EDITORIAIS
O futuro não está perdido
O Estado de S. Paulo
Chance de voltar a ver no Palácio do
Planalto um presidente da República digno do cargo a partir de 1.º de janeiro
de 2023 não pode ser desperdiçada.
Ofuturo não está perdido, como as agruras
desta quadra tormentosa da história do País fazem parecer. A Nação terá a
oportunidade de voltar a ver no Palácio do Planalto um presidente da República
digno do cargo a partir de 1.º de janeiro de 2023. Esta chance não pode ser
desperdiçada. A depender da escolha da maioria dos eleitores no pleito do ano
que vem, os próximos anos poderão ser mais ou menos trevosos no Brasil.
Trata-se da escolha mais importante desde quando foi devolvido aos brasileiros
o direito ao voto direto para presidente. O que estará em jogo, ao fim e ao
cabo, é o estado da democracia no País.
No intuito de auxiliar os eleitores nesta
delicada decisão, o Centro de Liderança Pública (CLP) e o Estado firmaram uma
parceria para promover as Primárias, uma série de debates entre presidenciáveis
que integram o chamado “centro democrático”. Os debates serão mediados pelo
cientista político Luiz Felipe D’avila, presidente do CLP, e os presidenciáveis
responderão a perguntas feitas entre si e outras formuladas por jornalistas do
Estado. O primeiro debate ocorreu na quinta-feira passada e reuniu Ciro Gomes
(PDT), Eduardo Leite (PSDB) e Luiz Henrique Mandetta (DEM).
Como era de esperar, o debate foi marcado pela civilidade e pelo tom propositivo. Ciro Gomes, Eduardo Leite e Luiz Henrique Mandetta têm ideias diferentes sobre os grandes temas de interesse nacional, mas mostraram convergência em pontos inegociáveis, como a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito, tão maltratados pelo presidente Jair Bolsonaro.
Ciro Gomes foi bastante enfático na defesa
de um “programa nacional de desenvolvimento”. Ele não está errado no
diagnóstico de que falta ao País um projeto nacional, um rumo a seguir. O
Brasil está à deriva. No entanto, seu plano ainda parece impreciso. No curso da
campanha, não faltará oportunidade para aprofundá-lo.
Luiz Henrique Mandetta vive “a dor e a
delícia” de ter sido o ministro da Saúde que se mostrou mais responsável na
condução da resposta brasileira à pandemia de covid-19. A lembrança de sua
gestão é muito viva para a Nação, projeta o país melhor que o Brasil poderia
ter sido caso Bolsonaro o tivesse mantido no cargo. Em contrapartida, Mandetta
ainda precisa inspirar a mesma segurança que desperta ao tratar de saúde
pública quando aborda outros grandes temas de interesse público.
Já Eduardo Leite se destacou pelo
compromisso com a austeridade fiscal, oferecendo sua experiência como
governador do Rio Grande do Sul como espécie de credencial para voos mais
altos. Em novembro, ele disputará as prévias do PSDB.
Com suas diferenças, convergências, pontos
fortes e fracos, Ciro, Mandetta e Leite mostraram que seus nomes não estão
sendo cogitados para a Presidência da República por acaso. Antes de tudo, são
democratas que têm propostas para tirar o País do atoleiro com respeito às leis
e à Constituição. Outros ainda serão ouvidos nestas Primárias.
Sem estar totalmente refeita da desastrosa
experiência lulopetista, a sociedade ainda sofre impiedosamente os horrores de
ter como chefe de Estado e de governo em seu momento mais dramático o pior
presidente da história do Brasil. O País precisa da normalidade institucional
que Bolsonaro é incapaz de oferecer. Precisa de cuidados com a saúde pública e
com a educação, sem os quais estará condenado a um futuro de mediocridade.
Precisa de políticas econômicas e ambientais responsáveis, que promovam
crescimento sustentável e geração de empregos e renda. Precisa de pacificação e
união nacional para superar mazelas seculares.
Institutos de pesquisa indicam que há muitos eleitores insatisfeitos com a polarização entre Lula e Bolsonaro, uma disputa que, a despeito das diferenças entre um e outro, é muito perniciosa para o País. Uma candidatura do chamado “centro democrático” – ou “terceira via”, como alguns a denominam – pode, e deve, crescer. Para o bem desta Nação.
