sábado, 3 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O futuro não está perdido

O Estado de S. Paulo

Chance de voltar a ver no Palácio do Planalto um presidente da República digno do cargo a partir de 1.º de janeiro de 2023 não pode ser desperdiçada.

Ofuturo não está perdido, como as agruras desta quadra tormentosa da história do País fazem parecer. A Nação terá a oportunidade de voltar a ver no Palácio do Planalto um presidente da República digno do cargo a partir de 1.º de janeiro de 2023. Esta chance não pode ser desperdiçada. A depender da escolha da maioria dos eleitores no pleito do ano que vem, os próximos anos poderão ser mais ou menos trevosos no Brasil. Trata-se da escolha mais importante desde quando foi devolvido aos brasileiros o direito ao voto direto para presidente. O que estará em jogo, ao fim e ao cabo, é o estado da democracia no País.

No intuito de auxiliar os eleitores nesta delicada decisão, o Centro de Liderança Pública (CLP) e o Estado firmaram uma parceria para promover as Primárias, uma série de debates entre presidenciáveis que integram o chamado “centro democrático”. Os debates serão mediados pelo cientista político Luiz Felipe D’avila, presidente do CLP, e os presidenciáveis responderão a perguntas feitas entre si e outras formuladas por jornalistas do Estado. O primeiro debate ocorreu na quinta-feira passada e reuniu Ciro Gomes (PDT), Eduardo Leite (PSDB) e Luiz Henrique Mandetta (DEM).

Como era de esperar, o debate foi marcado pela civilidade e pelo tom propositivo. Ciro Gomes, Eduardo Leite e Luiz Henrique Mandetta têm ideias diferentes sobre os grandes temas de interesse nacional, mas mostraram convergência em pontos inegociáveis, como a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito, tão maltratados pelo presidente Jair Bolsonaro.

Ciro Gomes foi bastante enfático na defesa de um “programa nacional de desenvolvimento”. Ele não está errado no diagnóstico de que falta ao País um projeto nacional, um rumo a seguir. O Brasil está à deriva. No entanto, seu plano ainda parece impreciso. No curso da campanha, não faltará oportunidade para aprofundá-lo.

Luiz Henrique Mandetta vive “a dor e a delícia” de ter sido o ministro da Saúde que se mostrou mais responsável na condução da resposta brasileira à pandemia de covid-19. A lembrança de sua gestão é muito viva para a Nação, projeta o país melhor que o Brasil poderia ter sido caso Bolsonaro o tivesse mantido no cargo. Em contrapartida, Mandetta ainda precisa inspirar a mesma segurança que desperta ao tratar de saúde pública quando aborda outros grandes temas de interesse público.

Já Eduardo Leite se destacou pelo compromisso com a austeridade fiscal, oferecendo sua experiência como governador do Rio Grande do Sul como espécie de credencial para voos mais altos. Em novembro, ele disputará as prévias do PSDB.

Com suas diferenças, convergências, pontos fortes e fracos, Ciro, Mandetta e Leite mostraram que seus nomes não estão sendo cogitados para a Presidência da República por acaso. Antes de tudo, são democratas que têm propostas para tirar o País do atoleiro com respeito às leis e à Constituição. Outros ainda serão ouvidos nestas Primárias.

Sem estar totalmente refeita da desastrosa experiência lulopetista, a sociedade ainda sofre impiedosamente os horrores de ter como chefe de Estado e de governo em seu momento mais dramático o pior presidente da história do Brasil. O País precisa da normalidade institucional que Bolsonaro é incapaz de oferecer. Precisa de cuidados com a saúde pública e com a educação, sem os quais estará condenado a um futuro de mediocridade. Precisa de políticas econômicas e ambientais responsáveis, que promovam crescimento sustentável e geração de empregos e renda. Precisa de pacificação e união nacional para superar mazelas seculares.

Institutos de pesquisa indicam que há muitos eleitores insatisfeitos com a polarização entre Lula e Bolsonaro, uma disputa que, a despeito das diferenças entre um e outro, é muito perniciosa para o País. Uma candidatura do chamado “centro democrático” – ou “terceira via”, como alguns a denominam – pode, e deve, crescer. Para o bem desta Nação.

