O Estado de S. Paulo
Não é tão simples, no entanto, viabilizar a
social-democracia fora do clube dos países ricos
Os Estados
Unidos estão se tornando europeus. A frase foi proferida por
republicanos críticos ao “American Families Plan” do presidente Joe Biden. O projeto prevê
aumento de impostos para ampliar benefícios em saúde e educação. Ou seja,
consolidar as bases de um Estado de bem-estar social. Para alguns estudiosos,
os Estados Unidos já chegam tarde ao planeta da social-democracia, o estilo de
governo predileto do mundo rico. Rejeitá-lo era uma espécie de “excepcionalismo
americano”, nas palavras do professor James Traub, da Universidade de Nova
York.
Para o cientista político Lane Kenworthy, mover-se na direção da social-democracia é uma consequência natural do enriquecimento das nações. Esse é o argumento – baseado em evidências – do recém-lançado “Social Democratic Capitalism”. O livro mostra que cidadãos de países afluentes demandam seguros sociais que os atendam em momentos de dificuldade, como doenças – e tal sentimento ficou ainda mais forte na pandemia. Querem também viver em sociedades mais justas, sem pressões de segurança pública.
As nações ricas caminham para a
social-democracia em diferentes velocidades. Os Estados Unidos cumpriram o
básico: democracia, capitalismo e educação fundamental gratuita. Países europeus
foram além ao criar uma rede de proteção social. É o caso da Alemanha,
cuja social-democracia é consenso à esquerda e à direita – a conservadora Angela Merkel é uma
defensora feroz do Estado de bem-estar.
Os países nórdicos atingiram o estado da
arte da social-democracia. Além de cumprirem os requisitos acima, Suécia, Dinamarca –
e, em menor medida, Finlândia e Noruega – criaram um
sistema que promove o pleno emprego. Ele inclui flexibilização das leis
trabalhistas, para facilitar contratações, e programas de treinamento e
requalificação para os trabalhadores, com o intuito de torná-los competitivos
num mercado cada vez mais exigente e digital.
E o Brasil? “Fomos além de outros países da
América Latina na direção da social-democracia”, diz o economista Pedro Nery,
personagem do mini-podcast da semana. Em um texto sobre o livro de Kenworthy
publicado no Estadão, Nery afirma que o Brasil precisa desesperadamente de
uma agenda do tipo social-democrata, diante da desigualdade histórica e do
aumento recente da pobreza e do desemprego.
Os brasileiros optaram por um estado de
bem-estar social na Constituição de 1988. A universalização do ensino
fundamental e a criação do Sistema Único
de Saúde, tão importante no combate à pandemia, são expressões dessa
escolha. Não é tão simples, no entanto, viabilizar uma social-democracia fora
do clube dos países ricos.
Kenworthy mostra em seu livro que, nas
social-democracias, cabe principalmente à classe média financiar os benefícios
dos cidadãos vulneráveis. Isso é especialmente complexo num país em que apenas
5% ganham mais de R$ 5 mil, e metade da população sobrevive com menos que um
salário mínimo. Outra dificuldade é cobrar impostos de trabalhadores informais
ou em situação precária.
Ao contrário do que diz o clichê, o Estado de bem-estar social não é privilégio dos nórdicos. Para Kenworthy, qualquer país pode chegar lá, se houver governantes adestrados na arte da negociação – desafio imenso numa sociedade complexa como a nossa. O Brasil decidiu em 1988 ser o modelo de social-democracia na América Latina. Cumprir tal tarefa equivale a tirar do papel o que está estabelecido em nossa Constituição.
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