolsonaro para
conseguir apoio no Congresso e tentar barrar eventual impeachment. “Eu vou na
confiança em cima dos ministros”, disse ontem Bolsonaro.
O casamento de interesse pode ter sido abalado
pela CPI da Covid. Retirar Barros da liderança já pode denotar confissão de
culpa, e algo igualmente sério, trincar a aliança com o Centrão e com Arthur
Lira, presidente da Câmara de Deputados. Lira recebe amanhã um superpedido de
impeachment de Bolsonaro dos partidos da oposição.
Não fazer nada trará forte desgaste a um
governo que diz ser contra a corrupção, enquanto a CPI vai desvelando uma rede
de interesses subterrânea ao redor da oportunidade da vez - vacinas - que pode
ter consequências explosivas para o Planalto. Ao chamar o Centrão para seu
lado, porém, Bolsonaro sabia o tipo de encrenca em que poderia se meter.
Os ‘rolos’ e os enrolados
O Estado de S. Paulo
Jair Bolsonaro e seus auxiliares podem
jurar inocência, mas há muito a explicar depois das denúncias feitas na
sexta-feira à CPI.
O presidente Jair Bolsonaro jactase de não
haver um único caso de corrupção em seu governo, mas a simples declaração de
honestidade não torna o governo honesto. É preciso demonstrar, diariamente,
cuidado com a administração dos recursos públicos, impedindo o mau uso e a
locupletação por parte de espertalhões.
Assim, Bolsonaro e seus auxiliares podem
jurar inocência, mas há muito a explicar depois das denúncias feitas na
sexta-feira passada à CPI da Pandemia por um funcionário do Ministério da
Saúde, Luís Ricardo Miranda, e seu irmão, o deputado federal Luís Miranda
(DEM-DF).
Para resumir, o funcionário relatou que foi
pressionado por sua chefia no Ministério da Saúde a dar andamento à compra da
vacina indiana Covaxin a despeito de diversas irregularidades no processo. Já o
parlamentar contou que levou a informação pessoalmente ao presidente Jair
Bolsonaro, que prometeu tomar providências.
Até onde se sabe, nenhuma providência foi
tomada, e o contrato suspeito continuou válido. O vultoso negócio, de R$ 1,6
bilhão, foi feito a toque de caixa – em notável contraste com a demora do
governo em adquirir outras vacinas.
Também ao contrário do que aconteceu em
outras negociações, nesta o governo não pechinchou, pagando pelo imunizante um
valor mais alto do que o de outras vacinas – que demoraram a ser adquiridas,
segundo o governo, porque, entre outras razões, estavam muito caras.
Além disso, a Covaxin, no momento da
assinatura do contrato, ainda não havia sido liberada pela Anvisa, embora o
presidente Bolsonaro tivesse garantido que só compraria vacinas aprovadas pela
agência sanitária – que, ademais, fez diversas ressalvas sobre a qualidade do
laboratório indiano e sobre a vacina em si.
Por fim, mas não menos importante, o
negócio com a Covaxin foi o único a ter um intermediário, e cujo pagamento
teria que ser feito, adiantado, num paraíso fiscal para uma empresa cujo nome
não constava do malfadado contrato.
Segundo o deputado Luís Miranda disse à
CPI, o presidente Bolsonaro, ao ser informado por ele sobre o caso, disse que
era “mais um rolo” do deputado Ricardo Barros (Progressistaspr), líder do
governo na Câmara. E teria acrescentado que “se eu mexo nisso aí já viu a m…
que vai dar”.
Ricardo Barros, veterano do Centrão, é
apontado como padrinho da indicação da servidora responsável por dar
continuidade ao contrato da Covaxin a despeito das irregularidades. Além disso,
o dono da empresa intermediária é sócio de uma firma que, em 2017, quando o
ministro da Saúde era Ricardo Barros, vendeu remédios ao Ministério da Saúde e
não os entregou – irregularidade pela qual Barros se tornou réu em processo por
improbidade administrativa.
