EDITORIAIS
Grave suspeita
Folha de S. Paulo
São muitas as dúvidas sobre a lisura da
compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro
Como se não fosse desastrosa o bastante a
atuação do governo Jair Bolsonaro na busca de vacinas contra a Covid-19, às
evidências de incúria somam-se agora suspeitas quanto à lisura do processo, em
particular na compra do
imunizante indiano Covaxin.
Os sinais de alerta começam pelos preços.
Pelo contrato, assinado em fevereiro, o governo brasileiro pagaria US$ 15 por
dose da Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, numa
operação que envolveria 20 milhões de doses e totalizaria R$ 1,61 bilhão.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo,
houve encarecimento de 1.000% ante o valor anunciado pelo fabricante seis meses
antes.
O imunizante é o mais caro dos seis que o
Executivo federal contratou. O da Pfizer, que se vale de uma tecnologia muito
mais avançada do que a empregada na Covaxin, saiu por US$ 10 a dose. O produto
indiano só foi aprovado pela Anvisa no último dia 4, após uma rejeição e com
ressalvas de uso.
Ao contrário do que ocorre com as vacinas
ocidentais, não há muitos trabalhos sobre a eficácia/efetividade da Covaxin
publicados em periódicos com revisão por pares.
Outro detalhe inquietante é que ela, ao contrário de todas as outras vacinas compradas pelo Brasil, que foram negociadas diretamente com o laboratório, foi adquirida por meio de um representante, a Precisa Medicamentos.
O sócio-administrador da empresa, Francisco
Emerson Maximiano, preside outra, a Global Gestão em Saúde, que responde a
processo por irregularidades em contratos com o Ministério da Saúde.
O processo de aquisição do fármaco indiano
também correu com uma rapidez que contrasta com o pouco caso negligente que o
governo Bolsonaro dispensou à compra de outros imunizantes.
Como revelou a Folha, Luís Ricardo
Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde,
relatou ao Ministério Público Federal, em 31 de março, ter sofrido pressão
incomum para assinar o contrato.
Pior, o deputado federal Luis Miranda
(DEM-DF), irmão de Luís Ricardo, diz que alertou, em 20 de março, o próprio
presidente acerca dos indícios de irregularidades.
Segundo o parlamentar, Bolsonaro prometeu
que acionaria a Polícia Federal, mas não houve informação posterior a esse
respeito.
Por fim, todos os prazos fixados para a chegada das vacinas indianas se esgotaram sem que nenhuma dose tenha sido entregue. Para um mandatário que se gaba de não ser alvo de acusações de corrupção, há muito a explicar.
Salles fora
Folha de S. Paulo
Bolsonaro saca enfim o auxiliar, mas nada
indica que mude política antiambiental
Durou muito, demais até, a permanência de Ricardo
Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente. Mesmo num governo
dado à pirraça, como o de Jair Bolsonaro, sua manutenção no cargo nada agregava
de benéfico para a Presidência.
Para o Brasil, então, Salles só acarretava
opróbrio. Para além dos resultados sinistros de sua gestão, já afrontava o
senso de decoro a preservação de um administrador investigado pela Polícia
Federal sob suspeita de favorecer exportadores de madeira ilegal.
A folha corrida do auxiliar tardiamente
defenestrado é longa. No alto figura a famigerada recomendação, em reunião
ministerial de abril de 2020, de aproveitar a atenção dada à pandemia para
“passar a boiada” da desregulamentação às cegas do setor ambiental.
Seria só mais uma declaração abjeta no
recesso palaciano, ainda que sincera, não correspondesse a ações funestas para
o patrimônio natural brasileiro. Ao longo da gestão de Salles, o desmatamento
da Amazônia voltou aos cinco dígitos, saltando para 10 mil km² no primeiro ano
do governo Bolsonaro e para 11 mil km² em 2020.
Neste ano, a devastação campeia mais uma
vez. O alarme chegou ao vice-presidente Hamilton Mourão, que anunciou a volta
das Forças Armadas à linha de frente contra o desmate. De novo o Planalto
despenderá milhões de reais para contingentes sem experiência realizarem o
combate que caberia precipuamente ao ministério.