Sem horizonte para investir
O Estado de S. Paulo
PIB e bem-estar dependem de mais capital aplicado em potencial econômico
Conforto, saúde, segurança, prosperidade e
emprego dependem crucialmente de investimentos em infraestrutura, isto é, em
rodovias, ferrovias, sistemas de eletricidade, redes de água e esgoto,
telecomunicações, portos e aeroportos. Em declínio desde 2013, esse conjunto de
investimentos chegou no ano passado ao menor nível desde 2000, segundo o
Relatório Infra2038, produzido anualmente a partir de 2017 por iniciativa de
líderes da Fundação Lemann. O total investido nessas instalações e serviços em
2020 ficou em R$ 115,8 bilhões, soma equivalente a 1,55% do Produto Interno
Bruto (PIB).
Investimento em capacidade produtiva é
essencial para o crescimento econômico. O consumo pode impulsionar a atividade
no curto prazo, mas a expansão só é duradoura quando se investe em tecnologia,
qualificação do trabalho, máquinas, equipamentos e construções. Disso depende
também o poder de competição internacional da agropecuária, da indústria e dos
serviços. O esforço de produção de bens e serviços é severamente prejudicado
quando a infraestrutura é deficiente. Isso é bem visível no Brasil. Não basta
um produtor ser competente dentro da fazenda ou da fábrica, se as dificuldades
de transporte encarecem de forma desproporcional a sua mercadoria. Esse é
apenas um exemplo de como o País é prejudicado por aquele tipo de deficiência.
O Brasil tem sido mal classificado, há
muitos anos, em comparações internacionais de competitividade. Em 2019 ficou no
78.º lugar no ranking publicado pelo Fórum Econômico Mundial. Para chegar à
20.ª posição até 2038, o País precisará investir R$ 339 bilhões por ano em
infraestrutura, segundo os produtores do relatório.
Por enquanto, eles apontam como dado
positivo o sucesso de alguns leilões. Investidores privados têm-se mostrado
dispostos a aplicar capital em obras de infraestrutura, com destaque para o
setor de saneamento básico. A enorme carência desse tipo de serviço se tornou
especialmente dramática desde o ano passado, quando o País foi atingido pela
pandemia de covid-19. Sem serviços adequados de água e de esgoto, as famílias
mais pobres ficaram mais expostas à contaminação.
O problema da infraestrutura agravou-se com
a piora das condições financeiras do setor público. Com menos dinheiro para
investir, o governo ficou mais dependente da participação do setor privado para
executar os planos de manutenção, expansão e modernização da infraestrutura. A
parceria deu algum resultado, mas a corrupção, muito intensa durante alguns
anos, resultou em desperdícios de recursos públicos e em enorme perda de tempo.
A participação privada só continuará a
ocorrer, e de forma crescente, se o governo for capaz de dar rumos ao
investimento. Para isso, o setor público precisará definir prioridades e
promover, por meio de licitações, o ingresso de investidores nessa grande
tarefa. Para avançar de forma produtiva nesse caminho, o governo terá de se
empenhar muito mais no planejamento.
Mas será preciso ir muito além da expansão
e da modernização da infraestrutura. Isso dependerá, basicamente, das
expectativas do empresariado. Por enquanto, as apostas se concentram no
crescimento econômico previsto para 2021. As projeções estão em torno de 5% de
expansão do PIB em 2021, mas há pouco otimismo quanto aos próximos anos. Os
cálculos apontam para 2022 um avanço pouco superior a 2%. Para os anos
seguintes mantém-se a estimativa de 2,5%.
Somados todos os tipos de investimento, a formação bruta de capital fixo, isto é, de aplicações em máquinas, equipamentos e obras, continua muito baixa e assim seguirá, se as expectativas se mantiverem nas condições de hoje. O investimento tem oscilado na faixa de 15% a 18% do PIB e os valores ainda têm sido inflados pelas importações “fictas” de bens de capital, isto é, pelas importações meramente contábeis, para finalidades fiscais, de equipamentos para petróleo. Mais do que gastar, o governo precisa criar perspectivas para favorecer o investimento. Presidente e equipe têm semeado mais incertezas do que confiança e esperança.
Socorro ainda mais necessário
O Estado de S. Paulo
Doações de grandes empresas caíram no momento mais grave da pandemia até agora
A pandemia de covid-19 evidenciou ainda
mais a desigualdade social que há séculos se mantém como uma das mais
renitentes mazelas desta Nação, talvez a mais brutal de todas. Se o vírus não
distingue raça, gênero ou saldo bancário para agir, é certo que, para os
milhões de desvalidos do País, aos efeitos próprios da crise sanitária, já
angustiantes o bastante, somaram-se as agruras da profunda crise econômica que
dela decorreu. Emprego e renda foram perdidos e, para muitos brasileiros,
insegurança sanitária e insegurança alimentar caminham pari passu.
