sexta-feira, 27 de abril de 2012

O governo insiste: o que falta é demanda :: Rogério Furquim Werneck


Quem só sabe usar martelo só enxerga pregos, qualquer que seja o problema. Desde 2006, diante das mais diversas circunstâncias, o Ministério da Fazenda tem sempre feito, de uma forma ou de outra, o mesmo diagnóstico: o que falta é demanda. Não chegou a ser surpresa, portanto, que, em resposta às pressões por providências que pudessem atenuar a perda de competitividade da indústria de transformação, o governo tenha anunciado, há poucas semanas, mais um pacote de estímulo à demanda agregada, disfarçado sob um simulacro de redução de carga tributária.

O que foi anunciado como diminuição de carga tributária foi um tortuoso programa de desoneração fiscal, beneficiando 15 setores, a maior parte deles da indústria de transformação, que passarão a recolher encargos patronais sobre faturamento, e não mais sobre a folha de pagamentos. O que configura uma deformidade fiscal desnecessária. Mais uma jabuticaba, brasileira da gema.

A Fazenda estima que a desoneração total envolvida nesse contorcionismo será da ordem de R$ 4,3 bilhões, em 2012, e R$ 7,2 bilhões, em 2013. Embora tais medidas tenham incitado pleitos de outros setores por benesses similares, o governo já deixou claro que, tendo em vista o desempenho da receita tributária, não terá condições de conceder desonerações adicionais a qualquer outro segmento da economia.

Mas qual tem sido o desempenho da receita? Acabam de ser anunciados os dados da arrecadação federal de março. O montante arrecadado no primeiro trimestre, quando comparado com o mesmo período do ano passado, mostrou expansão nominal de 13,5%, que, corrigida pela variação do IPCA, implica crescimento real de nada menos que 7,3%. Ou seja, bem mais do dobro do crescimento do PIB previsto para 2012. Os dados mostram que, só no primeiro trimestre, o aumento real da receita federal, da ordem de R$ 17,5 bilhões, já foi superior ao quádruplo dos R$ 4,3 bilhões de desoneração de folhas de pagamentos anunciados pelo governo para todo o ano de 2012.

O que se vê, portanto, por trás da poeira levantada pelo espalhafato das medidas de desoneração, é que o velho regime fiscal, que requer elevação sem fim de carga tributária, continua firme e forte. Com a receita crescendo a mais do dobro do crescimento do PIB, o que se constatará no início do próximo ano, quando forem publicados os dados de 2012, é mais um salto da carga tributária. Setores da indústria, escolhidos a dedo, poderão até ter tido algum alívio na tributação, mas a economia como um todo terá sido submetida a novo e considerável aprofundamento da extração fiscal.

Aos setores menos competitivos da indústria de transformação, o que falta não é propriamente demanda. Mas, apesar de todo o barulho em torno da desoneração, a parte que realmente importa nas medidas anunciadas pelo governo é o novo pacote de estímulo à demanda agregada. Sem ir mais longe, basta comparar, por exemplo, o total de R$ 4,3 bilhões de desoneração da folha previsto para este ano com os R$ 45 bilhões de recursos adicionais do Tesouro que deverão ser transferidos ao BNDES, por fora do orçamento, em 2012. E a verdade é que os estímulos à demanda que vêm sendo desencadeados vão muito além disso. Incluem, entre outras medidas, o vigoroso e prolongado afrouxamento monetário que vem tendo lugar há vários meses.

O governo poderia ter deixado que a economia se recuperasse naturalmente, na esteira da descontração monetária observada até março, e chegasse ao final do ano crescendo a uma taxa anualizada perfeitamente aceitável. Mas isso implicaria um segundo ano de taxa de crescimento econômico da ordem de 3%, considerada insuficiente para a manutenção dos níveis de aprovação que a presidente alcançou nas pesquisas de opinião pública. A palavra de ordem, portanto, é fazer o que for preciso para que a economia cresça pelo menos 4% em 2012. A Fazenda insiste em 4,5%. E contempla a possibilidade de que o consumo volte a se expandir a 8% ao ano.

E a inflação de 2013? Bom, disso se cuida mais à frente, depois das eleições.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.

FONTE: O GLOBO

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