A razão parece óbvia: Salles obteve sucesso
em manietar e aleijar os órgãos de fiscalização e controle sob sua alçada,
Ibama e ICMBio.
Tamanha dissociação administrativa
representa o melhor sintoma de que, sob Bolsonaro, não se busca de fato
resolver nada na Amazônia ou fora dela, somente multiplicar operações
cenográficas para o público internacional.
Salles e seu chefe escolheram o lado do
agronegócio predador, dos garimpeiros e madeireiros ilegais, dos grileiros que
usurpam unidades de conservação e áreas indígenas e outras terras da União.
Na missão ecocida, Bolsonaro e Salles
sempre contaram com o apoio da bancada ruralista do Congresso. Nem Bolsonaro
nem o Parlamento mudaram. Sai o ministro, segue a política desastrosa.
O presidente nomeou para a pasta Joaquim Pereira Leite, secretário da Amazônia e Serviços Ambientais. Como Salles, tem no currículo passagem pela Sociedade Rural Brasileira. A ver se logrará um mínimo de conciliação entre os interesses dos produtores e a preservação ambiental, como sempre propala a ala mais esclarecida do setor.
Gincana da vacina
O Estado de S. Paulo
A suspensão da vacinação contra covid-19 em
São Paulo na terça-feira, por falta de imunizantes, expôs uma inaceitável
confusão a respeito de um dos mais delicados aspectos da pandemia. Seja qual
for a razão do contratempo enfrentado pelos paulistas, fica claro que
autoridades municipais, estaduais e federais alimentaram as expectativas dos
maltratados cidadãos a respeito da tão necessária vacinação sem que suas
promessas tivessem total respaldo na realidade. Não é assim que se faz política
pública, ainda mais num momento grave como esse, em que é preciso conquistar a
confiança da população para convencê-la a aderir à campanha para conter uma
pandemia mortal.
Nas últimas semanas, governos de diversos
Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Maranhão,
anunciaram sucessivas antecipações na vacinação. O governo paulista, por
exemplo, chegou a informar que esperava vacinar todos os adultos até setembro,
e não mais até o fim do ano, como anteriormente previsto.
Tudo isso ajudou a criar um clima de
otimismo, depois de mais de um ano de sofrimento e sacrifício, com mais de meio
milhão de mortos, um sistema de saúde estressado e uma economia abalada. O
problema é que nada autorizava esse otimismo.
O Ministério da Saúde, que compra e
distribui as vacinas, vem há tempos alterando, para menos, a quantidade de
imunizantes que promete entregar, seja por atraso de laboratórios, seja pela
falta de insumos para a produção local. Já deveria estar claro que os números
do cronograma divulgado pelo Ministério da Saúde são, no mínimo, duvidosos.
Por isso, é imprudente não somente
acreditar nesses números, como anunciar a antecipação da vacinação, como se os
imunizantes prometidos pelo Ministério da Saúde estivessem garantidos.
Sabe-se que há uma disputa política feroz
entre alguns Estados e o governo federal, provocada pela percepção do
presidente Jair Bolsonaro de que os governadores são seus inimigos, e essa
disputa tem contaminado dramaticamente o planejamento do combate à pandemia em
todas as esferas da administração pública.
O presidente Bolsonaro tudo fez e faz para
sabotar os esforços dos Estados e municípios para conter a pandemia, jogando
governadores e prefeitos contra a população ao responsabilizá-los por todas as
suas agruras. Ademais, Bolsonaro trabalhou com afinco para adiar o quanto pôde
a aquisição de vacinas, e só as aceitou após forte pressão do comando do
Congresso. Mesmo assim, continua a disseminar dúvidas sobre os imunizantes.
Enquanto isso, os governadores tiveram que
lidar não somente com a pandemia, mas com a crescente impaciência de seus
governados com as restrições de movimento e com a falta de vacinas. Por isso,
quando a vacina surgiu e estava ao alcance, sobretudo graças aos esforços do
Instituto Butantan e do governo paulista, tornou-se naturalmente uma arma
política, usada por governadores para mostrar serviço, como contraponto à
inércia criminosa do governo federal.
