O Globo
Em dias intensos, o Brasil viu ataques de
vândalos, posses inéditas de ministras, minuta golpista e pacote econômico
Duas mulheres desciam a rampa interna do
Palácio do Planalto, de mãos dadas, braços erguidos em sinal de vitória. Com
elas vinham duas feridas abertas da história do Brasil, o racismo e o
extermínio de indígenas. Isso foi na quarta-feira. Elas andavam no mesmo espaço
onde, três dias antes, golpistas vandalizaram o Planalto. Quinta-feira o
ministro da Fazenda anunciou um plano para arrumar a bagunça nas contas
públicas e a Polícia Federal descobriu um documento no armário do ex-ministro
da Justiça provando conspiração contra a democracia. Isso é Brasil em dias
intensos.
Os fatos estão ligados. O ministro Fernando
Haddad, ao explicar o plano dele para aumentar a arrecadação e cortar despesas,
disse que houve um projeto deliberado de reduzir a receita em R$ 150 bilhões
para tentar ganhar a eleição:
— Estamos voltando à situação de receita e despesa do começo de 2022, ou seja, o que seria natural se não houvesse tentativa de ruptura institucional, trágicas decisões tomadas para sabotar o processo eleitoral.
Por uma dessas coincidências do Brasil, o
documento foi revelado no mesmo momento em que Haddad explicava seu complexo
pacote. A Fazenda tentava cobrir buracos pelos quais esvaíram-se recursos com o
objetivo de distorcer o processo eleitoral. A minuta no armário de Anderson
Torres revelava que conspirava-se para tirar o poder do TSE e entregá-lo a uma
comissão de regularidade eleitoral com maioria de militares.
Jair Bolsonaro vivia dizendo que estava
“dentro das quatro linhas” e que iria enquadrar quem estava fora. Esse era o
truque. Usar o que está previsto na Constituição, Estado de Defesa, para fingir
estar “dentro das quatro linhas”. Mas distorcer seu propósito, usando-o para
intervir no TSE. Esse era o caminho jurídico do golpe. O documento é
inconstitucional, incrimina o ex-ministro, e eleva as suspeitas sobre
Bolsonaro.
Na economia, uma das medidas de Haddad
tenta acabar com distorção recente no Carf, que aumentou a chance de o
contribuinte vencer disputas tributárias. Quem ganha com a distorção? Apenas 1%
dos contribuintes têm 80% das causas. São grandes empresas, entre elas a
Petrobras. Em outro ponto, a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins
foi decidida pelo STF. Beleza. Só que o governo passado não mudou o cálculo do
crédito. A empresa passou a pagar menos imposto, mas se creditava como se
pagasse mais. “Houve desleixo”, disse Haddad. A economia desorganizada alimenta
o golpismo.
Várias batalhas foram escancaradas nestes
primeiros quinze dias. Domingo, 1º, o presidente Lula subiu a rampa externa do
Planalto com pessoas da diversidade brasileira. Domingo, 8, uma turba a subiu
para invadir o Planalto e profanar os símbolos da República. Os golpistas foram
ajudados, por ação ou omissão, por policiais e militares.
A questão militar ficou inescapável. Não
adianta fingir que não temos um problema com as Forças Armadas. Um dos seus
defeitos mais antigos é achar que têm o poder de tutelar o poder civil. A
transição para o governo Lula mostrou que oficiais conspiraram. Não se sabe
quantos. Lula achou que sendo técnico nas escolhas dos comandantes tudo seria
resolvido, porém o retrocesso dos últimos anos foi grande demais. A politização
das Forças Armadas é um desafio para a democracia.
Quem investiga o atentado de domingo, 8,
contra os três poderes, deveria também buscar as ligações entre o financiamento
dos atos e os criminosos do garimpo ilegal e do desmatamento.
Sônia Guajajara e Anielle Franco, as duas
mulheres que fizeram a exuberante festa da quarta-feira no Planalto trazem a
força de suas bandeiras. A luta contra o racismo, a luta pela floresta. O velho
conflito brasileiro ficou incontornável. O poder seguirá sendo branco e
masculino ou o país respeitará a sua diversidade? “Nunca mais um Brasil sem
nós”, disse Sônia da Terra Indígena Araribóia, que já foi devastada por incêndio
criminoso e onde tombou Paulo Paulino Guajajara.
No já clássico discurso, o ministro Silvio
Almeida disse que os indígenas e os pretos existem e são valiosos para nós. A
cerimônia da posse das ministras Sônia e Anielle lembrava o verso de Caetano. “Existirmos,
a que será que se destina?” As duas avisaram que existem para tentar mudar a
História.
3 comentários:
Míriam Leitão e sua análise correta.
"" A Presença excessiva do Estado gera uma Cultura de Compadrio e Favorecimento Patrimonialismo.Separar Capital Público do Privado :Fisiologismo,Clientelista. A dependência e onipresença do Estado.
Gosto muito da Miriam Leitão. Mas discordo dela quanto a essa história de que o poder é "branco e masculino". O poder é latifundiário e escravista desde as capitanias hereditárias. Tenho dito Agro é tudo, menos reforma agrária. É isso que faz do Brasil um país dividido em bilionários e moradores de rua.
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