Sem horizonte para investir

O Estado de S. Paulo

PIB e bem-estar dependem de mais capital aplicado em potencial econômico

Conforto, saúde, segurança, prosperidade e emprego dependem crucialmente de investimentos em infraestrutura, isto é, em rodovias, ferrovias, sistemas de eletricidade, redes de água e esgoto, telecomunicações, portos e aeroportos. Em declínio desde 2013, esse conjunto de investimentos chegou no ano passado ao menor nível desde 2000, segundo o Relatório Infra2038, produzido anualmente a partir de 2017 por iniciativa de líderes da Fundação Lemann. O total investido nessas instalações e serviços em 2020 ficou em R$ 115,8 bilhões, soma equivalente a 1,55% do Produto Interno Bruto (PIB).

Investimento em capacidade produtiva é essencial para o crescimento econômico. O consumo pode impulsionar a atividade no curto prazo, mas a expansão só é duradoura quando se investe em tecnologia, qualificação do trabalho, máquinas, equipamentos e construções. Disso depende também o poder de competição internacional da agropecuária, da indústria e dos serviços. O esforço de produção de bens e serviços é severamente prejudicado quando a infraestrutura é deficiente. Isso é bem visível no Brasil. Não basta um produtor ser competente dentro da fazenda ou da fábrica, se as dificuldades de transporte encarecem de forma desproporcional a sua mercadoria. Esse é apenas um exemplo de como o País é prejudicado por aquele tipo de deficiência.

O Brasil tem sido mal classificado, há muitos anos, em comparações internacionais de competitividade. Em 2019 ficou no 78.º lugar no ranking publicado pelo Fórum Econômico Mundial. Para chegar à 20.ª posição até 2038, o País precisará investir R$ 339 bilhões por ano em infraestrutura, segundo os produtores do relatório.

Por enquanto, eles apontam como dado positivo o sucesso de alguns leilões. Investidores privados têm-se mostrado dispostos a aplicar capital em obras de infraestrutura, com destaque para o setor de saneamento básico. A enorme carência desse tipo de serviço se tornou especialmente dramática desde o ano passado, quando o País foi atingido pela pandemia de covid-19. Sem serviços adequados de água e de esgoto, as famílias mais pobres ficaram mais expostas à contaminação.

O problema da infraestrutura agravou-se com a piora das condições financeiras do setor público. Com menos dinheiro para investir, o governo ficou mais dependente da participação do setor privado para executar os planos de manutenção, expansão e modernização da infraestrutura. A parceria deu algum resultado, mas a corrupção, muito intensa durante alguns anos, resultou em desperdícios de recursos públicos e em enorme perda de tempo.

A participação privada só continuará a ocorrer, e de forma crescente, se o governo for capaz de dar rumos ao investimento. Para isso, o setor público precisará definir prioridades e promover, por meio de licitações, o ingresso de investidores nessa grande tarefa. Para avançar de forma produtiva nesse caminho, o governo terá de se empenhar muito mais no planejamento.

Mas será preciso ir muito além da expansão e da modernização da infraestrutura. Isso dependerá, basicamente, das expectativas do empresariado. Por enquanto, as apostas se concentram no crescimento econômico previsto para 2021. As projeções estão em torno de 5% de expansão do PIB em 2021, mas há pouco otimismo quanto aos próximos anos. Os cálculos apontam para 2022 um avanço pouco superior a 2%. Para os anos seguintes mantém-se a estimativa de 2,5%.

Somados todos os tipos de investimento, a formação bruta de capital fixo, isto é, de aplicações em máquinas, equipamentos e obras, continua muito baixa e assim seguirá, se as expectativas se mantiverem nas condições de hoje. O investimento tem oscilado na faixa de 15% a 18% do PIB e os valores ainda têm sido inflados pelas importações “fictas” de bens de capital, isto é, pelas importações meramente contábeis, para finalidades fiscais, de equipamentos para petróleo. Mais do que gastar, o governo precisa criar perspectivas para favorecer o investimento. Presidente e equipe têm semeado mais incertezas do que confiança e esperança.

Socorro ainda mais necessário

O Estado de S. Paulo

Doações de grandes empresas caíram no momento mais grave da pandemia até agora

A pandemia de covid-19 evidenciou ainda mais a desigualdade social que há séculos se mantém como uma das mais renitentes mazelas desta Nação, talvez a mais brutal de todas. Se o vírus não distingue raça, gênero ou saldo bancário para agir, é certo que, para os milhões de desvalidos do País, aos efeitos próprios da crise sanitária, já angustiantes o bastante, somaram-se as agruras da profunda crise econômica que dela decorreu. Emprego e renda foram perdidos e, para muitos brasileiros, insegurança sanitária e insegurança alimentar caminham pari passu.