O que Bolsonaro teria chamado de “rolo” é,
portanto, aparentemente extenso e com muitas ramificações. Se de fato nada fez
ao tomar conhecimento das irregularidades, Bolsonaro cometeu prevaricação, um
dos tantos crimes de responsabilidade que podem embasar um processo de
impeachment – palavra incômoda que tornou a surgir no horizonte de Brasília por
conta do escândalo da Covaxin.
A reação do presidente e dos governistas não
tranquilizou ninguém. Ao contrário, traiu um nervosismo típico de quem tem algo
a esconder. Em vez de mandar investigar o caso, Bolsonaro mandou investigar os
denunciantes – e o secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, chegou a
ameaçá-los. Na CPI, a tropa de choque bolsonarista ficou apoplética e, aos
gritos, tudo fez para intimidar os irmãos Miranda.
Em sua defesa, Bolsonaro, mais uma vez,
alega ser inimputável: “Eu não tenho como saber o que acontece nos Ministérios,
vou na confiança em cima de ministros”. Na época, o ministro era Eduardo
Pazuello, que nem respira sem autorização de Bolsonaro.
É espantoso que o presidente alegue candidamente desconhecer um negócio malcheiroso da ordem de R$ 1,6 bilhão. O que não espanta, de nenhuma maneira, é a suspeita de que um capa-preta do Centrão apareça como possível pivô do escândalo, e espanta menos ainda que, por isso mesmo, Bolsonaro não queira “mexer nisso aí” – afinal, o presidente não pode se indispor com quem manda.
Fim de um debate descabido
O Estado de S. Paulo
Acordo entre os maiores partidos do País fulmina a PEC sobre a volta do voto impresso
Os presidentes de 11 partidos políticos –
PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e
Avante – reuniram-se no sábado passado para fechar questão contra a volta do
voto impresso. O acordo fulmina a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de
implantar o retrocesso em 2022.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
135/2019, de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), pode até ter
votos suficientes para passar pela comissão especial, mas não terá o quórum
qualificado para passar pelo crivo dos plenários da Câmara dos Deputados e do
Senado. Juntas, aquelas legendas representam 63% dos deputados e 67% dos
senadores. Já há “caciques”, como Luciano Bivar, presidente do PSL, que falam
abertamente em engavetar a PEC. “Acho que nem vai a votação”, disse Bivar ao
Broadcast/estadão.
O voto impresso é uma excrescência que só
voltou a ser tema de debate público porque seu maior defensor é ninguém menos
que o presidente da República. Bolsonaro alega que houve fraudes nas eleições
de 2014 – o tucano Aécio Neves teria derrotado a petista Dilma Rousseff – e de
2018, quando ele teria vencido o pleito “no primeiro turno”. No discurso de
Bolsonaro, só o voto impresso, “auditável”, seria capaz de impedir “fraudes”
como as que sustenta ter havido nas duas últimas eleições presidenciais.
Balela.
Não há uma só evidência, ou mera suspeita
que seja, de que o sistema de voto eletrônico, instituído no País há 25 anos,
seja inseguro, sujeito a fraudes. Na semana passada, o ministro corregedor do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Felipe Salomão, determinou que
Bolsonaro apresente em 15 dias as provas de suas gravíssimas afirmações (ver
editorial O TSE pede provas a Bolsonaro, publicado em 24/6/2021). O ministro
Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, já havia exortado o presidente da
República a fazê-lo por “dever cívico” (ver editorial O dever cívico do
presidente, e o nosso, de 20/6/2021). É evidente que não há quaisquer provas
das alegadas fraudes, ou Bolsonaro há muito já as teria apresentado.
A defesa do voto impresso, portanto, não
tem qualquer relação com o suposto zelo do presidente da República com a
segurança do sistema eleitoral, como se Bolsonaro estivesse engajado em uma
cruzada por “eleições limpas”, pedra fundamental da democracia. Ora, como são
hígidas as eleições no Brasil, a defesa do voto impresso esconde uma tentativa
canhestra de Bolsonaro de subverter a própria ordem democrática ao envolver em
uma névoa de suspeição o processo de escolha dos eleitores. A cilada pode
funcionar para inflamar a militância bolsonarista, sempre refratária aos fatos.
