Folha de S. Paulo
E se, num dia marcado, as pessoas apenas
saírem às ruas ---qualquer rua--- vestidas de preto?
No dia 16 de agosto de 1992, um domingo, o
Brasil saiu de preto às ruas para mostrar que tinha vergonha na cara. Dias
antes, o presidente Fernando
Collor, já carimbado por denúncias de corrupção, conclamara o “povo”
a desfilar de verde-amarelo para defendê-lo. E por que não? Afinal, fora eleito
com 35 milhões de votos, uma enormidade, e ainda se achava capaz de levar o
país no grito. Em troca, o povo silenciou-o com suas roupas e bandeiras pretas
em todas as cidades. Menos de dois meses depois, Collor deixou
de existir.
Jair Bolsonaro é 505 mil vezes pior do que Collor. A palavra genocida, que só em casos excepcionais saía dos dicionários contra alguém, tornou-se seu sinônimo. E de uso tão corriqueiro que se arrisca a ficar insuficiente para definir o homem que, não só deixou que centenas de milhares morressem da Covid, como, sabe-se agora, desejou essas mortes —e debocha de quem as chora.
O irônico é que Bolsonaro, que sempre quis
o Brasil exposto ao vírus, beneficia-se do fato de as pessoas mais conscientes,
por temerem as aglomerações, não saírem às ruas contra ele. Mas isso está
mudando. A repulsa começa a lhes dar coragem, como as duas recentes
manifestações mostraram. É verdade que, por enquanto, estas ainda estão longe
de refletir a realidade —sei de muitas pessoas que não foram a elas por serem
distantes de suas casas.
Uma coisa é ter de atravessar, a pé ou de
condução, os muitos bairros que levam a uma manifestação. Mas, e se todos
apenas saírem de preto num dia marcado, como em 1992, para caminhar pelos seus
próprios quarteirões, de máscara e a uma distância segura, entre os amigos e
conhecidos? Famílias inteiras poderão fazer isso. Um Brasil de luto dirá melhor
o que é viver sob Bolsonaro.
Mesmo porque o luto —o nosso ou o de alguém que amamos— já está hoje em cada rua, prédio ou apartamento, implorando para gritar.
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