Assim, a “gincana da vacina” que se
verificou nas últimas semanas em vários Estados, numa disputa para ver quem
imunizava mais, pode muito bem fazer parte desse embate político, pois
pressiona o Ministério da Saúde a entregar os imunizantes conforme seu
cronograma – aquele que muda a cada dia, quase sempre para pior.
Diante disso, parece claro que o calendário
de vacinação foi transformado em ativo eleitoral contra Bolsonaro, pois é óbvio
que a sensação de alívio com a imunização tem grande potencial de gerar votos.
Nesse embalo, São Paulo relaxou parte das medidas de restrição – e depois
voltou atrás – e o Rio de Janeiro anunciou que pretende fazer o carnaval no ano
que vem, como se o País estivesse se encaminhando alegremente para a
normalidade.
Não está. A média móvel de casos subiu 26%,
atingindo o maior nível desde março. A média móvel de óbitos continua em torno
de 2 mil por dia, um número que deveria envergonhar todos. No Estado de São
Paulo, a ocupação de leitos de UTI para covid-19 ainda é de quase 80%.
Diante disso, seria muito bom que o
calendário de vacinação pudesse ser antecipado. Mas, até agora, o único
calendário antecipado, de fato, foi o eleitoral.
O TSE pede provas a Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Duas semanas depois de o presidente Jair
Bolsonaro ter voltado a afirmar, durante um culto religioso em Anápolis (GO),
que só não ganhou as eleições de 2018 no primeiro turno por causa de fraudes, o
corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Felipe Salomão,
deu o prazo de 15 dias para que ele apresente documentos e provas que
fundamentem suas acusações.
“Eu fui eleito no primeiro turno. Tenho
provas materiais disso, mas a fraude que existiu, sim, me jogou para o segundo
turno. Outras coisas aconteceram e só acabei ganhando porque tive muito voto e
(era assessorado) por algumas poucas pessoas que sabiam como evitar ou inibir
que houvesse a fraude naquele momento”, afirmou Bolsonaro. Embora ao longo dos
últimos dois anos e meio tenha feito outras afirmações no mesmo sentido, até
hoje ele não apresentou qualquer prova ou evidência. E, em sua live da
semana passada, voltou a tocar no assunto, dizendo que, se o sistema de voto
impresso não for adotado no pleito de 2022, haverá fraude, o que levará o País
a uma “convulsão social”.
Encarregado de apurar irregularidades na
esfera eleitoral, o ministro Luís Felipe Salomão fundamentou sua decisão com
base em seis acusações de Bolsonaro coletadas pela Corregedoria do TSE e fez
mais três determinações. Em primeiro lugar, obrigou todos os membros do entorno
de Bolsonaro que fizeram declarações sobre fraudes nas urnas eletrônicas, no
pleito de 2018, a também apresentar provas, sob pena de sofrerem sanções. Em
segundo lugar, instaurou procedimento administrativo para apurar “a existência
de elementos concretos que possam ter comprometido a segurança do processo
eleitoral nos pleitos de 2018 e 2020”. Por fim, notificou o Cabo Daciolo,
candidato derrotado a presidente em 2018, a prestar esclarecimentos, uma vez
que, a exemplo de Bolsonaro, ele também denunciou irregularidades na apuração,
sem apresentar provas.
Ao justificar todas essas decisões, o
ministro Luís Salomão alegou que “a credibilidade das instituições eleitorais
constitui pressuposto necessário à preservação da estabilidade democrática e à
manutenção da normalidade constitucional”. Segundo ele, “relatos genéricos”,
como os que Bolsonaro vem fazendo reiteradamente desde o ano passado, “maculam
a imagem da Justiça”.
A partir de agora, portanto, se não
apresentar à Corregedoria do TSE as provas que sempre disse ter, Bolsonaro
enfrentará dois problemas. O primeiro é de ordem moral, uma vez que quem faz
sucessivas denúncias infundadas e genéricas não passa de um boquirroto
inconsequente e de um mentiroso contumaz. Já o segundo problema é de natureza
jurídica. O presidente poderá não apenas sofrer uma sanção pecuniária por ter
feito acusações sem provas à Justiça Eleitoral, mas, também, ser processado
judicialmente pelos crimes de prevaricação e desobediência no Supremo Tribunal
Federal.