No entanto, não convence a maioria dos eleitores brasileiros – 73% defendem as
urnas eletrônicas, segundo o Datafolha – e tampouco, como se viu no fim de semana,
as lideranças dos maiores partidos políticos do País.
É importante notar que nem mesmo as
legendas que compõem a base de apoio ao governo no Congresso, notadamente PP,
PL, PSL e Republicanos, aderiram à tese do voto impresso defendida por
Bolsonaro. A bem da verdade, talvez o próprio presidente não esteja tão
preocupado com a aprovação da PEC proposta por sua aliada fiel. O ardil de
Bolsonaro consiste apenas em lançar suspeitas sobre a segurança do sistema
eleitoral. Na mente suja de quem está sustentando este estratagema, caso
Bolsonaro seja derrotado no pleito do ano que vem, debite-se a fraude à falta
do voto impresso.
Em maio, Bolsonaro chamou de “republiqueta” o país que governa porque aqui se vota por meio eletrônico. Na mesma ocasião, ameaçou a Nação afirmando que “não haverá eleições em 2022 sem voto impresso”. Tudo indica que a partir de agora dirá coisas ainda piores. O que importa é que o Brasil com juízo já não lhe dá ouvidos.
Longe de uma reforma tributária
O Estado de S. Paulo
Proposta do governo é eleitoreira e ignora questões essenciais para o crescimento
Quem planeja uma reforma tributária deve
levar em conta, para começar, pelo menos três perguntas: 1) de quanto dinheiro
o Estado precisa para cumprir as funções desejadas pela sociedade?; 2) como
distribuir esse encargo de forma equitativa, sem sacrificar os menos abonados?;
e 3) como cobrar tributos sem prejudicar o crescimento econômico, ou, se
possível, como tributar e ao mesmo tempo estimular a produção e a eficiência?
Por esses critérios, as propostas enviadas pelo governo federal ao Congresso
estão longe de ser uma reforma. Têm caráter eleitoreiro, podem atender a
necessidades fiscais imediatas e passam longe de qualquer projeto de modernização
econômica e de expansão do potencial produtivo.
É possível, no julgamento mais favorável,
apontar detalhes positivos na proposta. Há uma tentativa de redistribuir o peso
da tributação, com algum alívio para quem ganha menos. Mas seria preciso ir
muito mais longe para consertar um sistema amplamente caracterizado pela má
distribuição dos encargos, ou, em linguagem mais direta, pela injustiça. A
mudança dos níveis de isenção e de progressividade das alíquotas, no caso do
Imposto de Renda da pessoa física, é apenas uma tentativa de consertar uma
tabela amplamente desatualizada. Tenta-se, naturalmente, compensar esse alívio
em outros pontos do projeto.
Também correta, em princípio, é a ideia de
cobrar imposto sobre dividendos e aliviar a tributação do lucro empresarial.
Bem aplicado, esse tipo de mudança torna menos injusto o sistema, tributando o
ganho empresarial distribuído aos acionistas e favorecendo a preservação e a
reaplicação do capital produtivo. Contemplamse ao mesmo tempo, nesse caso, o
crescimento econômico e a equidade distributiva. Mas há críticas à calibragem
do tributo sobre os dividendos.
Outros detalhes do encargo imposto às
empresas também são criticados. Além disso, há uma reação, perfeitamente
previsível, à cobrança de imposto sobre os ganhos financeiros.
Protestos setoriais são esperados, quando
se alteram as condições de cobrança, e haverá tempo, supostamente, para a
discussão de todos os detalhes. Economistas, advogados tributaristas,
administradores financeiros, políticos, lobistas e representantes do Ministério
da Economia poderão examinar e debater cada ponto da proposta apresentada ao
Congresso.
Mas essa discussão, com o confronto de
múltiplos interesses e múltiplos pontos de vista, será insuficiente para a
geração de uma verdadeira reforma tributária, se faltarem a exploração e a
articulação daquelas três questões básicas.
O Executivo federal deveria ter liderado
esse esforço, mas, até agora, ficou longe dele. O Ministério da Economia apenas
propôs, inicialmente, a fusão do Pis/pasep e Cofins. Ensaiou, durante algum
tempo, negociar a recriação, sob algum disfarce, do chamado imposto do cheque,
a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mas essa
tentativa foi aparentemente abandonada por algum tempo.
Qualquer tentativa séria de reforma teria
de tratar também dos tributos cobrados por Estados e municípios, incluindo
especialmente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
principal fonte própria de receitas estaduais.
Esse imposto, o mais pesado para os
consumidores, é importante fator de iniquidade tributária. Além disso, é
amplamente disfuncional, podendo variar entre Estados, complicando a gestão
empresarial, facilitando guerras fiscais e encarecendo perigosamente a
produção. O sistema de créditos tributários é incapaz de eliminar o efeito do
ICMS sobre os custos. Trata-se, enfim, de um encargo prejudicial à
competitividade internacional e, portanto, incompatível com a integração eficaz
do Brasil no mercado global.
Nenhuma proposta resultará numa verdadeira reforma sem incluir o ICMS. Qualquer projeto sério deveria tratar desse imposto e, muito provavelmente, fundi-lo com os tributos federais indiretos. Até aqui, o Executivo federal preferiu isentar-se dessa tarefa, negando uma importante contribuição ao desenvolvimento.
Escândalos deixam Bolsonaro ainda mais
refém do Centrão
O Globo
A falta de respostas do presidente Jair
Bolsonaro para o escândalo da vacina Covaxin não significa necessariamente que
o Planalto não esteja sofrendo abalos, apenas que a terra em Brasília treme
silenciosamente. O depoimento-bomba à CPI da Covid dos irmãos Luis Ricardo
Miranda, servidor concursado e chefe de Importação do Departamento de Logística
do Ministério da Saúde, e Luis Claudio Miranda, deputado federal (DEM-DF),
jogou no gabinete do presidente suspeitas de corrupção que precisam ser
investigadas. Depois de muito relutar, o parlamentar acabou revelando, já tarde
na noite de sexta-feira, que o próprio Bolsonaro citara o nome do deputado
Ricardo Barros (PP-PR) como responsável pelo “rolo”. Expoente do Centrão,
Barros é ninguém menos que o líder do governo na Câmara.
Alçado ao epicentro do escândalo, Barros
disse não ter participação nas negociações para compra da Covaxin. Sobre a
emenda parlamentar de sua autoria que abriu portas à importação da vacina
indiana, alegou não ter sido a única com esse objetivo. E negou relação com a
Precisa Medicamentos, intermediária do contrato. No entanto Barros responde a
ação de improbidade num outro escândalo envolvendo uma empresa sócia da
Precisa, a Global Saúde, na época em que era ministro da Saúde no governo
Temer.
Os escândalos começam a se empilhar. O caso
Covaxin nem esfriou, e as atenções da CPI já se voltam para as negociações
envolvendo a vacina Convidecia, do laboratório chinês CanSino, intermediadas
por uma empresa investigada por suspeitas de irregularidades. Independentemente
dos desdobramentos políticos, as denúncias precisam ser apuradas, não só pela
CPI, mas também pelos órgãos de controle e fiscalização. É preciso haver
investigações amplas e isentas.
É inegável que o governo fica altamente
exposto quando o seu líder na Câmara está no centro de denúncias graves. Mais
que isso, Bolsonaro, num momento em que sua popularidade despenca em meio à
gestão desastrosa da pandemia, fica ainda mais amarrado ao Centrão, responsável
pela sustentação do governo no Congresso. As declarações dos irmãos Miranda são
um sinal de que ele não parecia disposto a contrariar os aliados.
Luis Claudio foi enfático ao dizer que não
gravou a conversa com o presidente, mas tanto no Planalto quanto no Congresso
ninguém tem muita certeza disso. A pólvora detonada na CPI pode não ter
esgotado o estoque. Ele sugeriu uma sessão secreta do irmão com a comissão.