Mas a tragédia também revelou o quão
solidários são os brasileiros. A filantropia de segmentos da elite econômica do
País, em especial do setor financeiro, e da classe média, que vieram em socorro
aos mais necessitados nesta hora grave, renovou a esperança de que uma
repactuação social seja possível. Que ela é necessária está mais do que
evidente, e não só para diminuir a abissal distância entre ricos e pobres, mas
também para acabar de vez com a miséria em que vivem milhões de nossos
concidadãos.
Entre março e dezembro do ano passado, o
total arrecadado em ações filantrópicas para combate à pandemia de covid-19 foi
de R$ 6,53 bilhões. Em maio, chegou-se aos R$ 7 bilhões, um recorde de doações
por uma única causa. Os dados são da Associação Brasileira de Captadores de
Recursos (ABCR).
Em que pese o feito extraordinário, é
forçoso notar que o ímpeto das doações arrefeceu bastante a partir do segundo
semestre do ano passado. Entre março e maio de 2020, foram doados R$ 5,5
bilhões. Entre janeiro e maio deste ano, R$ 458 milhões. Ou seja, quase 80% do
total de doações foi concentrado nos dois primeiros meses de crise sanitária. É
um dado preocupante, porque a crise é muito mais grave hoje do que era há um
ano. E não há qualquer sinal de abrandamento da pandemia no Brasil, muito ao
contrário. O País está à beira de uma terceira onda da doença sem sequer ter se
recuperado da segunda. Epidemiologistas têm alertado a população e as
autoridades de que esta nova onda de casos tem potencial para ser ainda mais mortal
do que tem sido a segunda.
Portanto, a fim de evitar uma escalada do
número de mortes em um país já enlutado o bastante, medidas mais duras de
restrição à circulação de pessoas deverão ser adotadas pelas autoridades
responsáveis enquanto a vacinação da população-alvo não atinge o patamar de
segurança para frear a disseminação do vírus. Vale dizer, ainda levará tempo
para que milhões de brasileiros recuperem o emprego e a renda perdidos. Ainda
mais necessário, pois, é o socorro do Estado e da sociedade.
A classe média, que da forma que pode tem
auxiliado bastante na mitigação do flagelo causado aos mais vulneráveis, também
se vê afetada pela crise duradoura. A capacidade de doação das pessoas físicas
pertencentes a este estrato social decerto não é mais a mesma do que era no
início da pandemia. Portanto, o socorro das empresas torna-se ainda mais
fundamental.
O marcador de doações da ABCR emite um
sinal de alerta para a queda nas doações de grandes empresas neste ano. Em face
do descaso do governo federal em relação aos mais vulneráveis – até hoje não se
estruturou uma nova rodada do auxílio emergencial robusta o bastante para dar
conta das necessidades dos milhões de desempregados –, não é exagero dizer que
muitos brasileiros dependem diretamente da solidariedade para ter o que comer.
Torna-se vital, portanto, a benevolência dos grandes filantropos.
Estes, como ocorre nos Estados Unidos, por
exemplo, mais do que agir para socorrer imediatamente quem mais sofre com os
efeitos da peste, podem contribuir para transformar a realidade do País com
doações para projetos estruturais voltados a um Brasil menos desigual no
futuro. Pouco a pouco, essa cultura filantrópica tem amadurecido no País. Um
dos poucos efeitos positivos da pandemia foi ter acelerado este processo ao
lançar luz para situações que já não podem mais ser toleradas.
O Congresso tem papel primordial nesse processo de valorização da cultura filantrópica, debatendo soluções tributárias inovadoras ou outros tipos de compensação.
Corrigir, não rejeitar
Folha de S. Paulo
Proposta de reforma do IR tem problemas de
dosagem, mas objetivos são corretos
Por alguns motivos certos e muitos outros
errados, a proposta do
governo para alterar a tributação de renda de pessoas físicas e
empresas tem gerado controvérsia.
Advogados, em particular, se armaram contra
as mudanças, que no seu entender configurariam confisco, e entidades
representativas não se furtaram a pedir isenção para a categoria —tradição
nacional por parte de estratos influentes.
Embora correto em geral no mérito de
aumentar a progressividade da cobrança sobre a renda, o projeto do governo
apresenta problemas, de fato, na forma de apresentação e na dosagem dos
impactos.
