Valor Econômico
Benefício não é gasto obrigatório de
prestação continuada
O reajuste dos valores do Bolsa Família não
precisa de compensação de receitas, conforme o artigo 24 da Lei de
Responsabilidade Fiscal. Portanto, o aumento do benefício em até 50% para
manter o seu valor real, considerando a cesta básica e não o IPCA, assim como a
ampliação de 14 milhões para 17 milhões de famílias atendidas poderiam ser
feitos por decreto presidencial. Não precisaria nem da tributação do Imposto de
Renda sobre juros e dividendos, como condicionou o ministro da Economia, Paulo
Guedes, nem da ponte feita pelo aumento transitório do IOF como fonte de
financiamento para os dois últimos meses do ano.
No parágrafo 1º do artigo 24 está escrito:
“É dispensada da compensação referida no art. 17 o aumento de despesa
decorrente de: I - concessão de benefício a quem satisfaça as condições de
habilitação prevista na legislação pertinente; II - expansão quantitativa do
atendimento e dos serviços prestados; III - reajustamento de valor do benefício
ou serviço, a fim de preservar o seu valor real”.
Foi com base neste artigo que houve reajustes de valores do Bolsa Família em outras ocasiões do passado, sem que tenha sido providenciada a compensação de receitas de que trata o artigo 17 da LRF. O mesmo aconteceu com a renda familiar per capita que caracteriza a situação de pobreza e extrema pobreza, necessária para participar do programa, que eleva para cerca de 17 milhões o número de famílias atendidas.
O artigo 17 diz: “ Considera-se obrigatória
de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou
ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua
execução por um período superior a dois exercícios”. O parágrafo 1º traz o
seguinte texto: “Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput
deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e
demonstrar a origem dos recursos para seu custeio”.
O Bolsa Família não é considerado um gasto
obrigatório de prestação continuada, já que o seu orçamento é discutido e
negociado ano a ano, sem compromisso de reajuste automático sequer pela
inflação. E a possibilidade de cortes no Bolsa Família, para dar lugar a outras
despesas, não é uma mera abstração. Já houve ano em que o relator, na época o
deputado Ricardo Barros, propôs cortar pedaço do orçamento do programa, mas a
Comissão Mista do Congresso não aprovou a ideia que nem o Executivo avalizava.
Com base na flexibilidade do mais bem
estruturado programa social que o país conhece, discute-se alternativas que o
mantenha íntegro, ao contrário do que sugere a medida provisória 1.061/21, de
autoria do Executivo. A MP cria o Auxílio Brasil como sucedâneo do Bolsa
Família e institui o programa Alimenta Brasil.
Uma hipótese é dar um reajuste de 24% para
o Bolsa Família, que aumentaria para um valor médio de R$ 235, abaixo dos R$
300,00 sugeridos pelo governo e, ao mesmo tempo, honrar a conta dos
precatórios. O orçamento do programa social passaria para R$ 45 bilhões, em
comparação aos R$ 35 bilhões atuais, que repassaria renda para 16 milhões de
famílias.
O pagamento dos precatórios seria integral,
mas sairia do teto de gasto cerca de R$ 16 bilhões do Fundo de Desenvolvimento
do Ensino Fundamental (Fundef), sendo, assim, assimilado ao Fundo de
Desenvolvimento da Educaçao Básica (Fundeb), que já é excluído do teto. Outra
fonte de receitas seria o corte dos R$ 99 bilhões destinados à despesas
discricionárias para R$ 92 bilhões, valor bem próximo do mínimo aceitável, que
é R$ 90 bilhões.
Já as emendas parlamentares mereceriam uma
avaliação criteriosa, pois em anos eleitorais há restrições a obras, que têm
apenas de janeiro a junho para serem realizadas. O mesmo se aplica às emendas
do relator. O valor das emendas seria de R$ 18 bilhões, bem distante dos R$ 40
bilhões pretendidos, embora de execução improvável.
Com o Auxílio Brasil o presidente Jair
Bolsonaro pretende encorpar a sua candidatura à reeleição. Ao mudar o nome do
Bolsa Família, o que Bolsonaro deseja é descarimbar um programa do governo do
PT, criado com base no Bolsa Escola, iniciado no governo Fernando Henrique
Cardoso. Esta seria a forma do atual presidente conquistar votos do seu
principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições do ano que vem.
Há dúvidas sobre a real capacidade de uma
canetada presidencial para troca de nomes e um reajuste de valores transformar
eleitores do PT em votos para Bolsonaro.
Na avaliação de especialistas, o problema é
que a MP 1.061 “muda muito pouco e muito mal” o Bolsa Família, que está
funcionando desde 2003.
A experiência da pandemia mostrou uma face
dramática do trabalho informal. Ao exigir isolamento social, a pandemia da
covid-19 tirou o sustento de milhões de brasileiros que trabalham nas ruas, na
informalidade. E esses brasileiros não estão contemplados no Auxílio Brasil.
Outra questão polêmica foi o ministro da
Economia condicionar o Auxílio Brasil à agenda de reformas do Imposto de Renda,
particularmente à tributação dos dividendos. O projeto de lei 2.335/21 foi
aprovado na Câmara e, agora, o governo pressiona o Senado para acelerar sua
avaliação e votação.
Um projeto que está sob intensas críticas e
cuja vinculação é juridicamente desnecessária foi objeto de acordo (para ser
aprovado) entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do
Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e Guedes e selado na quarta-feira passada.
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