O Globo
As denúncias de corrupção envolvendo a
tentativa de compra de vacinas abriram outra linha interpretativa para entender
a má gestão da pandemia.
Antes, a explicação dominante era que o
governo tinha adotado teses conspiratórias que negavam a gravidade da pandemia
e indicavam saídas rápidas milagrosas. Com as revelações desta semana, outra
possibilidade se abriu: será que o governo adiou a compra de vacinas do
Butantan e da Pfizer para tentar comprar imunizantes de fornecedores
alternativos com sobrepreço?
A hipótese de que é o negacionismo que tem
movido as ações do governo é amparada por inúmeras declarações e peças de
propaganda. Desde o começo, o governo Bolsonaro lançou suspeitas sobre a origem
e a gravidade da pandemia, insinuando que a China teria criado e difundido o
vírus com o intuito de prejudicar a economia global e, controlando a Covid-19
antes de todos, de ganhar vantagem competitiva no mercado internacional.
Fazia parte dessa leitura acreditar que a gravidade da doença estava sendo superestimada, levando governos de todo o mundo a adotar medidas excessivas, de forte impacto econômico, como o distanciamento social e os lockdowns.
Para enfrentar essa pretensa conspiração, o
governo adotou uma postura que minimizava a gravidade da doença, alegando que
os números de mortos estavam inflados. Além disso, tratava a Covid-19 como um
mal que poderia ser facilmente enfrentado com medidas simples como o tratamento
precoce —cuja eficácia seria desqualificada pela mesma conspiração que
difundira o vírus.
Outra saída adotada pelo governo era buscar
a imunidade coletiva por meio da exposição ao vírus. Isso explicaria a ênfase
em divulgar o número de “curados”, a falta de empenho em comprar vacinas e o
desestímulo ao uso de máscaras, ao distanciamento social e aos lockdowns.
Na semana passada, porém, as denúncias de
que o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), tentava
comprar vacinas de fornecedores alternativos com sobrepreço levantou a suspeita
de que a corrupção poderia explicar a postura displicente do governo na compra
de imunizantes.
Nessa interpretação, Bolsonaro
deliberadamente teria ignorado a oferta de vacinas de empresas e instituições
sérias como Pfizer e Butantan porque queria aproveitar a possibilidade de
compras bilionárias para desviar dinheiro público.
É difícil dizer, neste momento, com as
informações de que dispomos, se o governo ignorou as ofertas de vacinas por pura
ideologia ou porque queria corromper fornecedores menos sérios. Também não
sabemos ainda se o governo estava associado aos esquemas de Ricardo Barros ou
apenas fez vista grossa à corrupção para manter o apoio do Centrão no
Congresso.
O descaso na compra de vacinas é uma
negligência criminosa que custou a vida de milhares de brasileiros, seja ela
motivada por convicção conspiratória tola ou puro interesse econômico. Muda a
motivação, mas não a natureza do crime.
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