quinta-feira, 10 de março de 2022

Maria Cristina Fernandes: Gás para começar outra vez

Valor Econômico  

Parlamentarismo branco de Brasília é quem move troca na Petrobras

O almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira chegou à presidência do Conselho de Administração da Petrobras junto com o governo Jair Bolsonaro. O estatuto prevê que seu mandato, de até dois anos, poderia ser renovado três vezes consecutivas.

O almirante poderia, portanto, atravessar o próximo mandato presidencial inteiro, mas deixará o cargo sem que apresente óbices a seu exercício.

Se aprovado pela mesma assembleia, o engenheiro Rodolfo Landim poderá, no limite, manter o cargo até 2030, atravessando os dois próximos mandatos presidenciais.

A escalada dos combustíveis é tão danosa que a troca é associada ao impulso do presidente em meter a mão na política de preços da estatal.

Cálculos independentes já apontam defasagem no preço determinado pela política de paridade internacional, de 25% a 30%. A vontade do presidente já tem sido, de alguma forma, contemplada. Para atendê-lo mais ainda seria preciso enfrentar o câmbio, os projetos de lei que tramitam no Congresso, além do superveniente Vladimir Putin.

O conselho para cuja presidência Landim foi indicado supervisiona a política de preços, mas quem a gere é a direção da empresa. O general Joaquim da Silva e Luna é seu titular desde fevereiro de 2021, quando substituiu Roberto Castello Branco, executivo indicado pelo ministro Paulo Guedes.

Ao longo dos 13 meses de coabitação entre Leal Ferreira e Silva e Luna, almirante e general convergiram. São oficiais que continuaram a se desincumbir de suas funções, como em postos pregressos, o comando da Marinha, no caso do almirante, e o Ministério da Defesa e a presidência de Itaipu, no caso do general. Ambos com pouco domínio sobre a indústria do petróleo mas obedientes às regras estabelecidas e à preservação de seus currículos.

São duas as principais regras de que cuidam, as políticas da empresa, entre as quais a de preços, e aquelas da governança estabelecidas depois da Lava-Jato. Se os combustíveis estão a exigir flexibilidade no mundo inteiro, pela pandemia e, agora, pela guerra, sobre a governança não há fatos da conjuntura a impor mudanças.

Nas três vezes em que Silva e Luna foi convocado ao Congresso em 2021 ficou clara a escalada da investida sobre sua gestão. Mais do que a política de preços, foi o abastecimento das termelétricas pela Petrobras que municiou as audiências públicas.

Por ali desfilaram os defensores das termelétricas. De Uruguaiana a Manaus, passaram pelas dificuldades de empresas em todo o país. Na titularidade das termelétricas cujas agruras foram ali compartilhadas, estão tradicionais empresários do setor, como Carlos Suarez, o S da OAS, ou grupos como o JBS, de Wesley e Joesley Batista, e Eneva, que tem no BTG de André Esteves, seu principal acionista.

Essas agruras se acumulam desde que as termelétricas, planejadas para serem abastecidas por gás abundante e barato, viraram mico - pelo preço e pelas exigências ambientais que movem energias alternativas para as quais o Brasil é vocacionado.

Esses micos têm sido empurrados à Petrobras por todas as gestões do PSDB ao PT, passando - e como - pelo MDB de Michel Temer. Com a Petrobras sob a rédea do departamento de justiça americano, as termelétricas buscaram o velho abrigo da Eletrobras na MP que resultou na privatização do interesse público e socialização de prejuízos privados.

Aos R$ 84 bilhões que foram empurrados goela abaixo do consumidor de energia pela contratação obrigatória de termelétricas em lugares onde não há gás para abastecê-las, planejava-se um acréscimo de R$ 33 bilhões. Este era o valor calculado para a construção de gasodutos que deixaria de ser custeado pelas empresas para onerar o contribuinte.

De um único parlamentar, Elmar Nascimento (União Brasil -BA), Silva e Luna ouviu 14 perguntas. Depois de comandar a Comissão Mista que elaborou o Orçamento de 2021, o parlamentar recebeu a relatoria da MP da Eletrobras, prestígio que só aliados incondicionais do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, podem almejar.

Tal foi o empenho parlamentar na reparação das agruras do setor, que os vigias da moralidade pública acordaram do sono eterno e resolveram barrar o brinde adicional embutido em outra MP.

Foi sob este clima que o Congresso encerrou os trabalhos em 2021. Sem ter como tirar mais da Eletrobras ou do consumidor de energia, restava buscar uma alternativa na boa e velha Petrobras. Seria preciso achar um jeito de compensar os acionistas minoritários e penhorar o majoritário. A trilha sonora já estava pronta - “Começaria tudo outra vez”, de Gonzaguinha.

Os trabalhos mal haviam sido retomados este ano no Congresso quando veio a notícia de que Rodolfo Landim havia sido indicado para presidir o Conselho de Administração da Petrobras. Engenheiro da estatal por 26 anos, Landim, se aprovado pelos acionistas, chegará ao conselho na condição de único, no colegiado, a entender, de fato, do negócio de petróleo e gás.

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, foi gerente-executivo da unidade de gás natural, presidente da Gaspetro, integrante do Conselho de Administração da TGB, que transporta gás da Bolívia para o Brasil e, finalmente, no governo Dilma Rousseff, chegaria à presidência da BR Distribuidora.

Foi a mesma época em que outros gerentes da empresa ganhariam o estrelato, como Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa. Landim enfrentou, ainda, os lobbies sindicais da estatal.

A experiência acumulada no setor o levou para o grupo de Eike Batista, titular de termelétricas, entre as quais a Termoceará, um dos micos empurrados para a Petrobras, e a Eneva, hoje com o BTG.

Landim move processo contra Eike e é alvo de ação penal por suposta gestão fraudulenta envolvendo recursos do fundo de pensão da Petrobras por parte de sua gestora de investimentos.

Ninguém duvida de que o cartola do Flamengo tem competência técnica para submeter a atual direção da Petrobras a permanente escrutínio. O estatuto confere este poder ao conselho. Tampouco se duvida que, se Bolsonaro perder a reeleição, o sucessor pressionará pela troca de Silva e Luna. Já Landim conhece tudo e a todos.

Sua indicação, a 10 meses do fim do governo, é o gesto até aqui mais ousado do parlamentarismo branco. Ainda que à sua revelia, há uma aposta de seus padrinhos. A de que mesmo que não seja preciso, nem desejável, daria para começar tudo outra vez.

 

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