Folha de S. Paulo
Médico pode às vezes seguir palpites, mas o
sistema tem de operar com evidências sólidas
Ainda não entendi bem o que aconteceu
na Prevent
Senior, mas as suspeitas são graves. Quaisquer que sejam os
resultados das investigações, já dá para dizer que há algo de podre no modo
como a regulação médica é praticada no Brasil. Como os buracos são muitos,
limito as observações de hoje à questão dos protocolos. É sob essa rubrica que
a Prevent teria
distribuído a seus clientes o tal do kit Covid.
A medicina precisa encontrar um equilíbrio entre a abertura à inovação e a confiabilidade da experiência. Protocolos clínicos são a resposta que as instituições tentam dar a esse dilema. Quando um hospital ou rede adotam um protocolo, isto é, um roteiro mais ou menos padronizado para tratar uma afecção, eles buscam assegurar que todos os pacientes receberão terapias semelhantes, independentemente dos profissionais que os atendam. Num país em que a formação médica deixa a desejar, a tendência é que os protocolos fortifiquem o sistema. Eles, afinal, fazem com que o saber dos especialistas chegue aos médicos que põem a mão na massa. A padronização também favorece a redução de iatrogenias (a prática leva à perfeição) e permite ganhos na compra de medicamentos.
É claro que, para um protocolo funcionar
bem, ele precisa estar escorado em boa ciência. Assim, se em março e abril de
2020, quando ninguém sabia nada sobre a Covid-19, ainda era concebível que
médicos prescrevessem cloroquina a seus pacientes, a partir de maio, à medida
que saíam os resultados dos estudos controlados, isso foi ficando impossível.
Já incluir a droga num protocolo nunca fez sentido. Se o médico individual
ainda pode às vezes seguir palpites (é um dos canais da inovação), o sistema só
deveria operar com evidências sólidas, confirmadas em metanálises, revisões e
consensos.
O mais assustador aqui é constatar que o
Conselho Federal de Medicina não só não tenta pôr ordem na casa como dá corda
ao charlatanismo.
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