Folha de S. Paulo
Os que insistem no candidato nem-nem estão
sendo justos com a obra de Bolsonaro e com a terra dos 600 mil mortos?
Não sou instituto de pesquisa, mas, a
exemplo dos que atuam com seriedade, não faço previsões nem antevisões. Aponto
o que vejo na hora e tento entender por que as coisas se dão deste modo ou
daquele. As certezas absolutas ficam para candidatos e coordenadores de
campanha. Analistas lançam proposições antecipatórias, sendo, muitas delas,
pressuposições. Se honestas, ancoram-se em fatos. Hoje, 23 de setembro de 2021,
afirmo: só
o PT pode pôr em risco a vitória de Lula no ano que vem.
Uma nota: é evidente que, para fazer essa afirmação, levo em conta as pesquisas, que registram, de resto, não o voto que o eleitor dará no dia da eleição, mas o que daria se ela ocorresse no momento em que ele responde ao questionário. É o famoso “retrato da hora”, não uma viagem ao futuro. Conhecendo o estado de coisas, candidatos podem ajustar suas estratégias. E existe o indeterminado. Mas também este não se dá no ventre do nada. Bolsonaro já tinha sido adotado por setores consideráveis das elites quando Adélio surgiu no seu caminho para lhe pavimentar a vitória. Voltemos ao ponto.
Vejo os números do Datafolha e de outros
levantamentos feitos com rigor técnico. E me pergunto, e todos nos perguntamos,
por que, até agora, parece tão difícil surgir o candidato da chamada “terceira
via”. Indago se essa expressão já não traduz um primeiro erro de entendimento
sobre o que está em curso na política, muito especialmente depois que o triunfo
do Estado de Direito e do devido processo legal devolveu a elegibilidade a Lula.
Esse “tertius” — entendido como o que
caminha no meio entre os extremos, não como o terceiro entre os favoritos — faz
supor uma polarização ideológica que inexiste na sociedade e no ambiente da
política institucional. Isso traduz as rinhas das redes sociais. Há hoje no
país mais gente com fome — 19 milhões — do que empenhada nas guerrilhas da
internet.
Polarização? Jair
Bolsonaro é o candidato inequívoco de extrema direita, mas Lula é o
candidato da extrema esquerda? Por mais que se possam contestar certos fetiches
do PT com o estatismo à moda antiga, esse partido representa, de um lado, o que
o bolsonarismo encarna do outro? O paralelo pode servir a provocações de boteco,
mas não tem substância. Enquanto isso, Lula articula alianças. A propósito:
alguém duvida de que o ex-presidente, de olho no ano que vem, já conversou com
mais lideranças da direita democrática do que o atual? Se duvida, está
desinformado.
Segundo o Datafolha, o petista conta com
61% das intenções de voto no Nordeste na pesquisa estimulada; na espontânea,
com 42%. Votariam nele 65% dos que ganham até dois salários mínimos; 57% dos
empresários, por sua vez, escolheriam o “Mito”. É um caso de “polarização
ideológica” à espera da virtude do meio? Sete em cada dez brasileiros vivem em
domicílios cuja soma das rendas dos residentes não ultrapassa três salários
mínimos; para cinco em dez, a soma é de dois.
Ainda que pareça estranho à natureza das
coisas, não é à da política: um extremo está na disputa; o outro não. Em vez de
insistir nessa “narrativa” —ô clichezinho odiento!—, seria mais eficaz atentar
para o preço do feijão, do arroz e do pé de frango. A propósito: o quilo da
proteína animal que tem sobrado aos pobres dobrou de preço em 12 meses: de R$
2,50 para R$ 5. Tem sido preparado, com frequência, em fogueiras de graveto
porque falta a muitos daqueles 65% o dinheiro para comprar o gás.
O governador João Doria lançou seu nome às
prévias do PSDB batendo
firme no PT, menos até do que em Bolsonaro. Eduardo Leite insiste na
fórmula “nem Sergio Reis nem Chico Buarque”, seja lá o que isso queira dizer.
Ciro Gomes procura vulnerar o petismo no território que têm em comum —parte ao
menos: a esquerda. Uma pergunta final: quando se insiste na tese nem-nem, esses
postulantes têm certeza de que estão sendo justos com a obra de Bolsonaro e com
a terra dos 600 mil mortos? É uma pergunta também de natureza ética.
“E aquele começo, Reinaldo, sobre o PT
perder para si mesmo?” Tratarei do assunto em outras colunas, antes da “regulamentação
da mídia”. Alerta de ironia.
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