Senador Omar Aziz (PSD-AM) afirma que Planalto se ‘incomoda’ porque apuração revela ‘indícios de corrupção’ e expõe ‘ineficiência’ do governo no combate à pandemia
Julia Lindner e Natália Portinari / O Globo
BRASÍLIA - O presidente da CPI da Covid,
Omar Aziz (PSD-AM), trata como “um fato” a prevaricação de Jair Bolsonaro ao
deixar de comunicar às autoridades a denúncia de suspeitas no contrato da
vacina indiana Covaxin. A hipótese da existência de irregularidades na compra
foi levada ao conhecimento do presidente pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e
por seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, em um encontro
no Palácio da Alvorada, dia 20 de março. Ontem, a Procuradoria-Geral da
República (PGR) anunciou que instaurou um inquérito para apurar o caso.
Aziz afirma que a CPI ainda tem muito a
investigar e que o presidente pode ser responsabilizado por outros crimes. O
senador amazonense avalia que Bolsonaro está incomodado com o trabalho da
comissão — que, segundo ele, mostrou “a ineficiência” da gestão atual. “Uma
coisa que deixa o presidente com urticária é a gente mostrar que o governo dele
é corrupto também. Estamos com fortes indícios disso”, disse o parlamentar ao
GLOBO.
O presidente disse
recentemente que há “sete bandidos” na CPI. Como o o senhor recebeu essa
declaração?
O presidente, quando acuado, reage dessa forma. É o modus operandi dele. Agredindo, tentando desqualificar as pessoas que se contrapõem a ele. Ele faz isso com todos, precisa dar uma resposta ao eleitorado dele. E a resposta é desqualificar os membros da CPI. Mas ele não consegue desmentir o deputado Luis Miranda. Você vê que está ficando ruim, porque para qualquer pessoa um pouco racional, mesmo fã dele, persiste a dúvida: será que o deputado Miranda falou isso (sobre as suspeitas na compra da Covaxin) e o presidente não fez nada? Veja o limite a que nós chegamos: o presidente dizer que não sabe do que acontece nos ministérios. Mas sabe, através de WhatsApp, de compadre, de amiguinho, de não sei o quê.
Há uma preocupação de que a
CPI vire um instrumento de confronto contra o governo Bolsonaro?
A minha posição é clara desde o primeiro momento.
Estou ali para investigar. Não vou passar a mão na cabeça de ninguém. Essa CPI
é diferente. Não é abstrata. Ela está na casa de todos os brasileiros: ou a
pessoa perdeu um parente ou perdeu um vizinho, um amigo, um conhecido da escola
(na pandemia). Quando a CPI entra na casa das pessoas, a gente começa a
debater. Quando o debate começa, quando a gente se contrapõe e não é
“cancelado” pela rede bolsonarista, a gente enfrenta a rede bolsonarista e
empata o jogo que estava perdendo de sete a um. Empatamos o jogo. E estamos
conseguindo virar isso, porque as pessoas agora têm uma perspectiva de se fazer
justiça a milhões de brasileiros que estão chorando os seus mortos. Essa é a
grande diferença dessa CPI.
Por que o senhor acha que o
presidente está incomodado com a CPI?
O presidente está incomodado porque a CPI
mostrou a ineficiência da administração dele. Mas não só. Uma coisa que deixa o
presidente com urticária é a gente mostrar que o governo dele é corrupto
também. Estamos com fortes indícios disso. Isso aí deixa ele com urticária. Ele
fica louco. E ele não consegue debater... Ele vai debater com a ema? Não vai,
né? Então, sobe no palanque. O negócio é restrito a ele, já preparado, está me
entendendo? É base militar, é área de motociata e tal. É o habitat, né. Não é
uma universidade.
Há indícios claros de que o
presidente prevaricou diante da denúncia apresentada pelos irmãos Miranda?
Isso não é indício. Isso é um fato. Ele não
desmente. Ele não encaminhou (a denúncia) para a Polícia Federal. A Polícia Federal
abriu nessa quarta-feira esse inquérito. Depois de quantos meses? É um fato.
Ele não encaminhou nem para a CGU nem para a Abin. É um fato. E o deputado Luis
Miranda ainda disse: “Eu espero que ele não me desminta, porque senão…”. É um
fato. Ele teve a oportunidade de encaminhar para a Polícia Federal ou para o
Ministério da Saúde. Aí inventaram que deram (o aviso) para o ministro
(Eduardo) Pazuello, que sai dois dias depois (da Saúde). Pazuello já sabia que
seria exonerado, porque ninguém é exonerado no dia. E o coronel Elcio Franco
(ex-secretário executivo da Saúde) também já ia no bolo. Então, nenhum dos dois
investigou nada. Não falou nada. Isso incomoda o Bolsonaro. Ele recebeu na
residência oficial um deputado federal da base dele, que levou essas denúncias,
e ele não tomou providência. Qualquer servidor público diria que é
prevaricação.
