O Globo
A pressão sobre o ministro Paulo Guedes
(Economia) por um Auxílio Brasil anabolizado nunca foi tão grande. No interior
do governo, o discurso é que é preciso anunciar quanto antes um benefício
permanente que substitua o Bolsa Família e o auxílio emergencial.
O sonho da ala política do Executivo, que
já não esconde que resolveu mandar o ajuste fiscal e os escrúpulos às favas, é
repetir o valor de R$ 600 da primeira rodada do auxílio emergencial.
Sozinho na savana, Guedes tenta avisar que
não há nem espaço fiscal para pagar esse valor nem o “carimbo” de que o governo
precisa no Orçamento para criar uma despesa permanente.
O primeiro teria de vir da renegociação dos precatórios, que nesta semana avançou para um acordo, mas ainda com inconsistências que precisam ser resolvidas, como a necessidade de combinar com os credores o tal “encontro de contas” que, ademais, não conseguiria atingir a todos os que têm dívidas a receber.
O carimbo, ou seja, a designação de uma
receita para arcar com a nova despesa, uma exigência da Lei de Responsabilidade
Fiscal, viria da reforma do Imposto de Renda, em torno da qual existe acordo
para votação no Senado. Não se está, nesse caso, fazendo uma conta de
equivalência. O raciocínio do governo é que a reforma do IR não precisa cobrir
o gasto com o auxílio, que viria da própria arrecadação do governo, que cresceu
neste ano. Seria apenas a fonte a justificar o gasto do ponto de vista formal.
Pedaladas? Aos olhos de muitos, sim. Mas o
nó dos precatórios é algo que sensibiliza ministros do STF e parlamentares. Os
últimos estariam dispostos a, alinhavados os muitos detalhes ainda sem resposta
do acordo, votar uma proposta de emenda à Constituição para oficializar a
rolagem de quase R$ 50 bilhões dessas dívidas.
Isso significa que está aberta a porta para
o auxílio turbinado que poderia ser a âncora eleitoral de Bolsonaro? Não
necessariamente. A primeira resistência a chutar o pau da barraca no valor vem,
como já escrevi, do próprio Guedes. Resta saber se ele terá forças para
resistir a apelos cada vez mais veementes, de ministros que deixam Bolsonaro
“pilhado” com esse assunto, como ocorreu em reunião ministerial recente.
A segunda barreira estará no próprio
Congresso. Senadores e deputados não estão dispostos a colocar uma azeitona
carnuda e já descaroçada na empada de Bolsonaro à reeleição. A tendência é que
um auxílio inflado artificialmente encontre resistências mesmo dos partidos de
esquerda, que tradicionalmente defendem os benefícios sociais.
Trata-se de um campo minado, como admitem
senadores e deputados de esquerda com quem conversei. Por isso, eles não devem
se expor em discursos contra um valor de R$ 600, mas contam com a pressão do
mercado sobre Guedes e Bolsonaro para “modular” o valor e chegar a um máximo de
R$ 400.
E esse seria um combustível capaz de levar
o presidente ao segundo turno? Quando se chega a esse ponto da conversa, as
opiniões se dividem. A maior parte dos opositores avalia que a rejeição que
Bolsonaro construiu é do tipo tóxico, que não se desfaz com esse tipo de
artifício. Além do mais, argumentam que a economia tende a entrar em estagnação
entre o fim deste ano e o início de 2022, o que tornará ainda mais difícil a
execução de um plano eleitoral fiscalmente camicase.
Por fim, existe um risco concreto, que faz
Brasília perder o fôlego, de a ministra Rosa Weber dar um basta à farra das
emendas do relator — o orçamento secreto —, e isso ser chancelado pela maioria
do Supremo.
Sem esse que é o grande fator a garantir a
Bolsonaro uma maioria parlamentar, com sua popularidade derretendo e com a
tensão social escalando para cenas como as vistas nesta quinta-feira com a
invasão da Bolsa, a debandada dos partidos do Titanic governista tende a se
acelerar.
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