Valor Econômico
Com reforma do Código Eleitoral, aliados do
presidente contra-atacam cerco da Justiça Eleitoral
Golpista que se preze não age sozinho. Tem
aliados bem postos que pavimentam seu caminho. Aqueles que o presidente tem no
Congresso não se limitam a mantê-lo no poder a despeito do contêiner de crimes
de responsabilidade que Jair Bolsonaro carrega. Vão além. Minam as instituições
capazes de contê-lo.
É isso que está em curso com a reforma do
Código Eleitoral. Num momento em que o TSE tem uma bem bolada estratégia de
cerco e começa a angariar no Congresso aliados contra o golpismo do presidente
da República vem um contra-ataque com potencial para reconfigurar o apoio
parlamentar contra a Justiça Eleitoral. Não há amadores em cena.
O cerco institucional começou pela
peregrinação do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, contra o voto
impresso, e não parou aí. Mobilizou o Ministério Público Eleitoral, que ajuizou
representação contra a propaganda eleitoral antecipada em ato de entrega de
títulos de propriedade rural no Pará, transmitido pela TV Brasil.
O cerco avançou com a portaria do corregedor-eleitoral do TSE, Luis Felipe Salomão, para que autoridades da República apresentem evidências de fraude nas eleições de 2018 e 2020. Estão citadas na portaria as acusações do presidente e de seus aliados de que ele teria sido eleito no primeiro turno não fosse a urna eletrônica.
A portaria e o despacho do corregedor não
adiantam as providências a serem tomadas se as evidências de fraude, inexistentes
ao longo dos últimos 25 anos, deixarem de ser apresentadas. O liame, porém, é
evidente. Uma acusação sem evidência é o outro nome de notícia falsa. O
inquérito das “fake news”, que corre no Supremo Tribunal Federal, é
desaguadouro natural das acusações não provadas do presidente da República. O
compartilhamento de provas com o TSE é facilitado pelo assento, em ambos os
tribunais, do relator do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes.
Paralelamente a esta movimentação, os
ministros do TSE se articulam, no Congresso, para derrotar a proposta de emenda
constitucional do voto impresso. Parlamentares que já foram defensores do
mecanismo e hoje estão convencidos de que discuti-lo é impulsionar a escalada
autoritária do presidente já foram arregimentados.
Buscam presidentes dos partidos que se
dizem contrários ao voto impresso para que unifiquem suas legendas em torno da
posição. A força que os dirigentes partidários têm acumulado, com crescentes
recursos partidários e eleitorais à sua disposição, é inversamente proporcional
à sua capacidade de alinhar as posições de suas legendas.
Esta configuração de forças pode ser
completamente embaralhada pelo relatório da deputada Margarete Coelho (PP-PI)
para a reforma do Código Eleitoral. Está longe de ser o único impacto mas é
aquele de consequências mais imediatas para o jogo que está em curso.
Reforma mais ampla já procedida no código e
conduzida por um grupo de trabalho sem a amplitude e a transparência de uma
comissão regular, aquela que está proposta no relatório tem o condão de unir os
parlamentares que, da direita à esquerda, partilham velhas contendas com a
Justiça Eleitoral.
Numa análise prévia de seus 934 artigos (56
a mais do que os divulgados anteriormente) o fundador do movimento
“Transparência Partidária”, Marcelo Issa, identificou a desidratação do poder
da Justiça Eleitoral de investigar as contas partidárias e de punir
contravenções além da interposição de dificuldades para a cassação de mandatos.
Aquela de maior impacto para a urna
eletrônica, porém, é a que inclui parlamentares entre aqueles que podem
questionar o desenvolvimento tecnológico dos equipamentos utilizados nas
eleições. É uma porta escancarada para se questionar não apenas o
aperfeiçoamento das urnas eletrônicas como de quaisquer concessões que se façam
para aplacar a ofensiva bolsonarista, como, por exemplo, um pequeno percentual
de impressão de voto. A introdução desse artigo demonstra que a ameaça do
presidente (“Se não houver impressão de 100% dos votos não tem eleição) já está
provisionada no relatório.
Na visita que fez ao TSE, na companhia dos
colegas da comissão do voto impresso, o deputado Eduardo Bolsonaro, ciente das
divisões que hoje pairam no tribunal em torno das concessões ao voto impresso,
tentou, sem sucesso, arrancar do presidente do colegiado o compromisso com
algum percentual de impressão.
A ofensiva do TSE em busca de aliados
capazes de reverter o voto impresso ainda no Congresso se deve à dificuldade de
barrar, no Supremo, uma emenda constitucional. Não é o caso da reforma do
Código Eleitoral, legislação ordinária passível de questionamentos.
A tramitação conjunta das duas propostas,
porém, obrigará os tribunais a reforçar suas alianças no Congresso e mostrar,
ao contrário do que disse Bolsonaro, que hoje no Brasil não há dois Poderes
(Executivo e Legislativo) contra um (Judiciário), mas democratas dispostos a
fechar o cerco contra o assalto às instituições.
A vacina dos apunhalados
Em dois anos e meio de governo, o
presidente Jair Bolsonaro esmerou-se na arte de apunhalar aliados pelas costas.
A lista é imensa. Foi inaugurada pelo principal coordenador de sua campanha e
ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, morto em
2020, e tinha, como derradeiro integrante, o auditor do Tribunal de Contas da
União, Alexandre Marques, filho de um ex-colega de Bolsonaro na Aman que foi
fritado depois do relatório falso com as mortes da covid-19.
Ao denunciar que o presidente foi avisado do superfaturamento na compra da vacina Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biontech, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) recusou-se a entrar para a lista e se antecipou à vigarice presidencial. Youtuber que fez campanha como um milionário que havia abandonado carreira empresarial de sucesso em Miami para salvar o Brasil do comunismo, Miranda acumula processos binacionais. Escanteado na reforma tributária, levou a acusação que até aqui cercava os aliados bolsonaristas e sua família para dentro do gabinete presidencial. Um rival à altura de Bolsonaro.
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