Mas a tragédia também revelou o quão solidários são os brasileiros. A filantropia de segmentos da elite econômica do País, em especial do setor financeiro, e da classe média, que vieram em socorro aos mais necessitados nesta hora grave, renovou a esperança de que uma repactuação social seja possível. Que ela é necessária está mais do que evidente, e não só para diminuir a abissal distância entre ricos e pobres, mas também para acabar de vez com a miséria em que vivem milhões de nossos concidadãos.

Entre março e dezembro do ano passado, o total arrecadado em ações filantrópicas para combate à pandemia de covid-19 foi de R$ 6,53 bilhões. Em maio, chegou-se aos R$ 7 bilhões, um recorde de doações por uma única causa. Os dados são da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR).

Em que pese o feito extraordinário, é forçoso notar que o ímpeto das doações arrefeceu bastante a partir do segundo semestre do ano passado. Entre março e maio de 2020, foram doados R$ 5,5 bilhões. Entre janeiro e maio deste ano, R$ 458 milhões. Ou seja, quase 80% do total de doações foi concentrado nos dois primeiros meses de crise sanitária. É um dado preocupante, porque a crise é muito mais grave hoje do que era há um ano. E não há qualquer sinal de abrandamento da pandemia no Brasil, muito ao contrário. O País está à beira de uma terceira onda da doença sem sequer ter se recuperado da segunda. Epidemiologistas têm alertado a população e as autoridades de que esta nova onda de casos tem potencial para ser ainda mais mortal do que tem sido a segunda.

Portanto, a fim de evitar uma escalada do número de mortes em um país já enlutado o bastante, medidas mais duras de restrição à circulação de pessoas deverão ser adotadas pelas autoridades responsáveis enquanto a vacinação da população-alvo não atinge o patamar de segurança para frear a disseminação do vírus. Vale dizer, ainda levará tempo para que milhões de brasileiros recuperem o emprego e a renda perdidos. Ainda mais necessário, pois, é o socorro do Estado e da sociedade.

A classe média, que da forma que pode tem auxiliado bastante na mitigação do flagelo causado aos mais vulneráveis, também se vê afetada pela crise duradoura. A capacidade de doação das pessoas físicas pertencentes a este estrato social decerto não é mais a mesma do que era no início da pandemia. Portanto, o socorro das empresas torna-se ainda mais fundamental.

O marcador de doações da ABCR emite um sinal de alerta para a queda nas doações de grandes empresas neste ano. Em face do descaso do governo federal em relação aos mais vulneráveis – até hoje não se estruturou uma nova rodada do auxílio emergencial robusta o bastante para dar conta das necessidades dos milhões de desempregados –, não é exagero dizer que muitos brasileiros dependem diretamente da solidariedade para ter o que comer. Torna-se vital, portanto, a benevolência dos grandes filantropos.

Estes, como ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, mais do que agir para socorrer imediatamente quem mais sofre com os efeitos da peste, podem contribuir para transformar a realidade do País com doações para projetos estruturais voltados a um Brasil menos desigual no futuro. Pouco a pouco, essa cultura filantrópica tem amadurecido no País. Um dos poucos efeitos positivos da pandemia foi ter acelerado este processo ao lançar luz para situações que já não podem mais ser toleradas.

O Congresso tem papel primordial nesse processo de valorização da cultura filantrópica, debatendo soluções tributárias inovadoras ou outros tipos de compensação.

Corrigir, não rejeitar

Folha de S. Paulo

Proposta de reforma do IR tem problemas de dosagem, mas objetivos são corretos

Por alguns motivos certos e muitos outros errados, a proposta do governo para alterar a tributação de renda de pessoas físicas e empresas tem gerado controvérsia.

Advogados, em particular, se armaram contra as mudanças, que no seu entender configurariam confisco, e entidades representativas não se furtaram a pedir isenção para a categoria —tradição nacional por parte de estratos influentes.

Embora correto em geral no mérito de aumentar a progressividade da cobrança sobre a renda, o projeto do governo apresenta problemas, de fato, na forma de apresentação e na dosagem dos impactos.

