quinta-feira, 10 de março de 2022

Vinicius Torres Freire: Árabes, Putin, Bolsonaro e gasolina

Folha de S. Paulo

Conversas políticas e mercado alucinado derrubam preço do petróleo e amanhã vai ser outro dia

No final da tarde europeia, Yusef al-Otaliba tuitou. O preço do petróleo deu outra despencada. Al-Otaliba é o embaixador dos Emirados Árabes Unidos nos EUA e figura política de peso em seu país. Na nota que acompanhava o tuíte, escreveu: "Somos a favor de aumentos de produção [de petróleo] e vamos estimular a Opep a pensar em níveis de produção mais altos".

E daí? O preço da sua gasolina pode ter a ver com decisões da Opep, com boatos de uma remota negociação de cessar-fogo na Ucrânia, com o fato de a União Europeia querer dar um jeito suave no seu abastecimento de energia e com as pressões políticas de Joe Biden no mundo do petróleo.

Pode ser que Jair Bolsonaro também tenha a algo a ver com isso, pois se desespera ao ver que a carestia dos combustíveis pode tornar sua reeleição ainda mais difícil. Quer fazer algo faz ano, mas está empacado feito uma mula, por ignorância e desarticulação política, o que talvez seja uma sorte. No mais, a balançada dos mercados pode não passar desses movimentos de manadas ou de cardumes de sardinhas.

Mas, mesmo com uma paz súbita, o mercado de petróleo permaneceria encrencado por meses. Na sexta-feira antes do começo da guerra (18/02), o preço do barril já havia aumentado 20% no ano, para quase US$ 94 (R$ 471, na cotação atual). Essa conta vai bater em algum lugar.

No preço do diesel e na gasolina, no Brasil sem reajuste desde 12 de janeiro. Ou no Tesouro, se o governo decidir dar subsídios, aumentando a dívida pública. Ou nos acionistas da Petrobras (entre eles o próprio governo, que perderia receita de lucros), para nem mencionar os danos que um tabelamento longo provocaria no mercado, diminuindo importações (com risco de escassez de combustíveis) ou, no médio prazo, investimentos.

O preço do barril do Brent terminara a terça-feira em cerca de US$ 128 (R$ 641). Antes do tuíte dos Emirados, havia caído para US$ 120 (R$ 601), talvez devido a boatos de que Ucrânia e Rússia poderiam fazer algum acordo (nesta quinta, tem reunião entre os chanceleres dos dois países, na Turquia). Depois que saiu a nota (mas não necessariamente por causa dela), o preço caiu até fechar em US$ 112 (R$ 561).

A Opep não quer aumentar muito a produção, em parte por causa de um acordo com a Rússia, que se tornou aliada firme do cartel e que não querem largar, sem mais. A Arábia Saudita e outros países árabes querem apoio dos EUA na guerra do Iêmen e não querem moleza para o Irã, entre outros perrengues diplomáticos. Mas os EUA fazem pressão, assim como planejam, no médio prazo (final do ano?), colocar no mercado algum petróleo extra dos sancionados Irã e Venezuela.

O governo Biden também bate nos petroleiros do seu país, em especial nos exploradores do óleo do "shale". As empresas dizem que são prejudicadas por medidas ambientais de Biden (que negou isso em seu discurso sobre o embargo russo), que há risco de o preço cair, de o petróleo perder mercado no médio prazo por causa da "transição verde" e que seus acionistas agora só querem dinheiro, depois de investimento pesado e anos sem lucro. Mas Biden quer "esforço de guerra".

A União Europeia pode dizer nesta quinta o que será de seu plano de investimento "verde" e de sua política energética. Vazou nos jornais europeus que vai se desligar de russos e combustíveis fósseis aos poucos —mas vai. Não haverá embargo, o que estouraria o preço do barril, com inflação e talvez recessão.

Vladimir Putin ficou de anunciar nesta quinta sanções contra o "Ocidente", com o que venderia o almoço e nem assim poderia pagar o jantar.

O preço da sua gasolina, do seu pãozinho e da sua pipoca, para dizer a coisa com desespero cômico, tem a ver com tudo isso.

 

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