segunda-feira, 23 de maio de 2011

Marco Antonio Villa: O estrategista tupiniquim

Quando foi avisado por um correligionário que seria o responsável pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Moreira Franco respondeu: "Quer tirar sarro da minha cara?". Foi sincero.

Ele nunca se interessou por planejamento estratégico, despreza o trabalho de reflexão sobre o futuro do Brasil e desconhece como outros países emergentes tratam a questão. Para o ministro, o que importa é que a SAE tem um orçamento pífio e não pode servir para abrigar seus aliados com cargos rentáveis.

Dentro da lógica do PMDB, do é dando que se recebe, a secretaria é uma espécie de "engana trouxa".

Tomou posse a 4 de janeiro, porém seu primeiro compromisso na SAE ocorreu somente 24 dias depois. No dia 26, seu primeiro dia de trabalho, foi ao Ipea às 10h e oito horas depois recebeu um deputado do seu partido. E só.

No dia posterior, uma quinta-feira, rumou para o Rio de Janeiro e só regressou na segunda-feira seguinte: é o que se chama de fim de semana prolongado em pleno mês de janeiro. Mas como absenteísmo é uma marca do ministro, no dia 31 só teve um registro na agenda: às 17h, "despachos internos".

Resumindo: em janeiro, ele esteve na SAE apenas dois dias. Em fevereiro, permaneceu em Brasília cerca de metade do mês.

Contudo, sua agenda -estafante para seu padrão de trabalho- ficou restrita a oito dias com somente "despachos internos", mas só pela manhã e começando às 10h.

Nos outros dias, recebeu parlamentares do PMDB e teve tempo, inclusive, para se encontrar com o ex-deputado Genebaldo Correa, um dos tristemente célebres anões do Orçamento. Há um registro até de uma audiência para um vereador de Engenho Paulo de Frontim, município do interior fluminense de apenas 13 mil habitantes.

Mas em dois meses de "trabalho" não realizou nenhuma reunião, mesmo que inicial, para analisar as questões estratégicas do Brasil, tarefa central da sua pasta.

Como um bom folião, resolveu antecipar o Carnaval. Despachou até as 15h do dia 1º de março. Depois rumou para o Rio de Janeiro.

Reapareceu no emprego no dia 10, certamente exausto, mas com apenas dois compromissos na agenda.

Horas depois, voou novamente para a antiga capital federal.

A ausência de atividades afeitas à pasta é evidente. Basta citar o dia 17 de março. Só há um registro: às 17h, compareceu à posse do presidente da Federação Brasileira de Bancos. O padrão de preencher a agenda com atividades absolutamente distantes da finalidade da SAE é uma constante.

No dia 10 de março anotou que, às 10h, fez os tais "despachos internos" e, às 21h, compareceu ao jantar comemorativo dos 45 anos do PMDB. Seria crível imaginar que, após três meses na SAE, Moreira Franco fosse finalmente assumir o seu posto. Doce ilusão.

No mês de abril, na maioria dos dias -isso quando esteve em Brasília-, registrou somente uma atividade na agenda. Em quatro meses, não foi recebido sequer uma vez pela presidente. Mas não perdeu a oportunidade de viajar para Roma e assistir à cerimônia de beatificação de João Paulo 2º (é uma atividade afeita à SAE?).

Caso o ministro não esteja satisfeito com suas atribuições, deveria ter a dignidade de pedir demissão.

Afinal, é muito importante para o país pensar e desenhar o planejamento estratégico para as próximas décadas, como faz a China (será que o ministro chinês, de uma pasta correspondente à SAE, tem a mesma agenda de Moreira Franco?). Mas, como estamos no Brasil, a ociosidade de Moreira Franco foi premiada: vai presidir o Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social). Mas para que serve o Conselhão?

Marco Antonio Villa, historiador, é professor do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos e autor, entre outros livros, de "Breve História do Estado de São Paulo" (Imprensa Oficial).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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