O Estado de S. Paulo
Não é fácil, ao contrário, mas a tragédia
do momento empurra para uma saída de grandeza
Em setembro de 2018, instado por grupo de
jovens, participei da tentativa de promover reunião de cinco candidatos à
Presidência da República com vista a, informalmente, constituírem fusão em
torno de um programa, liderada por quem escolhessem como candidato único das
forças de centro (esquerda e direita). Chegou a se realizar profícua conversa
prévia com assessores dos candidatos, no dia anterior ao encontro, a ocorrer no
Instituto dos Advogados de São Paulo e a ser mediado por seu presidente, o
dinâmico José Horácio Halfeld Ribeiro. Nessa conversa virtual com assessores,
por sugestão nossa, fixou-se que a discussão seria sobre pontos básicos de
proposta de governo a ser integrado por todos como ministros. Fariam parte do
encontro Álvaro Dias, João Amoêdo, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e Marina
Silva.
Após animadora conversa com a assessoria
dos candidatos, todavia, Amoêdo foi o primeiro a sair. Na noite anterior ao
encontro, Marina avisou que não compareceria. Essa desistência levou Meirelles
a também a não participar. Alckmin achou não ser produtivo um encontro apenas
entre ele e Álvaro Dias, que manteve o interesse até o fim.
Não se pode voltar à sinuca de bico de ter
de optar entre Bolsonaro, PT ou nulo. E mesmo se Bolsonaro se liquefazer, uma
via de centro democrático é essencial para enfrentar Lula e garantir
governabilidade.
Se o governo do PT teve pontos positivos, não se pode esquecer o imenso aparelhamento do Estado e a instituição de corrupção sistêmica, que as falhas graves de Moro e de procuradores não desfazem. O PT traiu os princípios que regiam o partido, por mim alcunhado, desde que Weffort era secretário-geral, de UDN de macacão, por sua pregação da ética na política. Nem é olvidável a pior recessão já vivida pelo País no governo Dilma.
Cumpre deixar de ter a atenção voltada só
para nomes, em busca de pessoa salvadora, pois os carismáticos Jânio, Collor,
Bolsonaro e mesmo Lula indicam o erro da crença em “mitos”.
O raciocínio é simples: de que vale ser
candidato derrotado? O desejo de ocupar a Presidência da República precisa
ceder à evidência das dificuldades eleitorais na fragmentação do campo do
centro democrático, agindo-se com o bom senso que não houve em 2018. De outra
parte, é certo que a reunião de muitos em torno de um projeto único terá
impacto extraordinário.
A conjunção de forças políticas e da
sociedade civil, a ser chamada a participar, deve estar acima dos interesses
pessoais e partidários, para se cimentar união em vista de um programa mínimo.
Os pretensos candidatos devem vir a ser partícipes de governo de aliança
nacional, no qual o compromisso de luta conjunta preceda à assunção ao poder. A
conversa havida dia 16 último, com a presença de presidentes de sete partidos
(DEM, PSDB, MDB, PV, Cidadania, Podemos, Solidariedade) é alvissareira, bem
como a posição comum contra o voto impresso. Outras siglas podem aderir, como
Rede, PSB, PDT e PSD.
Assim, cumpre, desde já, firmar carta de
intenções a respeito de programa de governo em pontos essenciais, com
especificação da forma de execução da proposta, para não se permanecer no campo
das declarações grandiloquentes e genéricas. Seria o caso de se ter na prática
um “presidencialismo congressual”, com a existência de ministro coordenador,
que vá gerenciar a execução do plano de governo, com comparecimento a cada dois
meses ao Congresso para discutir e expor as ações governamentais.
Os temas da educação, saúde, segurança
pública, redução da desigualdade com inclusão social e crescimento econômico,
avanço científico e tecnológico, meio ambiente, custo Brasil em face de tantos
entraves, são, por exemplo, questões a serem objeto de discussão e de definição
conjunta, e levadas ao País como bandeira. Apresenta-se, então, não um nome,
mas um projeto de governo ao qual as lideranças aderem e se comprometem a dar
apoio parlamentar. Cabe ser um governo de Ministério, que gire em volta da
proposta, e não em função de um salvador.
Estamos exaustos da pirotecnia e das
bravatas irresponsáveis do clã Bolsonaro, bem como desconfiados do “faz de
conta” do PT a se fantasiar de inocente, sem jamais ter feito qualquer
autocrítica. Chega de teatro: o Brasil precisa de bom senso e comedimento, em
busca da segurança que a previsibilidade outorga.
O instante requer a generosidade de se
limitarem as ambições pessoais, para preservar a democracia do populismo, tão
vazio como envolvente, e atender à ansiedade da maioria silenciosa, sôfrega de
estabilidade e seriedade. Cada liderança, ao abrir mão do personalismo próprio
do frágil presidencialismo imperial, contribuirá para construção do pressuposto
essencial da democracia: a confiança nas instituições.
Mais à frente escolhe-se o nome do
candidato que, em face do programa, apresente melhores condições de composição
e de catalisação das forças diversas. Não é fácil, ao contrário, mas a tragédia
do momento empurra para uma saída de grandeza.
*Advogado, professor titular sênior da Faculdade
de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
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