quinta-feira, 24 de junho de 2021

Vinicius Torres Freire – Ministério perde algumas aberrações

Folha de S. Paulo

Custo policial, judicial e político de manter certos ministros ficou alto até para Bolsonaro

As aberrações mais gritantes do ministério de Jair Bolsonaro estão no olho da rua. “Gritantes” em todos os sentidos da palavra. Ou seja, caíram as aberrações mais notórias, estridentes, destrutivas e, portanto, as mais capazes de açular as falanges bolsonaristas ou de satisfazer exigências concretas e ideológicas.

Bolsonaro ainda berra, como se pode ver na Saúde. Mas os efeitos colaterais e a fisionomia do seu governo mudam um tanto mais, o que já ocorrera na queda ou diminuição dos superministros, no pacto assumido com o centrão e no escanteamento dos generais.

Parte do programa de destruição do governo e do estado permanece. A propaganda terá de mudar de figura, algumas alianças se desmancham. Bolsonaro vai ter de caprichar mais, ele mesmo, na propagação de seu programa, talvez reforce o reacionarismo de outros ministros “ideológicos” e, quem sabe, até se beneficie das mudanças. É um parasita. Ataca “o sistema” e suga o resultado de algo que porventura funcione. Por exemplo, diz com sua cara-de-pau que é responsável pelas poucas vacinas que temos.

Nesta quarta-feira (23), caiu Ricardo Salles (Meio Ambiente). Ainda na turma mais gritante e militante, haviam caído Eduardo Pazuello (Saúde, 15 de março) e Ernesto Araújo (Itamaraty, 29 de março). O custo policial, judicial e político de mantê-los ficou alto demais até para Bolsonaro ou intragável mesmo para um Congresso que mais e mais, na maioria, é cúmplice do governo.

Na Saúde ficou uma criatura que tenta fazer o mínimo racional, tudo aquilo que não atraia a fúria de Bolsonaro, e que manteve a boquinha de subordinados militantes. É muito pouco, Bolsonaro ainda sabota os planos mais elementares de controle da epidemia e não há nem haverá política nacional coordenada para lidar com o problema. Mas, como o antecessor era o general Pesadello, até parece que mudamos do vinagre para a água, que continua suja, porém.

No Itamaraty ficou um ministro que submergiu, que procura não ser notado e tenta restaurar o funcionamento mínimo do serviço diplomático ou evitar ruína extra das relações exteriores. No Meio Ambiente ficou um militante da causa ruralista ruim, mas ainda não se sabe de que tipo ou medida.

O superministro Sergio Moro (Justiça) caiu em abril de 2020 e afastou do governo o lavajatismo e a classe média-rica lacerdista, um esteio forte da eleição de Bolsonaro. Paulo Guedes foi um tanto diminuído, mas parte relevante dos donos do dinheiro e seus empregados ainda o aplaude em sua condição de porteiro ou segurança do mercadismo.

É verdade que Damares Alves ainda é ministra e trabalha bem na surdina de propaganda reacionária _é popular em muito interior do país. A Educação continua a se desfazer sob o quarto gerente do desmanche, da polícia ideológica e da difusão de maluquices retrógradas, como a educação domiciliar.

O resumo sugere um ministério de militância menos estridente ou até contida. Bolsonaro teve de fazer ao menos um recuo tático, dados os clamores quase gerais (na segunda onda, quando Pesadello caiu, ou contra Araújo) ou porque a polícia bate na porta, de ministros ou filhos. Ainda pode satisfazer aliados (o serviço no Ambiente está quase pronto) ou distribuir favores fiscais (impostos, programas sociais mambembes etc.). Está mais cercado, mas ainda tem a força de condutor de uma tentativa de revolução dos infernos.

Não convém subestimar nenhuma das duas forças, a que encurrala Bolsonaro ou sua capacidade de reação. Algo muda.

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