O Globo
O dia começou ontem em Brasília com o
improvável encontro do governo e o PT para acertar os últimos detalhes dos
projetos para subsidiar os combustíveis fósseis. À tarde, a capital floresceu.
O cantor Caetano Veloso e muitos artistas fizeram uma sonora manifestação
contra a boiada que Bolsonaro e Arthur Lira (PP-AL) querem passar sobre a
Amazônia e as Terras Indígenas, sobre o próprio país, aproveitando a guerra. E,
no mundo, tudo de novo no front. Houve uma reviravolta nos preços dos ativos, o
petróleo despencou e as bolsas subiram. O mercado precificou o fim da guerra,
diante dos sinais de negociação.
O governo Bolsonaro está correndo para aprovar uma excrescência: o PL 191, o mais nocivo de todo o pacote antiambiental, anti-indígena e a favor de agrotóxicos feito por este governo e defendido pelo atual presidente da Câmara dos Deputados. Bolsonaro mentiu, de novo, ao dizer que é preciso aprovar o projeto para nos livrar da dependência externa de fertilizantes. Ele tenta tirar proveito da guerra da Ucrânia.
“Terra. Terra. Por mais distante o errante
navegante, quem jamais te esqueceria?” A voz, sempre linda, de Caetano, foi
seguida por dezenas de outros artistas e o público no Salão Negro do Senado,
diante do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), uma das autoridades a quem eles se
dirigiram no Ato pela Terra. Antes, os manifestantes haviam ocupado o gramado
em frente ao Congresso. O recado que trouxeram é grave. A Terra corre extremo
risco com a destruição da floresta e há mais uma emergência. Voltou a andar o
PL que abre as Terras Indígenas a todo o tipo de agressão. Ele havia sido
engavetado pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Agora, Bolsonaro e Arthur
Lira, os irmãos siameses da destruição ambiental, querem passar o trator sobre
as terras indígenas com o pretexto da falta de fertilizantes por causa da
guerra.
A guerra era o pano de fundo do café da
manhã na casa do senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Quando o
ministro Paulo Guedes, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) e o senador Eduardo
Gomes (MDB-TO), líder do governo, se encontraram o petróleo estava em US$ 123.
O assunto da reunião inusitada era a proposta feita pelo Partido dos
Trabalhadores de ter um mecanismo de redução dos preços dos combustíveis, o PL
1472. O projeto de autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE) cria uma Conta
de Estabilização de Preços. Nela, o governo federal depositará dividendos da
Petrobras e receitas de petróleo. O objetivo da Conta é subsidiar os preços dos
combustíveis quando eles subirem, como agora. Prates relata também o PLP 11 que
muda a forma de cobrança do ICMS sobre combustíveis.
— Este projeto é uma forma de entregar
ferramentas ao governo — Bolsonaro hoje, mas que pode ser Lula amanhã — para
que possa, em momentos como este, de guerra, de disparada dos preços, atenuar a
alta. Vamos tirar dinheiro do próprio petróleo. Quando ele sobe assim, as
receitas aumentam. Essa alta iria para a Conta — disse Prates.
Ao fim do dia, não houve consenso, e a
votação foi adiada. O petróleo havia caído 11%, para US$ 109, e muita coisa
havia mudado no mundo do mercado financeiro. As principais bolsas viveram dia
de euforia. Nos Estados Unidos, foram as maiores altas desde novembro de 2020,
na Europa, desde o início da pandemia. Na França e na Alemanha, as altas
chegaram a 7%. O preço do gás na bolsa de Londres despencou 22%. Um dia só não
faz verão. No acumulado do ano, o que se vê são índices com quedas de dois
dígitos na Europa e nos EUA, e os preços das commodities ainda em forte alta.
De real existe a guerra, que ainda não
acabou e continua oferecendo ao mundo um espetáculo macabro. A Ucrânia está
sendo demolida fisicamente, a Rússia está sendo demolida economicamente. A paz,
se viesse, seria um alívio.
No Brasil, continua a demolição da
democracia, da garantia da vida dos indígenas, da proteção da Amazônia. Mas
pelo menos ontem foi dia de ouvir Caetano nos lembrar da Terra. A Terra que o
inspirou mesmo quando ele estava na cela de uma cadeia. No discurso, em nome de
todos, Caetano falou da “notável” identificação dos artistas com o tema do meio
ambiente. “Ouso dizer que isso se deve à natureza abrangente e mesmo sublime da
questão ecológica. Nela, os artistas veem a busca da harmonia, a decisão do
sentido do humano no mundo, a luz da salvação.”
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