O texto junta objetivos diferentes. A primeira parte, que diz respeito ao Imposto de Renda das pessoas físicas, envolve apenas o aumento no limite de isenção e ajustes para cima nas faixas de cobrança.
Ainda que tenha objetivo claramente eleitoral, a alteração é defensável por compensar parte da inflação acumulada nos últimos anos.

Em vez de compensar a perda de receita com mudanças na mesma base de incidência, como a redução do espaço para deduções e uma alíquota maior para rendas mais altas, o governo majorou o impacto de outros dispositivos da reforma.

A equipe econômica e o Planalto também não escondem que querem ampliar o Bolsa Família no ano que vem. Como não há disposição para cortes em outras rubricas do Orçamento, a necessidade de obter mais recursos pode ter contaminado uma reforma que deveria ser neutra do ponto de vista da arrecadação tributária.

Daí resulta o segundo ponto questionável da proposta, o da calibragem. A instituição de cobrança sobre os dividendos é desejável para mitigar assimetrias na taxação de celetistas e trabalhadores que se organizam como pessoa jurídica, mas a alíquota de 20% na versão do governo é alta ante o corte de 5 pontos percentuais no gravame do lucro (de 34% para 29%).

No agregado, a carga sobre as grandes empresas passaria de 34% para 49%, o que parece excessivo. A maior parte dos países da OCDE cobra imposto sobre a distribuição de dividendos, mas a alíquota sobre o lucro é menor.

Outro aspecto problemático é isentar a distribuição de até R$ 20 mil mensais para acionistas de micro e pequenas empresas. Ora, se o objetivo é mais isonomia com trabalhadores com carteira assinada, tal previsão vai na direção oposta.

O projeto de lei deve, portanto, sofrer ajustes com vistas a melhor equilíbrio entre a redução da cobrança sobre o lucro das empresas e os dividendos, entre outras melhorias. Tudo indica que há um excesso a ser revisto.

Entretanto é difícil contestar que o texto enfrenta a baixa tributação atual das rendas pessoais mais elevadas —e esse é o ponto central que deve ser preservado.

Devastação eleitoral

Folha de S. Paulo

Desmatamento cresce na mata atlântica em anos de pleito, como na Amazônia

Estudo recente mostrou que se repete na mata atlântica fenômeno já detectado na Amazônia: em anos eleitorais, cresce o desmatamento. Com o presidente antiambiental Jair Bolsonaro candidato à reeleição e seu Ministério do Meio Ambiente (MMA) à deriva, 2022 comporta risco enorme para o bioma mais habitado do país.

Cerca de três quartos da população vivem em municípios da faixa de floresta que revestia o litoral brasileiro desde a região Nordeste até o Sul e penetrava pelo interior a partir da Bahia. Sobraram só 12% de 1,3 milhão de km² da mata original, o que faz dela o bioma nacional mais ameaçado.

Felizmente a devastação arrefeceu a partir da virada do século. A taxa de corte raso saiu do patamar de 5.000 km² anuais para menos de 300 km², após 2010.

O progresso se deu em parte por reação social ao desmate, com a criação de movimentos como o SOS Mata Atlântica. Além disso, restavam poucos fragmentos com relevo, fertilidade e localização de interesse para o agronegócio.

Ainda assim, há anos em que motosserras voltam a funcionar com ímpeto renovado. Trabalho científico publicado no periódico Conservation Letters mostra que aumenta em até 40 km² a área devastada em anos eleitorais.

Foi assim no período de medição por satélite entre 2018 e 2019, anos da eleição e posse de Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles, recém-ejetado do ministério, quando houve incremento de 27% nas derrubadas de mata atlântica.

O mesmo se observou na Amazônia. Em igual intervalo, avançou 34% a destruição da maior floresta tropical do mundo em sua porção brasileira, que se encontra em situação muito melhor (80% preservados) que a congênere costeira.

Na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro deixou claro sua ojeriza às políticas preservacionistas que haviam derrubado as taxas de desmate na Amazônia de 27 mil km², em 2004, para menos de 5.000 km², em 2012. Só não ouviu quem não quis.

Muitos prefeitos e governadores candidatos à reeleição seguem o roteiro: relaxam fiscalização antes do pleito, para não melindrar financiadores e cabos eleitorais. Carta branca para grileiros, madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e —no caso da mata atlântica— especuladores imobiliários avançarem sobre áreas virgens.

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