Folha de S. Paulo
Custo policial, judicial e político de
manter certos ministros ficou alto até para Bolsonaro
As aberrações mais gritantes do ministério
de Jair Bolsonaro estão no olho da rua. “Gritantes” em todos os sentidos da
palavra. Ou seja, caíram as aberrações mais notórias, estridentes, destrutivas
e, portanto, as mais capazes de açular as falanges
bolsonaristas ou de satisfazer exigências concretas e
ideológicas.
Bolsonaro ainda berra, como se pode ver na
Saúde. Mas os efeitos colaterais e a fisionomia do seu governo mudam um tanto
mais, o que já ocorrera na queda ou diminuição dos superministros, no pacto
assumido com o centrão e no escanteamento dos generais.
Parte do programa de destruição do governo e do estado permanece. A propaganda terá de mudar de figura, algumas alianças se desmancham. Bolsonaro vai ter de caprichar mais, ele mesmo, na propagação de seu programa, talvez reforce o reacionarismo de outros ministros “ideológicos” e, quem sabe, até se beneficie das mudanças. É um parasita. Ataca “o sistema” e suga o resultado de algo que porventura funcione. Por exemplo, diz com sua cara-de-pau que é responsável pelas poucas vacinas que temos.
Nesta quarta-feira (23), caiu Ricardo
Salles (Meio Ambiente). Ainda na turma mais gritante e
militante, haviam caído
Eduardo Pazuello (Saúde,
15 de março) e Ernesto Araújo (Itamaraty,
29 de março). O custo policial, judicial e político de mantê-los ficou alto
demais até para Bolsonaro ou intragável mesmo para um Congresso que mais e
mais, na maioria, é cúmplice do governo.
Na Saúde ficou uma criatura que tenta fazer
o mínimo racional, tudo aquilo que não atraia a fúria de Bolsonaro, e que manteve
a boquinha de subordinados militantes. É muito pouco, Bolsonaro ainda sabota os planos
mais elementares de controle da epidemia e não há nem haverá
política nacional coordenada para lidar com o problema. Mas, como o antecessor
era o general Pesadello, até parece que mudamos do vinagre para a água, que
continua suja, porém.
No Itamaraty ficou um
ministro que submergiu, que procura não ser notado e tenta
restaurar o funcionamento mínimo do serviço diplomático ou evitar ruína extra
das relações exteriores. No Meio Ambiente ficou um
militante da causa ruralista ruim, mas ainda não se sabe de que tipo
ou medida.
O superministro Sergio Moro (Justiça) caiu em abril
de 2020 e afastou do governo o lavajatismo e a classe
média-rica lacerdista, um esteio forte da eleição de Bolsonaro. Paulo Guedes
foi um tanto diminuído, mas parte relevante dos donos do dinheiro e seus
empregados ainda o aplaude em sua condição de porteiro ou segurança do
mercadismo.
É verdade que Damares Alves
ainda é ministra e trabalha bem na surdina de propaganda
reacionária _é popular em muito interior do país. A Educação continua a se
desfazer sob o quarto gerente do desmanche, da polícia ideológica e da difusão
de maluquices retrógradas, como a educação domiciliar.
O resumo sugere um ministério de militância
menos estridente ou até contida. Bolsonaro teve de fazer ao menos um recuo
tático, dados os clamores quase gerais (na segunda onda, quando Pesadello caiu,
ou contra Araújo) ou porque a polícia bate na porta, de ministros ou filhos.
Ainda pode satisfazer aliados (o serviço no Ambiente está quase pronto) ou
distribuir favores fiscais (impostos, programas sociais mambembes etc.). Está
mais cercado, mas ainda tem a força de condutor de uma tentativa de revolução
dos infernos.
Não convém subestimar nenhuma das duas forças, a que encurrala Bolsonaro ou sua capacidade de reação. Algo muda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário