sábado, 3 de julho de 2021

Elimar Pinheiro do Nascimento* - Edgar Morin, o filósofo da complexidade chega aos cem anos em plena vitalidade

Alguns biomédicos afirmam que a geração centenária é aquela que nasceu no auge do crescimento econômico, após a Segunda Guerra Mundial. Outros, aquela que nasceu nos anos 1980. Independentemente da controvérsia, será cada vez mais fácil aos humanos atravessarem um século de existência.

Os que nasceram em 2000 pisarão em três séculos, se não sofrerem algum acidente, e tiverem sido corretamente alimentados quando pequenos: o XX, na data do nascimento; o XXI, ao longo de sua vida, e o XXII, quando deverá fenecer.

Mas este feito é uma exceção para aqueles que nasceram antes da Grande Guerra, como Edgar Morin. E, sobretudo, alcançar um século de existência em plena forma. Tal como Lovelock, que completou cem anos em 2019, e lançou o livro Novacene, Morin acaba de publicar um livro (As lições de um século de vida / Les lessons d’un siècle de vie), às vésperas de completar um século de existência, o que ocorrerá no próximo dia 08.

Nascido em 1921, Morin, ainda muito jovem, conheceu a guerra e aderiu à resistência contra o nazismo. Ingressou no Partido Comunista Francês, com quem veio a romper, alguns anos depois. Uma mente ávida de conhecimentos, avesso a dogmas, formado em ciências sociais e autodidata em biologia e física, percorreu em sua vida dezenas de temas: comunicação, imaginação, cinema, processo de modernização, questão ecológica, crise civilizacional, transformação educacional, crítica à ciência reducionista, reflexão sobre a teoria dos sistemas, entre tantas outras.

Habitante de muitas disciplinas tais como sociologia, antropologia, ecologia, lógica, política, biologia, teoria do sistema e filosofia, sem se deixar aprisionar por nenhuma delas. Inquieto, curioso, apaixonado, leitor contumaz e escritor generoso, escreveu cerca de 70 livros, além de centenas de artigos e entrevistas.

Sua obra máxima reside em seis volumes nomeados como O Método. É uma obra escrita entre 1977 e 2004 e publicada em português pela editora Sulina, que trata, respectivamente, da natureza, da vida, do conhecimento, das ideias, da humanidade e da ética. Uma forma de se achegar a esta obra monumental é a leitura de A introdução ao pensamento complexo que Morin escreveu exatamente para permitir aos leitores em geral adentrar-se na reflexão sobre a complexidade.

Um dos pensadores mais respeitados da contemporaneidade, é inclassificável. O que lhe rendeu muitos problemas na Academia, que não está acostumada a tratar com profissionais que não têm uma disciplina definida, determinada. Morin é um personagem transdisciplinar.

A crítica e a proposição marcam a sua trajetória intelectual. Era um crítico contumaz do reducionismo da ciência moderna, que separa o inseparável; que é incapaz de ver a totalidade dos fenômenos em suas contradições. E sobre este tema escreveu vários livros, alguns de caráter propositivo como Os 7 saberes necessários à educação do futuro e A cabeça bem-feita, de grande repercussão entre os educadores brasileiros. O pensador francês estava convencido que era necessário reformular a maneira como pensamos e concebemos os fenômenos atuais, e para isso é imprescindível uma profunda reforma educacional, na qual os estudantes não estudem os fenômenos naturais e sociais separadamente, nem que o que está organicamente ligado fosse segmentado. Na sua opinião, os jovens estudantes que adentravam o século XXI deveriam aprender a conviver com a incerteza e as contradições, que constituem o fio da vida.  

Conhecido como o filósofo da complexidade, foi reconhecido por mais de 20 universidades com o título de Doutor Honoris Causa e sua obra está traduzida em mais de 30 idiomas. A América Latina o adotou. Em diversos países, criaram-se centros de reflexão sobre a complexidade. Quase todos os seus livros foram traduzidos para o português e o espanhol, e outros tantos livros foram publicados sobre sua obra.

Neste ano de 2021, saem a público, no Brasil, pelo menos dois. O primeiro, organizado por Elimar Pinheiro do Nascimento, Mauricio Amazonas e Alfredo Pena-Veja, será publicado pela editora do SESC/SP, com o título: Edgar Morin, homem de muitos séculos: um olhar latino americano. Reúne 27 autores que escreveram artigos sobre suas relações com o homem e sua obra, além de alguns ensaios críticos. São autores provenientes de sete países latino-americanos: México, Panamá, Colômbia, Peru, Chile, Uruguai e Brasil.   O segundo livro é também uma coletânea organizada por Edgar Assis de Carvalho, que sairá pela Sulinas, de título Complexidade no Século XXI.

O Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB) organiza com o SESC/SP a apresentação do livro e uma conversa com os autores no dia 08 de julho, quinta-feira próxima, das 10:30 às 17 horas e no dia 09, sexta-feira, a partir das 14 horas, evento este que será transmitido pelo youtube cds unb.

*Sociólogo, com doutorado pela Université de Paris V (René Descartes, 1982), e pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Professor associado dos Programas de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Programa Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

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