O Estado de S. Paulo
CPI precisa parar de insultos e se concentrar no relatório final. De pizza, basta a de NY
Vagabundo, picareta, ladrão, vigarista...
Com essa profusão de insultos mútuos, os senadores Renan Calheiros, relator da
CPI da Covid, e Jorginho Mello, da tropa de choque bolsonarista, deixaram claro
que a comissão não está no seu melhor momento e chega à reta final com ameaças
de sopapos entre seus próprios integrantes. Renan caiu na armadilha dos
governistas e só quem perde é a CPI. Foco, senhores! Foco!
Criada para investigar, divulgar e responsabilizar os negacionistas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, pela sua coleção de erros pavorosos durante a pandemia, a CPI não só cumpriu esse papel como atirou no que viu e acertou no que não viu – nem previu: um esquema tão primário quanto nocivo de empresas e lobistas para tirar uma casquinha da desgraça com o dinheiro público.
Há fatos aos borbotões contra Bolsonaro,
exibidos em suas lives, no cercadinho do Alvorada, em entrevistas, o tempo
todo. Negacionista ambulante, ele continua trabalhando contra isolamento,
máscaras e vacinas, enquanto faz campanha a favor de aglomeração (não raro em
atos golpistas) e de drogas condenadas mundo afora para covid.
Além disso, a CPI reuniu um material
impressionante sobre a Davati vendendo vacinas que não tinha, a Precisa
cobrando preços exorbitantes para vacinas não aprovadas nem no Brasil nem lá
fora e os personagens que pululam no enredo. De generais do Exército a cabos da
PM da ativa, reverendos que fazem caridade em Miami, lobistas com grande
intimidade no poder.
Tudo isso já é mais do que suficiente para
abertura de processo de impeachment, pedido de inquérito à PGR e denúncia a
Cortes internacionais. Mas, no apagar das luzes da CPI, médicos corajosos
trazem à luz também experimentos antiéticos e potencialmente criminosos contra
pacientes de covid.
Todo o enredo da Prevent Senior traz um
toque ainda mais horripilante à já horripilante pandemia no Brasil, ao aplicar
medicamentos sem avisar aos pacientes, retirar a referência à covid dos
prontuários e atestados de óbito, anunciar como “pesquisa” um trabalho
deliberadamente falho e divulgar um resultado que, tudo indica, foi fraudado.
Somam-se a isso experimentos com a
população de Manaus, que precisava desesperadamente de oxigênio, mas recebeu do
Ministério da Saúde pacotes e vídeos do “kit covid” e ainda conviveu com pelo
menos um casal de médicos inescrupulosos que testou inalação de
hidroxicloroquina e causou mortes de jovens mães com covid que tinham acabado
de dar à luz.
Há material de sobra para um relatório
final sério, denso, detalhado e contundente, mas a CPI insiste em abrir mais
frentes, como a Prevent Senior, e em confirmar o que já está mais do que
confirmado, como a trama da Precisa, que mistura Francisco Maximiano, Marcos
Tolentino e Danilo Trento com a Saúde, o líder do governo na Câmara, Ricardo
Barros, o próprio governo e, quem sabe, filhos do presidente.
Se for por aí, a CPI não vai parar nunca e
corre o risco de descambar para trocas de insultos como ontem. Quando, aliás, o
presidente Omar Aziz perguntou a Trento se ele sabia do suicídio de Getúlio
Vargas e se tinha algo a ver com isso, ele respondeu: “Eu? Não”. E Aziz
concluiu o óbvio: sempre que todos eles não respondem é porque a resposta é
“sim” – e comprometedora.
Está perdendo a graça e parece que os senadores temem crise de abstinência pós-CPI. É melhor cair a ficha. A CPI fez um excelente trabalho, de grande utilidade pública e histórica, e é hora de passar as novas revelações para a PGR, o MP e a PF e se concentrar no relatório final e na articulação política e jurídica para ele não acabar em pizza. De pizza, basta a de Bolsonaro na rua de Nova York, passando vexame e aprofundando a vergonha do Brasil no mundo.
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