Companheiro inseparável nesses dois anos de confinamento, o vôlei brasileiro venceu o Canadá, a Sérvia, a Itália, a Polônia, a Alemanha, a Holanda e a Argentina, lidera a Liga das Nações e se prepara para capitanear também as Olimpíadas, no Japão, daqui a um mês. Porém, não sai nada, nos jornais. Parece ignorado pela mídia impressa. Deve incomodar a muitos assinantes.
A supressão do noticiário sobre o vôlei ignora
uma representação esportiva do Brasil que reúne alguns dos melhores atletas do
mundo e, junto, o papel do cubano Yoandy Leal, naturalizado brasileiro.
Dificilmente, sem ele, o Brasil teria alcançado aquelas primeiras posições
no ranking. É invejável a dedicação de Leal à seleção do Brasil. Seu
companheiro Leon preferiu ser polonês.
O reconhecimento do papel de Leal passa por
outro naturalizado, o sérvio Dejan Petkovic, que, nos anos 2000/2001, ajudou o
Flamengo a ganhar o Campeonato Brasileiro de Futebol. Em geral, fazem opção
pela naturalização migrantes exilados, evadidos, expulsos, criminosos e pessoas
que buscam “uma terra na qual emana leite e mel”, como prometia Moisés.
Não sei se Leal e Petkovic são capazes de
cantar o Hino Nacional ou se reconhecem, como sua, a bandeira brasileira. Não é
um mal em si, mas uma questão de raízes, da condição humana. Estefan Zweig, o
escritor austríaco, aparentemente adaptado ao jeito dos brasileiros, inventor
da expressão “País do Futuro”, mesmo depois de dez anos por aqui, terminou
suicidando-se, ao conviver com a angústia da perda da nacionalidade de origem,
após a anexação nazista da Áustria.
Ora, desde que Dom João VI resolveu também branquear os brasileiros (como os argentinos, de Sarmiento e Martinez), o Brasil recebeu levas de imigrantes europeus, que fincaram raízes aqui, a maioria por força de uma legislação autoritária. A naturalização não é algo fácil de ser absorvida. Perde-se a relação com terra e com a cultura de origem e, supostamente, despede-se das raízes de nascença.
A história está cheia de caso de imigrantes ou
filhos de imigrados nascidos no Brasil que, por sua origem, costumes ou
comportamento, eram discriminados pelos brasileiros natos. Alguns
retornaram ao país de origem familiar à busca da identidade perdida, mas lá
também já não eram aceitos mais como nacionais. Chegavam a ser vistos como
traidores. Socialmente, perdiam os direitos até de uma identidade pátria, de
uma naturalidade que lhes dava sentido e segurança existencial, para dizer
que era a sua. A nossa expressão modernista, Clarice Lispector, era
ucraniana.
Em plena era da Covid e sua hipócrita Comissão
Parlamentar de Inquérito, onde a médica imunologista Nise Yamaguchi, de origem
japonesa, foi visivelmente agredida, o tema é levantado aqui, no
momento em que se comemora, no Brasil, 80 anos da imigração nipônica. Um
balanço da sua contribuição parece bastante favorável. No Brasil, eles
recuperaram a ideia do trabalho, perdida ao longo da escravidão; trouxeram
novas técnicas agrícolas, sobretudo para o solo do cerrado, tido como infértil;
e criaram um espaço de acolhimento para brasileiros por lá (dekasseguis).
Ao lado da convivência com a difícil
naturalização, é preciso reconhecer a contribuição dessas comunidades
nipônicas, alemãs, italianas, polonesas, sírias, libanesas e judias, hoje totalmente
indistintas. Ajudaram a enterrar a escravidão e, de certa maneira, as
oligarquias tradicionais, modernizando o sistema produtivo, sem conseguir
derrubar totalmente esse muro invisível que, por outro lado, ajudou também
a desandar à cultura brasileira, ao provocar uma desqualificação étnica,
cultural e até, na verdade, moral.
Entre os que “chegaram de barco”, como na
Argentina, de Martinez, estavam também o ladrão italiano Gino
Meneghetti, popularizado, pela imprensa de São Paulo, como “o Bom
Ladrão”. Meneghetti abriu o caminho para as organizações criminosas
estrangeiras. No seu rastro, desembarcaram aqui mafiosos condenados como
Tomaso Buschetta, Rocco Morabito, familiares dos Corleones, o
terrorista Cesare Battisti (revolucionário!!!), o ladrão
inglês Ronald Biggs e o médico assassino nazista Josef Mengele. Ninguém abdicou
da cidadania origem. Meneghetti recebia a ajuda dos paulistas e Battisti até
pensão de governos.
É fácil ser admitido como brasileiro. É
só casar com uma brasileira e ter filhos. O jornalista norte-americano Glenn
Greenwald, o mesmo que prometeu acabar – e acabou – com a Lava Jato, fez o
mesmo. Casou-se com um brasileiro. Mas como ter filhos? Não deixará
prole. O momento dele por aqui é só este mesmo. Dificilmente será lembrado,
acho que nem no país de origem, já que se tornou um globe trotter.
O balanço dos vícios e virtudes dos
naturalizados favorece, entretanto, os imigrantes, sejam eles bolivianos,
haitianos, venezuelanos ou de qualquer outra origem. São bem vindas pessoas,
como a pesquisadora Nise Yamaguchi, o cubano do vôlei e o bósnio do futebol.
Leal tem sido decisivo nas disputas brasileiras do Liga das Nações, elevando a
auto-estima do brasileiro. Mas, jogou um ano pelo Cruzeiro, e se mandou para a
Itália. Petkovic, que de iugoslavo tornou-se sérvio, não. Ídolo do Flamengo,
entrosado na vida brasileira é um “butequeiro”. Já canta o Hino Nacional quase
sem sotaque. Chegou a ser batizado popularmente como “Rei do Rio”.
Todos esses imigrantes têm dado mais para o País que a desrespeitosa CPI da Covid. A propósito, quantas pessoas a CPI salvou? As exceções entre os estrangeiros são uma fatalidade. A imprensa? Esta prefere surfar na onda pandêmica dos seus interesses, com quase ou nenhuma relação com o interesse público.
*Jornalista e professor
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