É justamente aí que está o maior problema.
Se a tramitação do processo for arrastada, o julgamento poderá coincidir com o
início formal da campanha eleitoral do próximo ano, o que desgastará a imagem
do presidente da República e ampliará as tensões políticas. E, se ele for
condenado por fazer denúncias mentirosas e por estimular grupos de apoiadores a
divulgar nas redes sociais informações falsas contra as instituições judiciais,
colhendo assim os frutos do que irresponsavelmente plantou, os candidatos
oposicionistas não perderão a oportunidade de pedir a sua inelegibilidade ao
TSE. Com isso, a eleição presidencial será judicializada, pois, qualquer que
seja a decisão da Corte, a parte derrotada recorrerá ao STF.
A iniciativa do corregedor do TSE, que
apenas cumpriu seu papel funcional, está sendo vista nos meios políticos como
uma resposta sutil da magistratura às inconsequentes e irresponsáveis afrontas
que Bolsonaro vem fazendo à Justiça. Mas, dependendo do desenrolar do caso
nessa Corte, ela pode abrir caminho para uma crise maior do que se
imagina.
A aposta em juros mais altos
O Estado de S. Paulo
Enquanto a inflação complica o dia a dia
das famílias, a alta de juros, empregada como terapia anti-inflacionária, mexe
com o mercado financeiro e com o câmbio. O dólar terminou a terça-feira cotado
a R$ 4,97, o menor valor desde o dia 10 de junho do ano passado. A expectativa
de maior aperto monetário, com elevação mais veloz dos juros básicos, tem sido
um dos fatores de contenção cambial. A política monetária americana, sem
perspectiva de taxas mais altas até 2023, também tem contribuído para maior
oferta de dólares em outros mercados, incluído o brasileiro. As apostas em
aperto maior no Brasil foram reforçadas pela ata da última reunião do Copom, o
Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), publicada nesta semana.
A taxa básica de juros, a Selic, será
elevada de 4,25% para 5,25% ao ano na próxima deliberação do Copom, em agosto,
segundo previsão disseminada no mercado financeiro. Na ata, no entanto, a
indicação mais explícita é de um novo aumento de 0,75 ponto porcentual,
idêntico aos dois anteriores. Mas essa indicação, como sempre, é condicional: a
decisão efetiva dependerá das informações coletadas até a nova reunião. Mas a
porta para um ajuste mais forte parece mais que entreaberta, desde a divulgação
da ata.
Para começar, as projeções de inflação
citadas no informe do BC estouram o limite de tolerância fixado para o ano, de
5,25%. No cenário básico, o aumento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA) ficará “em torno” de 5,8%, com juros básicos elevados até 6,25%.
Esses números já constituem uma boa razão para apostar numa Selic na altura de
6,5% – com aceleração, portanto, do ajuste monetário previsto até a última
sessão do Copom.
Em segundo lugar, a “persistência” da
pressão inflacionária tem sido maior que a prevista, de acordo com o informe.
Esse reconhecimento é um forte sinal de maior preocupação quanto à evolução
provável dos preços. Depois, o Comitê insiste na indicação de um “risco fiscal
elevado”. A continuidade desse risco pode empurrar a inflação para níveis mais
altos no “horizonte relevante” para a política monetária.
O alerta vale pelo menos para 2021 e 2022.
O risco fiscal é explicitamente associado ao prolongamento das políticas “de
resposta à pandemia”. A linguagem seria mais convincente, e menos diplomática,
se o perigo fosse claramente associado às pressões do presidente Jair Bolsonaro
por ações de apoio à reeleição, como gastos sociais maiores e tributação mais
branda. Mudanças como essas podem ser defensáveis, mas só deveriam vir no bojo
de um planejamento fiscal efetivo e com finalidades mais amplas que os
objetivos eleitorais.
