Por unanimidade, o STF
decidiu ontem que a reserva de vagas em vestibulares para negros e pardos é
constitucional. Os ministros julgavam o caso específico da UnB, que adotou em
2004 cota de 20% para afrodescendentes. A decisão, no entanto, vale para todas
as instituições públicas que adotam ou pretendem adotar o critério racial em
seus processos seletivos como forma de diminuir a desigualdade no acesso ao
ensino superior. O julgamento teve como base uma ação proposta pelo DEM em
2009, que argumentou que a política da UnB era uma afronta ao princípio da
igualdade e incentivava o racismo por criar privilégios baseados em critérios
raciais. Os ministros do Supremo entenderam que a cota é um instrumento
legítimo para corrigir desigualdades
STF aprova cotas
por unanimidade
Ministros são a favor da reserva de vagas para negros para compensar falta
de oportunidades
Carolina Brígido
Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional
a política de cotas raciais adotada para ingresso de alunos na Universidade de
Brasília (UnB). Embora a tendência do STF de legitimar a política de cotas
raciais fosse esperada, o placar surpreendeu. Desde junho de 2004, a UnB
reserva 20% das vagas do vestibular para negros. Para os dez ministros que
votaram, as cotas cumprem o papel de compensar a discriminação e a falta de oportunidades
que os negros têm sofrido historicamente no Brasil.
O julgamento tem efeito vinculante, ou seja, poderá ter seus efeitos
estendidos a outras instituições públicas de ensino superior. Como elas têm
autonomia, escolhem se aderem ou não às cotas.
Com representantes dos movimentos negros e de indígenas, a plateia aplaudiu
ao fim do julgamento, quando o presidente da Corte, ministro Carlos Ayres
Britto, declarou que o Brasil deve se orgulhar pela decisão tomada ontem: —
Toda política de promoção racial que se dote de proporcionalidade e de
razoabilidade deita raízes e repousa no regaço da Constituição brasileira. O
princípio de unidade da Constituição chancela as políticas de promoção racial.
A partir desta decisão, o Brasil tem mais um motivo para se olhar no espelho da
história e não corar de vergonha.
A decisão foi tomada no julgamento de uma ação proposta pelo DEM, em 2009,
contra a política de cotas da UnB. Para o partido, a regra é uma afronta ao
princípio da igualdade à medida que cria privilégios no processo de seleção a
pessoas com características físicas específicas. A legenda também argumenta que
a medida incentiva o racismo.
O julgamento começou na quarta-feira, com o voto do relator Ricardo
Lewandowski em prol das cotas.
Ontem, concordaram com a tese e acompanharam o voto do relator os ministros
Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar
Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ayres Britto. Dias Toffoli não
participou do julgamento porque estava impedido. Quando ele era advogado- geral
da União, deu parecer sobre o assunto.
Gilmar condena "tribunal racial" l
Para Fux, a reserva de vagas é uma forma de "remediar desvantagens
impostas por minorias em razões de preconceitos passados". O ministro
alertou para um "paradoxo do sistema", segundo o qual "só chega
na universidade pública quem estudou em escola privada". Para ele, não há
uma resposta plausível para essa injustiça.
— A opressão racial dos anos da sociedade escravocrata brasileira deixou
cicatrizes que se refletem na diferenciação dos afrodescendentes.
A injustiça do sistema é absolutamente intolerável — afirmou Fux.
Rosa Weber rebateu o argumento de que as cotas sociais seriam mais
importantes do que as cotas raciais.
— Se os negros não chegam à universidade, por óbvio não compartilham, com
igualdade de condições, das mesmas chances dos brancos. Se a quantidade de
brancos e negros fosse equilibrada (nas universidades), poderia se dizer que o
fator cor não é relevante. Não parece razoável reduzir a desigualdade social
brasileira ao critério econômico — afirmou.
Joaquim Barbosa, único integrante negro do STF, votou de forma breve.
Limitou-se ao tema da ação e não discorreu sobre sua experiência pessoal. Na
semana passada, em entrevista ao GLOBO, ele disse que sofria preconceito por
parte de colegas da Corte.
— Essas medidas visam a combater não somente manifestações flagrantes de
discriminação, mas a discriminação de fato, que é a absolutamente enraizada na
sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem, torna-se uma coisa
natural — disse Joaquim.
O ministro vinculou o fim do preconceito à ascensão política das nações
periféricas: — Não se pode perder de vista o fato de que a história universal
contemporânea não registra nação que tenha se erguido de condição periférica a
nação digna de respeito na política internacional mantendo no plano doméstico
uma política de exclusão em relação a uma parcela expressiva da sua população.
Cezar Peluso, que trocou farpas recentemente com Joaquim, concordou com o
colega.
— (Avaliar pelo) mérito é justo apenas em relação aos candidatos que tiveram
a mesma oportunidade, não é possível usar o mesmo critério para quem no passado
não teve as mesmas oportunidades — ponderou Peluso.
Apesar de votar com o relator, Gilmar Mendes apontou uma série de defeitos
no programa de cotas, especialmente a existência do que chamou de
"tribunal racial", a comissão que averigua se o candidato é de fato
negro. Para ele, essa tarefa é muito subjetiva em uma sociedade miscigenada.
— Não é razoável que alguém na universidade se invista desse poder de dizer
quem é branco e quem é negro.
Seria mais razoável que se adotasse um critério objetivo de referência na
índole socioeconômica —afirmou.
Gilmar também reclamou de o programa não contemplar alunos pobres não negros
em detrimento de alunos negros muitas vezes com condições melhores: — Favelas
têm brancos e negros.
Porque contemplar apenas os negros nesses casos?
FONTE: O GLOBO
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