quarta-feira, 2 de junho de 2010

Desconversa eleitoral e estatismo:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Eleitorado dependente demais de transferências do Estado leva candidatos a esvaziar debate político

Dilma Rousseff deu uma escorregada ontem. Por um breve momento, se traiu. A candidata do PT deixou entrever que tem ideias próprias e sensatas sobre questões de Estado, no caso sobre o futuro da Previdência. Porém, cada vez mais bem treinada, logo voltou a se travestir de candidata e mudou de assunto.

A candidata do PT afirmou, como é óbvio, que o aumento da duração da vida vai, em algum momento, exigir que o tempo de contribuição dos trabalhadores para a Previdência também deva se estender, de modo que seja possível bancar o pagamento dos benefícios de uma aposentadoria também mais longa.

Mas Dilma desconversou a respeito de propor tal mudança em seu eventual governo. Existem quase 22 milhões de aposentados pela Previdência -poderiam nem ser afetados por uma mudança, mas ficariam com medo. Há outros milhões dependentes dos aposentados, com idade para votar, e outros tantos à beira de se aposentar. É muito voto.

O nível de desconversa da campanha eleitoral talvez tenha aumentado devido à democratização e à recente redução da desigualdade de renda. Num país muito desigual, ainda pobre, democrático e urbano, seria muito difícil manter a ordem, a "estabilidade política", e conter a ascensão política de populistas alucinados se não houvesse um regime de Previdência Social como o brasileiro, além do ainda muito precário mas universal e gratuito SUS.

No governo Lula, ficou evidente que é possível incrementar transferências sociais de renda sem haver "falência fiscal" do Estado. Isso também não significa dizer que o ritmo de aumentos das transferências sociais cabe na economia.

Mas, goste-se ou não do lulismo-petismo, o tom da conversa política sobre transferências de renda mudou. Também goste-se ou não, cresceu o número de dependentes do Estado. Mudaram as convicções políticas a respeito das obrigações do governante, chame-se isso de legitimação do assistencialismo ou não.

A desconversa eleitoral não se deve apenas a esse fato, à dependência de milhões de eleitores. A dependência do Estado é um fato social quase total, para fazer ironia com uma expressão de antropólogos. Classes médias, muitas empregadas pelo Estado, e elite também são de certo modo dependentes.

O empresariado não têm lá muita coragem de espinafrar os candidatos em público, para dizer o mínimo. Afora uns "radicais" do mercado financeiro, quase ninguém cobra, à vera, respostas programáticas dos candidatos. Qual o motivo? Brigar com um candidato pode ser brigar com o governo e, claro, com a máquina de favores do Estado.

Quando a grande empresa não é sócia direta de estatais, acerta com o governo suas estratégias de crescimento, "orgânico" ou por meio de fusões e aquisições. Tal processo ganha formas diferentes a cada período, mas a intimidade público-privada não morre. Tenha sido por meio de subsídios e proteção tarifária no "desenvolvimentismo", tenha sido na reordenação da propriedade por meio da privatização e do apoio do BNDES sob FHC. Seja por meio do gigantismo do BNDES e na criação dos supergrupos nacionais dos anos Lula.

Decerto Lula tornou mais ampla a "aliança" Estado-empresa. Mas não inovou, no mérito.Em suma, estatizamos a desconversa política eleitoral.

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