A insegurança fiscal, segundo o Copom, gera
uma “assimetria no balanço de riscos”. Sem o jargão profissional, o recado é o
seguinte: o risco de uma inflação acima das atuais projeções supera o de uma
evolução mais moderada. Com as incertezas quanto à condução das contas
públicas, a inflação poderá revelar-se pior do que hoje se espera. Além disso,
se crescerem os temores de maior desarranjo nas contas públicas, o próprio
comportamento dos agentes de mercado poderá afetar a formação dos preços.
Essa insegurança, gerada pelo governo e especialmente pelas imprudências do presidente Jair Bolsonaro, já produziu estragos notáveis, como a forte valorização do dólar. Durante um ano a moeda americana, com cotações frequentemente acima de R$ 5,40, afetou perigosamente os preços. Um efeito secundário foi a decisão do Copom de elevar os juros para esfriar a demanda e conter a inflação. Apesar disso, as pressões inflacionárias persistiram, o IPCA subiu mais de 8% em 12 meses e por isso se espera, agora, um aperto monetário mais forte. Juros mais altos tendem a atrapalhar a recuperação da economia e, além disso, complicam a situação do Tesouro, encarecendo a dívida pública e tornando mais custosa a sua rolagem. A melhora desse quadro depende crucialmente de mais cuidado e mais previsibilidade nas ações de governo. Falta o presidente Bolsonaro assumir sua responsabilidade.
São necessários ajustes na reforma
administrativa
O Globo
É urgente a aprovação de uma reforma administrativa para aperfeiçoar a gestão
do setor público, tomado por uma barafunda de carreiras, cargos e benesses que
transformou o Estado numa máquina de gerar desigualdade. Outro objetivo da
reforma é, naturalmente, garantir a melhora da saúde fiscal. O perigo, quando
se trata de tema tão complexo e cheio de meandros, mora nos detalhes.
É o que deixa claro uma nota técnica
elaborada pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle (Conorf), do
Senado Federal, sobre o impacto fiscal da proposta enviada pelo governo ao
Congresso. É verdade que ela adota um tom desnecessariamente crítico ao projeto
— em particular, em relação aos pontos essenciais que procuram eliminar
privilégios inaceitáveis do funcionalismo. Mesmo assim, certas questões
levantadas pelo consultor legislativo Vinícius Leopoldino do Amaral são
pertinentes e deveriam ser revistas pelo Congresso.
A principal: a proposta de mudar as regras
para ocupar cargos em comissão e de confiança poderá fazer com que os governos
federal, estaduais e municipais tenham 1 milhão — sim, 1 milhão — de postos
para livre nomeação, um acréscimo de, pelo menos, 207 mil ao total atual. Mais
que isso, a proposta afrouxa os critérios de nomeação, deixando de exigir
qualificação mais rígida e abrindo brechas em áreas técnicas.
É totalmente discutível a estimativa de
Amaral de que o projeto do governo poderia custar R$ 115 bilhões anuais aos
cofres do governo. O pesquisador Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública
(CLP), estimou em R$ 736,4 bilhões a economia em dez anos, caso a proposta
venha a incluir todos os funcionários públicos. De todo modo, a nota técnica da
Conorf aponta mudanças que tenderiam a causar prejuízos, seja em virtude de
incentivo à corrupção, seja pela perda de eficiência resultante da falta de
preparo dos novos contratados.
Um ponto destacado por Amaral é o que veda
a concessão de parcelas remuneratórias e indenizatórias a servidores, boa parte
privilégios injustificáveis. Amaral lembra que, na maior parte dos órgãos da
União, essas regras já mudaram, com as previsíveis exceções da magistratura e
do Ministério Público. A incorporação de parlamentares, procuradores,
magistrados e militares à reforma geraria economia de R$ 31,4 bilhões em dez
anos, segundo Duque.
O Ministério da Economia defende a proposta
de mudança como uma estratégia para profissionalizar posições de liderança na
esfera pública e argumenta que regras mínimas para as contratações devem ser
definidas por lei. Alega também que não cabe ao Executivo propor mudanças nas
carreiras dos demais Poderes (uma justificativa falha).
