O Estado de S. Paulo
Mesmo com a economia melhorando, a situação
política é de grande incerteza
Se Jair Bolsonaro acha
que está sendo cercado e cerceado, e se sente ameaçado, está mesmo. Do ponto de
vista “estrutural” perdeu poder para o Legislativo (além de virar refém
do Centrão)
e foi manietado pelo Judiciário. Do ponto de vista das circunstâncias do
cotidiano, está acuado pela evidência de que as ruas não são apenas dele.
A CPI da
pandemia mantém constante pressão política, gerando desgaste
que o foco nos contratos da vacina indiana aumentaram perigosamente.
A questão é saber como Bolsonaro pretende sair de uma situação que ele mesmo ajudou a criar. Até aqui ele tem dobrado a aposta em reiterar crenças absurdas (como a do tratamento precoce), falsidades (como o “documento” do TCU sobre exagero no número de mortos) e seu comportamento habitual de desprezo por instituições (como se aconselhar com charlatães e puxa sacos em detrimento das instâncias técnicas do Ministério da Saúde) e ataques à imprensa.
Note-se, porém, que o horizonte de tempo no
qual ele opera – o do calendário das eleições de 22 – oferece a ele dois
fatores positivos. A inflação está subindo e corroendo renda e poder de compra,
mas ao mesmo tempo trouxe uma (perversa) folga para gastar em auxílio imediato
e até criar um programa social para chamar de seu. É verdade que o famoso “feel
good factor” em relação à economia está demorando para se fazer presente.
Contudo, há unanimidade nas previsões de crescimento mais robusto durante os
próximos 18 meses.
Além disso, preso desde tempos coloniais
aos ciclos globais de preços de commodities, o Brasil está sendo fortemente
beneficiado por mais um deles, que desta vez atinge tudo o que o país exporta.
O significado político eleitoral disso é menos nervosismo por parte dos agentes
econômicos, inclusive em relação às questões fiscais nesse mesmo prazo do
calendário eleitoral. Óbvio que nada de estrutural foi resolvido e muito menos
se tratou da agenda da produtividade, a única que tiraria o país da estagnação
de décadas, mas o que importa é só a reeleição.
Ocorre que Bolsonaro não tem paciência,
raciocínio estratégico e nem acha que o tempo, eventualmente, possa trabalhar a
seu favor – embora demonstre um cínico cálculo político de que a vacinação, que
ele tanto atrasou, ajude a sociedade a deixar para trás a tragédia da pandemia.
Ao contrário, seu comportamento recente transmite a sensação do indivíduo que
se sente de costas para o paredão do rochedo e de frente para o abismo, com os
pés escorregando.
A “costura” que ele vem fazendo para
enfrentar as instituições que o cercam é corroê-las por dentro e, de fato, ele
tem nomeações relevantes para fazer em breve nos tribunais superiores, além da
PGR. O problema é averiguar se a “ocupação” interna dessas instâncias será
eficaz para contrabalançar a reação desses tribunais (STF e TSE) ao que tem
sido, por parte de Bolsonaro, a construção de uma contestação do sistema
eleitoral em particular, e da democracia em geral, pois o único resultado que
ele parece admitir é sua própria vitória. O TSE é desde já o grande adversário
de Bolsonaro, e será presidido a partir de agosto por um ministro do Supremo
que detém as informações dos inquéritos sobre fake news e atos
antidemocráticos.
Confunde bastante esse permanente confronto
entre um presidente que se elegeu e governa como agente “antissistêmico” e, ao
mesmo tempo, trabalha por dentro e é contido pelas instituições do sistema.
Algumas instituições de grande reputação na análise de risco, como a Eurásia
(dirigida sobretudo para o público externo) concluem que esse atrito constante
acabou gerando um equilíbrio com “resultados decentes” (incluindo reformas
mesmo com pandemia), ou seja, as manchetes parecem mais graves do que a
situação de fato.
A mesma análise admite, porém, que serão as
eleições do ano que vem o grande “teste crítico” sobre a tese de que a
democracia brasileira acabará resistindo à depredação trazida por agentes como
Bolsonaro. Essa incerteza afeta mesmo os mais experientes. Um bom exemplo
recente: do alto dos seus 90 anos, o político FHC afirma que Bolsonaro é um
democrata. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso admite na mesma frase, porém,
que “a dinâmica dos fatos políticos” pode levar à ruptura democrática.
Resta saber qual é o grau que Bolsonaro tem
de atração pelo abismo.
Resta saber qual é o grau que Bolsonaro tem
de atração pelo abismo.
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