Poderá vir mais bomba por aí.
As incertezas sobre o real poder de fogo dos Mirandas acabam também imobilizando a esperada ira do Centrão contra os denunciantes. Todos preferem esperar e, enquanto esperam, o quadro político não muda. A principal consequência é a aproximação ainda maior entre Bolsonaro e o Centrão, cujo interesse mútuo é que tudo seja abafado. Ainda é incerta a extensão do dano político. De concreto, só se pode dizer que o governo está acuado e cada vez mais refém dos aliados.
Reforma tributária do governo é tímida e
insatisfatória
O Globo
Numa tentativa óbvia de desviar a atenção
da CPI da Covid, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recebeu Paulo
Guedes, ministro da Economia, na sexta-feira. Guedes entregou o segundo projeto
de lei de reforma tributária, propondo reajuste na tabela do Imposto de Renda
de Pessoas Físicas e Jurídicas e alterando a tributação de lucros e dividendos.
Em 2020, os deputados já haviam recebido o projeto que cria a Contribuição
Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) em substituição a dois
tributos federais: PIS e Cofins.
De todos os ângulos por onde se olha, as
propostas do governo têm problemas. Elevar o valor da faixa de isenção do IR é
medida claramente eleitoreira. As mudanças propostas para grandes empresas, se
aprovadas, afastarão investimentos, com aumento provável na já insustentável
carga tributária.
Para quem não é empresário nem
tributarista, o debate sobre a reforma parece mais uma sopa de letrinhas, com
um número infindável de siglas. Vista à distância, ela fica mais compreensível.
Na corrida das nações, o Brasil é aquele atleta com potencial, mas sempre
retardatário. O crescimento do PIB per capita é baixo há várias décadas.
Enquanto outros emergentes encurtam a distância que os separa do padrão de vida
nas economias avançadas, seguimos com freio de mão puxado. Entre as principais
razões está a barafunda de normas e leis que regem os impostos.
Há tantas regras e exceções que as empresas
são obrigadas a gastar tempo e recursos absurdos só para administrar tudo que
têm a pagar. De acordo com avaliações internacionais, somos o país de maior
complexidade tributária e aquele onde se gasta mais tempo gerindo os impostos
(sem falar no que se paga). Com leis tão complicadas, é comum haver
interpretações conflitantes entre o Fisco e as companhias, gerando custos
jurídicos colossais. O contencioso tributário no Brasil era de R$ 5,4 trilhões
em 2020, 75% do PIB. É uma fortuna que poderia ser investida em tecnologia e
maior produtividade.
Outro efeito nefasto do atraso tributário é
a guerra fiscal entre estados. Empresas decidem onde investir não com base na
eficiência do negócio, mas nos incentivos. As propostas apresentadas pelo
governo, ainda que possam ter um ou outro ponto positivo, não mexem nesse
problema estrutural, apesar de haver uma negociação avançada entre os estados
para isso, adotando os princípios da PEC 45, de autoria do deputado Baleia
Rossi (MDB-SP), com base em estudos do economista Bernard Appy. Até há pouco, o
debate no Congresso girava em torno de como compensar eventuais perdas. Uma
solução de compromisso resultou no relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro
(PP-PB) na Comissão Especial, que preservava a ideia de promover uma mudança
robusta, substituindo por um só cinco impostos nas esferas federal, estadual e
municipal (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS). Lira encerrou a comissão, lançando a
proposta no limbo.
No lugar dela, surgiu a tímida CBS e a estratégia de fatiar a reforma, caminho para mais um “puxadinho”. Anunciada com alíquota única de 12%, agora a CBS poderá variar para diferentes setores, numa tentativa mal disfarçada de aumentar a carga tributária, sem alterar a complexidade do sistema. O Brasil precisa e merece mais do que o governo apresentou. Uma reforma que ataque os nossos problemas é crucial para a economia. Não é a de Guedes.
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