Faz sentido atrair talentos da iniciativa
privada para o setor público, eficiente em algumas áreas e carente em tantas
outras. Mas, como o Brasil é o Brasil, sob o pretexto da meta de maior
eficácia, pode haver uma nova expansão dos cabides de emprego. Sempre é bom
lembrar que há outras maneiras de tornar o serviço público mais produtivo, como
sistemas de promoção com incentivos na direção correta. É, por isso,
recomendável que o Congresso faça as correções necessárias no texto, em
particular a inclusão de todas as categorias do funcionalismo, e aprove quanto
antes uma reforma administrativa ampla.
Jogador de futebol americano dá exemplo
para gays nos esportes
O Globo
Num vídeo curto publicado nesta semana numa
rede social, o jogador Carl Nassib, do Las Vegas Raiders, se tornou aos 28 anos
o primeiro gay assumido em atividade no futebol americano. Seu nome se associa
a outros que tiveram a coragem de romper a barreira do preconceito, como o
jogador de basquete Jason Collins ou o ginasta Diego Hypólito.
Nos esportes femininos, são mais comuns
casos de atletas que se identificam como homossexuais enquanto ainda estão
atuando, caso da artilheira Marta ou da tenista Martina Navratilova — e, mesmo
assim, o preconceito é enorme. Nos masculinos, ele está tão arraigado que
muitos atletas resistem a assumir por medo de sofrer reveses profissionais,
como perda de oportunidades na carreira ou cortes de patrocínio. No futebol,
associado ao estereótipo da masculinidade, a dificuldade se torna ainda maior.
No Reino Unido, o ala Robbie Rogers
abandonou o Leeds para poder se assumir gay. Depois até aceitou uma oferta para
jogar nos Estados Unidos, onde o esporte não tem a mesma relevância, mas sua
carreira estava condenada. No Brasil, a pressão ainda é de tal monta que,
apesar de vários jogadores serem sabidamente gays, até hoje nenhum veio a
público assumir.
Tal situação se torna mais grave quando as
próprias entidades responsáveis pelo futebol são contaminadas pelo preconceito.
A Uefa, federação de associações futebolísticas europeias, cedeu a pressões do
governo conservador da Hungria e rejeitou que o estádio Arena de Munique fosse
iluminado com as cores do arco-íris no jogo de ontem entre Alemanha e Hungria
pela Eurocopa, numa celebração da diversidade sexual e de gêneros.
Entre os absurdos cometidos pelo governo do
primeiro-ministro Viktor Orbán — uma lista longa que inclui propaganda
mentirosa sobre o papel da Hungria na Segunda Guerra, publicidade antissemita
contra o financista e filantropo George Soros, restrição às liberdades de
imprensa e acadêmica, aparelhamento dos tribunais e outras medidas para manter
o poder —, está uma nova lei que proíbe a “promoção” da homossexualidade entre
menores de idade. Com base nas ideias estapafúrdias de que a diversidade seja
indesejável e de que alguém possa virar gay ou transgênero em virtude do que lê
ou vê, a legislação veta a menores de 18 anos o acesso a “conteúdos que
representam a sexualidade ou promovem o desvio da identidade de gênero, a
mudança de sexo ou a homossexualidade”.
Um grupo de 13 países europeus se manifestou contra a lei húngara e pediu que a Comissão Europeia faça cumprir as normas que procuram manter o respeito à diversidade dentro do bloco. É lamentável que organizações como a Uefa se curvem à visão retrógrada, preconceituosa e intolerante da Hungria e dos grupos de pressão que têm feito de tudo em nome do retrocesso, com base no falso moralismo que mistura religião e hipocrisia. É a persistência desse tipo de postura no esporte que torna ainda mais difícil a vida de gays como Carl Nassib — e que dá ainda mais valor a sua atitude corajosa.
Lobbies levam a melhor na desestatização da
Eletrobras
Valor Econômico
O Centrão e o governo mostraram como se
pode destruir uma boa ideia
A primeira “privatização” do governo Jair
Bolsonaro foi feita a qualquer custo, de qualquer jeito, para fazer com que a
promessa do ministro Paulo Guedes de avançar na desestatização dê a impressão
de que será cumprida - quando nem o presidente acredita nela. O Planalto e o
ministro da Economia consideraram a privatização, com seu lastimável desfecho,
como uma vitória - outras como essa afundarão a já frágil economia do país.
