Folha de S. Paulo
Os parlamentares podem se mover para
alterar o sistema que confere a um único indivíduo o poder irrecorrível de
decidir sobre um impeachment
Nada contra aqueles que apostrofam o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por não pautar nenhum dos mais de 120
pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro.
O que o parlamentar faz pode ser qualificado de covardia democrática.
Os deputados de oposição, porém, poderiam fazer mais do que apenas reclamar. Eles poderiam mobilizar-se para aprovar um projeto de resolução que altere o Regimento Interno (RI) da Casa, resolvendo de vez o problema.
O legislador é em geral menos tonto do que parece, mas legisladores-chefes, como Lira e, antes dele, Rodrigo Maia, tendem a ser mais espertos que os outros. Ninguém em sã consciência democrática desenharia um sistema que confere a um único indivíduo o poder irrecorrível de decidir sobre um impeachment.
E o RI não fez isso. O presidente da Câmara
só concentrou tamanho poder devido a uma esperteza, que explora uma omissão do
regimento. O que o RI faz, reproduzindo e detalhando mandamentos da
Constituição e da Lei do
Impeachment (1.079/50), é incumbir o presidente da Câmara de
uma primeira avaliação dos pedidos, que podem ser apresentados por qualquer
cidadão.
Caso eles cumpram os requisitos formais
(firma reconhecida e fundamentação mínima da denúncia), o presidente deveria
aceitá-los e encaminhá-los a uma comissão especial, que debateria o mérito.
Caso não cumpram, deveria rejeitá-los, remetendo-os ao arquivo. Nessa hipótese,
porém, o RI dá ao plenário a possibilidade de reverter a decisão do presidente.
A esperteza consiste em não se manifestar
sobre os pedidos, relegando-os a uma espécie de limbo legislativo, em que nem
são aceitos, não podendo, portanto, avançar, nem são rejeitados, de modo que o
plenário não pode mudar a decisão do presidente.
Basta que o RI estabeleça um prazo para o presidente decidir sobre os pedidos para que o sistema flua democraticamente. É incrível que os deputados ainda não o tenham feito.
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