quinta-feira, 24 de junho de 2021

Ricardo Noblat - 23 de junho de 2021, o dia que não terminou para Bolsonaro

Blog do Noblat / Metrópoles

A fogueira queima em homenagem a São João e pode esturricar o governo que se apresenta como o mais honesto da história do país

Como os séculos, os governos nem sempre começam ou terminam nas datas previstas no calendário gregoriano.

O século passado começou quando explodiu a primeira guerra mundial em julho de 1914, e terminou em 26 de dezembro de 1991 com a dissolução da União Soviética.

Este século começou com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 que derrubou as torres gêmeas de Nova Iorque.

Não havia governo Bolsonaro antes da pandemia, só um projeto de destruir o “sistema” para, mais tarde, construir outro. Não há governo depois de mais de 500 mil mortos pelo vírus.

De certo o que há é um desgoverno que tinha data marcada para chegar ao fim (31/12/2022), e que agora nem isso tem mais.

O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid-19, comentou com amigos que o governo está desmoronando. A conclusão parece precipitada.

Seria mais razoável dizer que o dia de ontem para o presidente acidental não terminou, e tudo indica que não terminará tão cedo.

O dia começou com Bolsonaro chamando de “pobres coitados” os que foram às ruas pedir o seu impeachment. Anoiteceu com Bolsonaro atingido por grave denúncia de corrupção.

O que se esperava de um presidente que diz comandar o governo mais honesto da história do Brasil?

Que agisse de pronto e com rigor para apurar uma tentativa de desvio de recursos públicos, tanto mais quando, além dos mortos, há quase 15 milhões de desempregados e a miséria aumenta.

E o que fez Bolsonaro? Primeiro, ignorou a denúncia. Uma vez que ela se tornou pública, mandou investigar os denunciantes.

Tinha razões de sobra para levá-los a sério. Os irmãos Miranda são bolsonaristas de quatro costados – um, deputado federal do DEM que apoia o governo, e o outro servidor do Ministério da Saúde.

Os dois contaram-lhe em primeira mão o que acontecia com a compra superfaturada da vacina indiana.

Por que Bolsonaro não acionou a Polícia Federal para que descobrisse a verdade? Por que nunca mais quis conversar com os irmãos Miranda? Medo do quê? Raiva por que?

Miranda, o servidor, foi demitido e depois readmitido só para calar a boca do seu irmão deputado.

À época, o general Eduardo Pazuello era o ministro da Saúde, e disse a Miranda, o deputado, que não poderia fazer mais nada. Estava de saída do ministério.

De fato, saiu do governo por uma porta e entrou por outra. Pazuello e a trinca de coronéis que o auxiliavam sabiam e sabem demais para que Bolsonaro os deixe ao desalento.

O dia que não terminou promete novas revelações com o depoimento, hoje, à CPI, do ex-governador do Rio Wilson Witzel.

E com os depoimentos, amanhã, dos irmãos Miranda. O Centrão saliva com tudo isso e com o mais que vier. Bolsonaro dependia dele para manter-se onde está.

Deixou de depender, virou refém.

Ricardo Salles foi atropelado pela boiada que deixou passar

Elogiado num dia pelo presidente da República, no outro o ex-ministro do Meio Ambiente foi forçado por ele a demitir-se

O ministro mais querido do presidente Jair Bolsonaro por cumprir seus desejos ao pé da letra, finalmente deu lugar a outro que pensa como ele, ou melhor, como Bolsonaro quer que pense.

Na véspera, Bolsonaro havia feito uma declaração de amor a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. No dia que não terminou, Bolsonaro simplesmente o mandou embora.

Nada de original. No dia em que Fabrício Queiroz foi preso na casa do advogado da família Bolsonaro, o presidente demitiu o desgastado ministro Abraham Weintraub, da Educação.

Duas perdas que Bolsonaro sentirá muito. Weintraub foi recompensado com um cargo de diretor do Banco Mundial, em Washington. Ganha em dólar. Salles ficará ao Deus dará.

Bolsonaro antecipou-se a novas descobertas sobre o envolvimento de Salles com contrabando de madeira nobre da Amazônia. O inquérito foi aberto nos Estados Unidos, e só depois aqui.

O Supremo Tribunal Federal estava pronto para ordenar que Salles se afastasse do cargo. A lama que começou a encobrir Salles poderá respingar no próprio Bolsonaro.

Foi melhor para o ex-ministro. Assim, não correrá mais o perigo de ser julgado pelo Supremo. Seu caso irá para a justiça comum onde tudo é mais lento e sujeito a pressões.

 

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