O contrato da Precisa com o
ministério da Saúde para vender a Covaxin levanta suspeitas?
Houve um empenho de todo o governo para
isso. Foram quase 100 e-mails entre Pfizer e governo, mas não houve nenhuma
vontade de comprar a vacina. Aí você vê que na Precisa houve um empenho muito
grande nas tratativas. De conversar, de acionar o embaixador. Era para isso ter
sido feito com todas as vacinas no fim do ano passado. Agora, em vez de chegar
a cem milhões de doses de vacinas aplicadas, teríamos duzentos milhões de
vacinados.
Há como responsabilizar o
presidente Jair Bolsonaro também pela gestão de Eduardo Pazuello no Ministério
da Saúde?
O Pazuello foi a pessoa que mais tempo
passou no ministério. Ele disse na CPI que falava quinzenalmente com o
presidente. Até questionei. E o Pazuello foi mais de uma vez desmentido pelo
presidente. Em relação à Coronavac, Bolsonaro diz “quem manda sou eu, não vai
comprar, acabou, o presidente mandou”. O Brasil não pode se esquecer desses
fatos. Porque vai chegar o momento em que o Brasil vai se vacinar, não graças a
esse cara (Bolsonaro), e ele vai querer cantar de galo.
O senhor acha que a CPI teve
efeito prático na postura do governo?
No discurso, não. Mas, na prática, sim.
Correram atrás da vacina, começaram a se preocupar mais. Você não vê mais o
Bolsonaro falar em tratamento precoce, imunização de rebanho... Todos (os
aliados) foram negar essas teses lá na CPI. Você não vê mais, e às vezes é uma
voz isolada.
Mesmo assim, o presidente
disse recentemente que era melhor se expor ao vírus do que se vacinar. O que o
senhor acha disso?
Não me peça para fazer uma análise sobre
esse tipo de coisa, porque para mim o que não tem lógica a gente não perde o
tempo. Então, eu não vou mais perder tempo com ele. O povo brasileiro todo sabe
que isso não é verdade. Cada vez mais, ele fala para menos gente.
O discurso de Bolsonaro
atrapalhou o combate à pandemia?
A ciência evoluiu muito, e a única pessoa
que não acredita na ciência é o Presidente da República. Esse foi o grande
problema que tivemos. Você tem uma pessoa que, em vez de acreditar na ciência,
acreditou em pitaqueiros do lado e deu no que deu, porque ele pensava o
seguinte: “Pô, se a economia cair, eu vou me lascar politicamente”. Ele não
pensou na vida. Ele pensou no eleitorado dele. A economia sobrevive, e a vida
não tem volta, né? Morreu, acabou.
O que o senhor achou do
depoimento do policial militar Luiz Paulo Dominguetti, que tentou vender
vacinas ao Ministério da Saúde?
Ele não mentiu. Ele foi usado. O Cristiano
(Carvalho, representante da empresa americana Davati no Brasil) o usou. Ele
(Dominguetti) ganha um dinheirinho vendendo alguns medicamentos do
representante da Davati no Brasil. Aí, surge uma oportunidade dessas... Como é
que o governo senta com um cara desses para conversar sobre vacina, sem nunca
ter visto na vida? Um negócio incrível. Para você ver como é que o governo
trabalha. O cara chega dentro do ministério e ainda vai conversar com o Élcio
(Franco, então secretário executivo) através de um reverendo (Amilton Gomes),
que hoje teve uma foto ao lado do Flávio Bolsonaro (circulou nas redes sociais uma imagem antiga
ao lado do senador).
Há uma preocupação de a CPI
perder o foco com muitos assuntos?
O nosso foco agora é por que o Brasil não
teve vacina. Antes, tivemos dois focos arrematados: o “tratamento precoce”, que
ajudou a matar muita gente, e a “imunização de rebanho”, que é crime contra a
vida. Funciona assim: vai lá, se contamina, e os fortes sobreviverão. Além da
vacina, agora estamos com uma assessoria boa para a questão das fake news, o nosso quarto foco.
Como o senhor avalia a
estratégia dos senadores governistas de desviar o foco da CPI?
A estratégia é a gente perder a cabeça. Quanto mais bate boca, menos se investiga, se tira o foco. Tem dia que a gente aguenta, outros não. Eu respeito cada pensamento. É um direito que eles têm.
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