Folha de S. Paulo
Conversas políticas e mercado alucinado
derrubam preço do petróleo e amanhã vai ser outro dia
No final da tarde europeia, Yusef
al-Otaliba tuitou. O preço
do petróleo deu outra despencada. Al-Otaliba é o embaixador dos Emirados
Árabes Unidos nos EUA e figura política de peso em seu país. Na nota
que acompanhava o tuíte, escreveu: "Somos a favor de aumentos de produção
[de petróleo] e vamos estimular a Opep a pensar em níveis de produção mais
altos".
E daí? O preço
da sua gasolina pode ter a ver com decisões da Opep, com boatos de uma
remota negociação de cessar-fogo na Ucrânia, com o fato de a União
Europeia querer dar um jeito suave no seu abastecimento de energia e
com as pressões
políticas de Joe Biden no mundo do petróleo.
Pode ser que Jair Bolsonaro também tenha a algo a ver com isso, pois se desespera ao ver que a carestia dos combustíveis pode tornar sua reeleição ainda mais difícil. Quer fazer algo faz ano, mas está empacado feito uma mula, por ignorância e desarticulação política, o que talvez seja uma sorte. No mais, a balançada dos mercados pode não passar desses movimentos de manadas ou de cardumes de sardinhas.
Mas, mesmo com uma paz súbita, o mercado de
petróleo permaneceria encrencado por meses. Na sexta-feira antes do começo da
guerra (18/02), o preço do barril já havia aumentado 20% no ano, para quase US$
94 (R$ 471, na cotação atual). Essa conta vai bater em algum lugar.
No preço do diesel e na gasolina, no Brasil
sem reajuste desde 12 de janeiro. Ou no Tesouro, se
o governo decidir dar subsídios, aumentando a dívida pública. Ou nos
acionistas da Petrobras (entre
eles o próprio governo, que perderia receita de lucros), para nem mencionar os
danos que um tabelamento longo provocaria no mercado, diminuindo importações
(com risco de escassez de combustíveis) ou, no médio prazo, investimentos.
O preço do barril do Brent terminara a
terça-feira em cerca de US$ 128 (R$ 641). Antes do tuíte dos Emirados, havia
caído para US$ 120 (R$ 601), talvez devido a boatos de que Ucrânia e Rússia
poderiam fazer algum acordo (nesta quinta, tem reunião entre os chanceleres dos
dois países, na Turquia). Depois que saiu a nota (mas não necessariamente por
causa dela), o preço caiu até fechar em US$ 112 (R$ 561).
A Opep não quer aumentar muito a produção,
em parte por causa de um acordo com a Rússia, que se tornou aliada firme do
cartel e que não querem largar, sem mais. A Arábia Saudita e outros países
árabes querem apoio dos EUA na guerra do Iêmen e não querem moleza para o Irã,
entre outros perrengues diplomáticos. Mas os EUA fazem pressão, assim como
planejam, no médio prazo (final do ano?), colocar no mercado algum petróleo
extra dos sancionados Irã e Venezuela.
O governo Biden também bate nos petroleiros
do seu país, em especial nos exploradores do óleo do "shale". As
empresas dizem que são prejudicadas por medidas ambientais de Biden (que negou
isso em seu discurso sobre o embargo russo), que há risco de o preço cair, de o
petróleo perder mercado no médio prazo por causa da "transição
verde" e que seus acionistas agora só querem dinheiro, depois de
investimento pesado e anos sem lucro. Mas Biden quer "esforço de
guerra".
A União Europeia pode dizer nesta quinta o
que será de seu plano de investimento "verde" e de sua política
energética. Vazou nos jornais europeus que vai se desligar de russos e
combustíveis fósseis aos poucos —mas vai. Não haverá embargo, o que estouraria
o preço do barril, com inflação e talvez recessão.
Vladimir
Putin ficou de anunciar nesta quinta sanções contra o
"Ocidente", com o que venderia o almoço e nem assim poderia pagar o
jantar.
O preço da sua gasolina, do seu pãozinho e
da sua pipoca, para dizer a coisa com desespero cômico, tem a ver com tudo
isso.
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