Folha de S. Paulo
Se conduzido com boa vontade da equipe de
Aras, inquérito pode se tornar arma a favor do governo
A PGR (Procuradoria-Geral da República) fez
barulho com o pedido de inquérito para apurar se Jair Bolsonaro se
omitiu diante das suspeitas no contrato da Covaxin.
Qualquer investigação contra um presidente é incômoda, mas o órgão emitiu
alguns sinais que podem aliviar o peso sobre o presidente.
Primeiro, a equipe comandada por Augusto
Aras tentou engavetar a suspeita de prevaricação. Obrigada a se mexer, a
procuradoria se antecipou, falou em "ausência de indícios" e deu
espaço até para a linha de defesa levantada pelo presidente.
A PGR quis deixar claro que o inquérito foi aberto a contragosto. No início da semana, o procurador Humberto Jacques de Medeiros se opôs à apuração e afirmou que a CPI da Covid já investigava "com excelência" a acusação. Acrescentou, ainda, que uma apuração no STF (Supremo Tribunal Federal) se daria "sem igual agilidade".
A tentativa de fazer corpo mole ficou
nítida. A ministra Rosa Weber determinou que a PGR tomasse uma decisão e deu
uma bronca no órgão: afirmou que o Ministério Público não pode se comportar
como "espectador das ações dos Poderes da República".
Emparedados, os procuradores pediram a
abertura do inquérito, mas já sugeriram que a história tem poucas chances de
sair do controle do governo. Na manifestação ao tribunal, Medeiros pede uma
investigação apesar da "ausência de indícios" que possam comprovar a
vontade de Bolsonaro de enterrar as suspeitas levadas a ele pelo deputado Luis
Miranda (DEM-DF) e seu irmão.
Além disso, a PGR faz um aceno ao governo a
afirmar que é preciso esclarecer "o que foi feito após o referido encontro
em termos de adoção de providências". No papel de investigador, o órgão
segue a linha da defesa do presidente.
Antes mesmo de abrir a apuração e ouvir
testemunhas, o procurador declara que o "alerta de supostas irregularidades"
no contrato da Covaxin "também teria sido dado ao então titular" do
Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello.
Esse é o ponto central dos argumentos do
governo para proteger Bolsonaro da acusação de prevaricação. Aliados alegam que
o presidente informou Pazuello sobre as suspeitas e dizem que o ministro não
encontrou nada irregular no negócio.
Nos cálculos do Palácio do Planalto, essa
afirmação obriga Bolsonaro a admitir a versão dos irmãos Miranda, mas seria
suficiente para livrar o presidente, uma vez que não ficaria provada
sua omissão.
Ainda que o presidente tenha prometido
levar a história para a Polícia Federal, seria impossível falar em omissão caso
ele tenha determinado uma apuração ao ministro da Saúde. Para isso, basta que
Pazuello preste depoimento no inquérito e repita essa versão aos procuradores.
Se conduzido na linha indicada pela PGR, o inquérito pode se tornar uma arma a favor de Bolsonaro. A menos que surjam fatos novos, a investigação daria forma jurídica à defesa do presidente e o ajudaria a enterrar a acusação.
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