Folha de S. Paulo
Presidente disfarça interesses para repetir
a ideia de que o poder é uma missão divina
A rotina de eventos antecipados de
campanha, passeios
de moto e comícios golpistas tem cansado Jair Bolsonaro. Num encontro
com líderes evangélicos, o presidente disse que não vê a hora de deixar o cargo
para "ir para a praia, tomar um caldo de cana na rua, voltar a
pescar". Embora passe boa parte do tempo pensando na reeleição, ele
insiste no figurino do governante involuntário.
Bolsonaro não explora essa imagem à toa. Atualmente, a maioria da população concorda com ele e gostaria de vê-lo longe do Palácio do Planalto a partir do ano que vem. Mas o presidente trabalha para reconquistar a coalizão de eleitores que lhe deu votos suficientes para garantir sua vitória em 2018.
O objetivo principal de Bolsonaro é
despertar nesse grupo o mesmo antipetismo que o impulsionou naquela eleição.
Com frequência, ele fala das agruras de ser presidente e diz que não faz
questão de ficar no cargo, mas sempre apresenta a vitória da oposição como uma
ameaça. "Quem estaria no meu lugar se a facada fosse fatal?",
perguntou a
pastores e aliados, na terça-feira (8).
O presidente também aproveita o discurso
para vender a ilusão de que não tem apego ao poder, apesar das múltiplas
regalias que seu grupo político alcançou nos últimos anos. Para completar o
quadro, ele apresenta a função como parte de um sacrifício, com tonalidades
religiosas. "Quem me colocou aqui foi Deus e somente ele me tira
daqui", repete.
O falso desprendimento, o esforço para
impedir uma vitória da esquerda e a impressão de que há uma missão divina
ajudam Bolsonaro a manipular as expectativas de uma parte do eleitorado. Se
está em jogo algo maior do que o próprio presidente, os fracassos do governo
deveriam se tornar elementos secundários na hora do voto.
Bolsonaro assume o
personagem do presidente desgostoso para sugerir que ele não tem
interesses particulares no cargo e que há um projeto que justifica sua
permanência no poder. Por trás da fantasia, o que se vê é exatamente o
contrário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário