quinta-feira, 24 de junho de 2021

Maria Cristina Fernandes - A investida contra a Justiça Eleitoral

Valor Econômico

Com reforma do Código Eleitoral, aliados do presidente contra-atacam cerco da Justiça Eleitoral

Golpista que se preze não age sozinho. Tem aliados bem postos que pavimentam seu caminho. Aqueles que o presidente tem no Congresso não se limitam a mantê-lo no poder a despeito do contêiner de crimes de responsabilidade que Jair Bolsonaro carrega. Vão além. Minam as instituições capazes de contê-lo.

É isso que está em curso com a reforma do Código Eleitoral. Num momento em que o TSE tem uma bem bolada estratégia de cerco e começa a angariar no Congresso aliados contra o golpismo do presidente da República vem um contra-ataque com potencial para reconfigurar o apoio parlamentar contra a Justiça Eleitoral. Não há amadores em cena.

O cerco institucional começou pela peregrinação do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, contra o voto impresso, e não parou aí. Mobilizou o Ministério Público Eleitoral, que ajuizou representação contra a propaganda eleitoral antecipada em ato de entrega de títulos de propriedade rural no Pará, transmitido pela TV Brasil.

O cerco avançou com a portaria do corregedor-eleitoral do TSE, Luis Felipe Salomão, para que autoridades da República apresentem evidências de fraude nas eleições de 2018 e 2020. Estão citadas na portaria as acusações do presidente e de seus aliados de que ele teria sido eleito no primeiro turno não fosse a urna eletrônica.

A portaria e o despacho do corregedor não adiantam as providências a serem tomadas se as evidências de fraude, inexistentes ao longo dos últimos 25 anos, deixarem de ser apresentadas. O liame, porém, é evidente. Uma acusação sem evidência é o outro nome de notícia falsa. O inquérito das “fake news”, que corre no Supremo Tribunal Federal, é desaguadouro natural das acusações não provadas do presidente da República. O compartilhamento de provas com o TSE é facilitado pelo assento, em ambos os tribunais, do relator do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes.

Paralelamente a esta movimentação, os ministros do TSE se articulam, no Congresso, para derrotar a proposta de emenda constitucional do voto impresso. Parlamentares que já foram defensores do mecanismo e hoje estão convencidos de que discuti-lo é impulsionar a escalada autoritária do presidente já foram arregimentados.

Buscam presidentes dos partidos que se dizem contrários ao voto impresso para que unifiquem suas legendas em torno da posição. A força que os dirigentes partidários têm acumulado, com crescentes recursos partidários e eleitorais à sua disposição, é inversamente proporcional à sua capacidade de alinhar as posições de suas legendas.

Esta configuração de forças pode ser completamente embaralhada pelo relatório da deputada Margarete Coelho (PP-PI) para a reforma do Código Eleitoral. Está longe de ser o único impacto mas é aquele de consequências mais imediatas para o jogo que está em curso.

Reforma mais ampla já procedida no código e conduzida por um grupo de trabalho sem a amplitude e a transparência de uma comissão regular, aquela que está proposta no relatório tem o condão de unir os parlamentares que, da direita à esquerda, partilham velhas contendas com a Justiça Eleitoral.

Numa análise prévia de seus 934 artigos (56 a mais do que os divulgados anteriormente) o fundador do movimento “Transparência Partidária”, Marcelo Issa, identificou a desidratação do poder da Justiça Eleitoral de investigar as contas partidárias e de punir contravenções além da interposição de dificuldades para a cassação de mandatos.

Aquela de maior impacto para a urna eletrônica, porém, é a que inclui parlamentares entre aqueles que podem questionar o desenvolvimento tecnológico dos equipamentos utilizados nas eleições. É uma porta escancarada para se questionar não apenas o aperfeiçoamento das urnas eletrônicas como de quaisquer concessões que se façam para aplacar a ofensiva bolsonarista, como, por exemplo, um pequeno percentual de impressão de voto. A introdução desse artigo demonstra que a ameaça do presidente (“Se não houver impressão de 100% dos votos não tem eleição) já está provisionada no relatório.

Na visita que fez ao TSE, na companhia dos colegas da comissão do voto impresso, o deputado Eduardo Bolsonaro, ciente das divisões que hoje pairam no tribunal em torno das concessões ao voto impresso, tentou, sem sucesso, arrancar do presidente do colegiado o compromisso com algum percentual de impressão.

A ofensiva do TSE em busca de aliados capazes de reverter o voto impresso ainda no Congresso se deve à dificuldade de barrar, no Supremo, uma emenda constitucional. Não é o caso da reforma do Código Eleitoral, legislação ordinária passível de questionamentos.

A tramitação conjunta das duas propostas, porém, obrigará os tribunais a reforçar suas alianças no Congresso e mostrar, ao contrário do que disse Bolsonaro, que hoje no Brasil não há dois Poderes (Executivo e Legislativo) contra um (Judiciário), mas democratas dispostos a fechar o cerco contra o assalto às instituições.

A vacina dos apunhalados

Em dois anos e meio de governo, o presidente Jair Bolsonaro esmerou-se na arte de apunhalar aliados pelas costas. A lista é imensa. Foi inaugurada pelo principal coordenador de sua campanha e ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, morto em 2020, e tinha, como derradeiro integrante, o auditor do Tribunal de Contas da União, Alexandre Marques, filho de um ex-colega de Bolsonaro na Aman que foi fritado depois do relatório falso com as mortes da covid-19.

Ao denunciar que o presidente foi avisado do superfaturamento na compra da vacina Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biontech, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) recusou-se a entrar para a lista e se antecipou à vigarice presidencial. Youtuber que fez campanha como um milionário que havia abandonado carreira empresarial de sucesso em Miami para salvar o Brasil do comunismo, Miranda acumula processos binacionais. Escanteado na reforma tributária, levou a acusação que até aqui cercava os aliados bolsonaristas e sua família para dentro do gabinete presidencial. Um rival à altura de Bolsonaro.

 

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