Folha de S. Paulo
Todos estamos estupefatos, desejando agir,
mas sem saber bem o que fazer
Anomia e distopia são dois fenômenos que
nos assombram atualmente. Ambos conduzem à desordem social e à desordem
institucional.
Elas são os reflexos de uma pauta
negativista e predatória, imposta pelo governo e lastreada pela
intolerância raivosa; pela apologia
do uso de armas; pela insensibilidade em relação ao meio ambiente e à
própria vida humana; pelo estímulo
às aglomerações, dentre outros fatores.
A agenda e o discurso oficiais não
apresentam nenhum viés construtivo. Representam a antítese da utopia e da
organização social; portanto, mostram um risco real de distopia e anomia.
A distopia como sinônimo de um mau lugar
para se viver. Em nosso país, ela tem como origem o autoritarismo de
um governo despótico que tenta impor um modelo de comportamento carente de
liberdade de pensar e de agir e de um padrão moral retrógrado e estático.
Já a anomia se caracteriza pela ausência ou pelo descumprimento das normas. Assiste-se hoje a uma rebeldia institucional, com o Executivo em permanente confronto com os outros Poderes, com a legislação ordinária e com a própria Constituição Federal. Tivemos, recentemente, uma violação até então inconcebível do rígido ordenamento militar. Não se puniu quem deveria tê-lo sido. Dupla desobediência. A individual, de um general que participou de ato político, e a da instituição, que não o puniu.
Há na literatura obras que refletem esses
dois fenômenos, tais como: “Laranja
Mecânica” e “Fahrenheit
451”. Poder-se-ia dizer que tais livros se inspiraram na realidade
brasileira, caso não a tivessem precedido.
Anthony Burgess, na primeira, mostra como o
governo enfrenta a violência que campeia por meio da própria violência de
Estado.
Inexistência de diálogo, aversão à
conciliação e incentivo a raivosas manifestações contra instituições, dentre
outras, constituem marcas de uma gestão insensível às demandas de harmonia
social, de supressão de nossas carências e satisfação de nossas necessidades.
Na segunda obra citada, o seu autor, Ray
Bradbury, descreve a destruição da cultura por meio da queima de livros. Ora, o
nosso governo subestima
os nossos valores culturais, desconsidera a criação artística e intelectual
e despreza a educação.
Todos nós estamos estupefatos, desejando
agir; no entanto, sem saber bem o que fazer. A incerteza e a insegurança, em
face das ameaças reais à democracia, à paz e à saúde, também estão presentes.
A pandemia será
vencida, embora com atraso e elevados danos resultantes da ignorância e da
inércia oficiais. Mas e o desgoverno? Ao que parece, por ora, nada acontecerá.
Depois teremos eleições. Aí, sim, poderemos sobreviver como nação. Não se
esqueçam, porém, do que ele disse: “Só
Deus me tira da cadeira presidencial”. Pergunta-se: nem o voto?
Resta-nos tentar estancar os avanços da
anomia e da distopia e, posteriormente, resistir à eventual investida
continuísta. Vale perseguir a utopia para alcançar o sonho e mudar a realidade.
*Antonio Claudio Mariz de Oliveira, advogado
Nenhum comentário:
Postar um comentário