O filósofo John Rawls propõe um experimento mental para definir o que é
justo. Você e seus concidadãos irão estabelecer as regras sob as quais seu país
vai funcionar. Virarão normas os princípios com os quais a maioria concordar.
Há, porém, um detalhe. Ao decidir, ninguém sabe que lugar ocupará na
sociedade, quanto dinheiro ou status terá, sua origem étnica, nem seu grau de
inteligência ou beleza. Esse filtro, que Rawls chamou de véu da ignorância,
assegura que as escolhas serão imparciais e racionais.
Bem, eu fiz essa experiência com as cotas, mas não cheguei a uma conclusão
definitiva. Sou, é claro, favorável à ideia de contar com um seguro contra
injustiças aleatórias, como a quantidade de melanina na pele. Bem mais difícil
é decidir os remédios que podem ser utilizados.
As cotas puras, ontem chanceladas pelo STF, me parecem um exagero. Ao
estabelecer uma reserva de vagas para negros, elas ferem para além do razoável
o princípio da igualdade de todos diante da lei.
É claro que a igualdade plena não passa de uma ideia reguladora, uma
abstração. Implementá-la a ferro e fogo tornaria inconstitucionais práticas
estabelecidas e bem aceitas como a progressividade do Imposto de Renda e as
aposentadorias especiais (incluindo os 30 anos para as mulheres).
É preciso, porém, certo cuidado quando começamos a sacrificar princípios
abstratos para tentar fazer justiça concreta. Se reservamos vagas para
cotistas, os não cotistas ficam com menos postos para disputar. Eles são
prejudicados para compensar erros históricos pelos quais não têm
responsabilidade pessoal.
É um pouco buscar a quadratura do círculo, mas eu só utilizaria o remédio em
doses parcimoniosas, como as bonificações para egressos da escola pública. Elas
são menos eficazes, mas também produzem menos injustiças na outra ponta. Essa,
pelo menos, é a escolha que eu, vestindo o véu da ignorância, faria.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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