O texto junta objetivos diferentes. A
primeira parte, que diz respeito ao Imposto de Renda das pessoas físicas,
envolve apenas o aumento no limite de isenção e ajustes para cima nas faixas de
cobrança.
Ainda que tenha objetivo claramente eleitoral, a alteração é defensável por
compensar parte da inflação acumulada nos últimos anos.
Em vez de compensar a perda de receita com
mudanças na mesma base de incidência, como a redução do espaço para deduções e
uma alíquota maior para rendas mais altas, o governo majorou o impacto de
outros dispositivos da reforma.
A equipe econômica e o Planalto também não
escondem que querem ampliar o Bolsa Família no ano que vem. Como não há
disposição para cortes em outras rubricas do Orçamento, a necessidade de obter
mais recursos pode ter contaminado uma reforma que deveria ser neutra do ponto
de vista da arrecadação tributária.
Daí resulta o segundo ponto questionável da
proposta, o da calibragem. A instituição de cobrança sobre os dividendos é
desejável para mitigar assimetrias na taxação de celetistas e trabalhadores que
se organizam como pessoa jurídica, mas a alíquota de 20% na versão do governo é
alta ante o corte de 5 pontos percentuais no gravame do lucro (de 34% para
29%).
No agregado, a carga sobre as grandes
empresas passaria de 34% para 49%, o que parece excessivo. A maior parte dos
países da OCDE cobra imposto sobre a distribuição de dividendos, mas a alíquota
sobre o lucro é menor.
Outro aspecto problemático é isentar a
distribuição de até R$ 20 mil mensais para acionistas de micro e pequenas
empresas. Ora, se o objetivo é mais isonomia com trabalhadores com carteira
assinada, tal previsão vai na direção oposta.
O projeto de lei deve, portanto, sofrer
ajustes com vistas a melhor equilíbrio entre a redução da cobrança sobre o
lucro das empresas e os dividendos, entre outras melhorias. Tudo indica que há
um excesso a ser revisto.
Entretanto é difícil contestar que o texto
enfrenta a baixa tributação atual das rendas pessoais mais elevadas —e esse é o
ponto central que deve ser preservado.
Devastação eleitoral
Folha de S. Paulo
Desmatamento cresce na mata atlântica em
anos de pleito, como na Amazônia
Estudo recente mostrou que se repete na
mata atlântica fenômeno já detectado na Amazônia: em anos
eleitorais, cresce o desmatamento. Com o presidente antiambiental
Jair Bolsonaro candidato à reeleição e seu Ministério do Meio Ambiente (MMA) à
deriva, 2022 comporta risco enorme para o bioma mais habitado do país.
Cerca de três quartos da população vivem em
municípios da faixa de floresta que revestia o litoral brasileiro desde a
região Nordeste até o Sul e penetrava pelo interior a partir da Bahia. Sobraram
só 12% de 1,3 milhão de km² da mata original, o que faz dela o bioma nacional
mais ameaçado.
Felizmente a devastação arrefeceu a partir
da virada do século. A taxa de corte raso saiu do patamar de 5.000 km² anuais
para menos de 300 km², após 2010.
O progresso se deu em parte por reação
social ao desmate, com a criação de movimentos como o SOS Mata Atlântica. Além
disso, restavam poucos fragmentos com relevo, fertilidade e localização de
interesse para o agronegócio.
Ainda assim, há anos em que motosserras
voltam a funcionar com ímpeto renovado. Trabalho científico publicado no
periódico Conservation Letters mostra que aumenta em até 40 km² a área
devastada em anos eleitorais.
Foi assim no período de medição por
satélite entre 2018 e 2019, anos da eleição e posse de Bolsonaro e do ministro
Ricardo Salles, recém-ejetado do ministério, quando houve incremento de 27% nas
derrubadas de mata atlântica.
O mesmo se observou na Amazônia. Em igual
intervalo, avançou 34% a destruição da maior floresta tropical do mundo em sua
porção brasileira, que se encontra em situação muito melhor (80% preservados)
que a congênere costeira.
Na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro
deixou claro sua ojeriza às políticas preservacionistas que haviam derrubado as
taxas de desmate na Amazônia de 27 mil km², em 2004, para menos de 5.000 km²,
em 2012. Só não ouviu quem não quis.
Muitos prefeitos e governadores candidatos à reeleição seguem o roteiro: relaxam fiscalização antes do pleito, para não melindrar financiadores e cabos eleitorais. Carta branca para grileiros, madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e —no caso da mata atlântica— especuladores imobiliários avançarem sobre áreas virgens.
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