A forma da desestatização da Eletrobras tem
a marca registrada do Centrão. Guedes recorreu às “criaturas do pântano
político” para a aprovação da MP que expiraria na terça-feira. O aperto dos
prazos e votações de última hora não foram responsáveis pela imensa quantidade
de “jabutis” aprovados na segunda pela Câmara dos Deputados, com folgada
maioria de 258 votos a favor e 236 contrários. A MP já saiu das mãos do relator
Elmar Nascimento (DEM-BA) com uma coleção de artigos destinados a atender a
vários lobbies de políticos, funcionários e de algumas das dezenas de entidades
do setor elétrico.
Cálculos preliminares de empresários da
União pela Energia indicam que irão para a conta dos consumidores de energia
algo como R$ 84 bilhões, valor um pouco menor que os R$ 100 bilhões que o
Tesouro pode embolsar com outorgas e a redução de suas ações na companhia de
60% para 45%.
O rumo seguido pelas propostas nefastas de
todo tipo que rechearam a MP - e também de várias que ficaram fora - ilustra em
negativo a necessidade da privatização. Loteada por interesses econômicos e
políticos, é impossível blindar a companhia na esfera do Estado e entregar sua
administração para especialistas responsáveis e competentes. A promessa de
Bolsonaro de evitar o toma lá, dá cá foi mais um estelionato eleitoral e a
forma final da MP é resultado dos piores tipos de barganha aceitas pelo
Executivo.
O governo defendeu a privatização mesmo com
todas as aberrações que a MP continha e seus líderes no Congresso disseram que
apesar dos dispendiosos gastos enfiados no texto as tarifas de energia irão
diminuir.
O leque de interesses contemplados é amplo.
A Eletrobras privatizada não poderá, durante 10 anos, mudar a sede da Companhia
Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), Furnas, Eletronorte e Eletrosul.
Funcionários demitidos sem justa causa até um ano após a privatização deverão
ser realocados pelo governo em outras estatais. Estes são os penduricalhos
“baratos”.
O Congresso atribuiu a si a tarefa de
planejar a expansão elétrica brasileira, para a qual já existe um órgão
competente, a EPE, sem qualquer estudo ou avaliação séria, seguindo estranhos
intuitos. Foi aprovada a obrigatoriedade de construção de usinas termelétricas
inflexíveis movidas a gás natural no Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste,
que ofertariam 8 MW (saiu da Câmara com 6, voltou do Senado com mais 2 MW) por
15 anos. As localidades beneficiadas não são grandes centros de consumo e terão
de ser atendidas por uma extensa rede de gasodutos, a ser construída.
A ideia de espalhar gasodutos pelo país é
uma estranha obsessão de alguns congressistas. No governo anterior, tentou-se
subtrair dinheiro do fundo social (composto por royalties do petróleo e outras
receitas do óleo) para a criação de uma “Brastubo”, que teria função parecida
com a que o relator agora conseguiu aprovar na MP da Eletrobras. O Congresso
até foi condescendente - a proposta original era que a rede de fornecimento de
gás fosse iniciada antes de o governo abrir mão de sua maioria acionária, ou
seja, uma pré-condição para a desestatização. Tudo isso trará lucros
importantes para determinados fabricantes e fornecedores e a conta será paga
pelos consumidores - o que o governo nega.
A medida parece desenhada para atender
certas encomendas. As termelétricas são construídas perto dos centros de carga,
para evitar custos de transmissão, e o Sudeste detém 62% do consumo total
(Edvaldo Santana, Valor,
20 de maio). Os líderes do governo dizem que essa rede de usinas e gasodutos
estimulará o desenvolvimento regional.
A Eletrobras privada terá de reservar R$
9,5 bilhões para a revitalização das bacias hidrográficas do Rio São Francisco,
do Rio Parnaíba, dos rios geridos por Furnas (em Minas e Goiás) O linhão de
Tucuruí, que passa por território indígena, será feito sem necessidade de aval
do Ibama e da Funai.
O Centrão caprichou nos detalhes, o governo
teve uma vitória de Pirro e ambos mostraram como se pode destruir uma boa
ideia.
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