Quem só sabe usar martelo só enxerga pregos, qualquer que seja o problema. Desde
2006, diante das mais diversas circunstâncias, o Ministério da Fazenda tem
sempre feito, de uma forma ou de outra, o mesmo diagnóstico: o que falta é
demanda. Não chegou a ser surpresa, portanto, que, em resposta às pressões por
providências que pudessem atenuar a perda de competitividade da indústria de
transformação, o governo tenha anunciado, há poucas semanas, mais um pacote de
estímulo à demanda agregada, disfarçado sob um simulacro de redução de carga
tributária.
O que foi anunciado como diminuição de carga tributária foi um tortuoso
programa de desoneração fiscal, beneficiando 15 setores, a maior parte deles da
indústria de transformação, que passarão a recolher encargos patronais sobre
faturamento, e não mais sobre a folha de pagamentos. O que configura uma
deformidade fiscal desnecessária. Mais uma jabuticaba, brasileira da gema.
A Fazenda estima que a desoneração total envolvida nesse contorcionismo será
da ordem de R$ 4,3 bilhões, em 2012, e R$ 7,2 bilhões, em 2013. Embora tais
medidas tenham incitado pleitos de outros setores por benesses similares, o
governo já deixou claro que, tendo em vista o desempenho da receita tributária,
não terá condições de conceder desonerações adicionais a qualquer outro
segmento da economia.
Mas qual tem sido o desempenho da receita? Acabam de ser anunciados os dados
da arrecadação federal de março. O montante arrecadado no primeiro trimestre,
quando comparado com o mesmo período do ano passado, mostrou expansão nominal
de 13,5%, que, corrigida pela variação do IPCA, implica crescimento real de
nada menos que 7,3%. Ou seja, bem mais do dobro do crescimento do PIB previsto
para 2012. Os dados mostram que, só no primeiro trimestre, o aumento real da
receita federal, da ordem de R$ 17,5 bilhões, já foi superior ao quádruplo dos
R$ 4,3 bilhões de desoneração de folhas de pagamentos anunciados pelo governo
para todo o ano de 2012.
O que se vê, portanto, por trás da poeira levantada pelo espalhafato das
medidas de desoneração, é que o velho regime fiscal, que requer elevação sem
fim de carga tributária, continua firme e forte. Com a receita crescendo a mais
do dobro do crescimento do PIB, o que se constatará no início do próximo ano,
quando forem publicados os dados de 2012, é mais um salto da carga tributária.
Setores da indústria, escolhidos a dedo, poderão até ter tido algum alívio na
tributação, mas a economia como um todo terá sido submetida a novo e
considerável aprofundamento da extração fiscal.
Aos setores menos competitivos da indústria de transformação, o que falta
não é propriamente demanda. Mas, apesar de todo o barulho em torno da
desoneração, a parte que realmente importa nas medidas anunciadas pelo governo
é o novo pacote de estímulo à demanda agregada. Sem ir mais longe, basta
comparar, por exemplo, o total de R$ 4,3 bilhões de desoneração da folha
previsto para este ano com os R$ 45 bilhões de recursos adicionais do Tesouro
que deverão ser transferidos ao BNDES, por fora do orçamento, em 2012. E a
verdade é que os estímulos à demanda que vêm sendo desencadeados vão muito além
disso. Incluem, entre outras medidas, o vigoroso e prolongado afrouxamento
monetário que vem tendo lugar há vários meses.
O governo poderia ter deixado que a economia se recuperasse naturalmente, na
esteira da descontração monetária observada até março, e chegasse ao final do
ano crescendo a uma taxa anualizada perfeitamente aceitável. Mas isso
implicaria um segundo ano de taxa de crescimento econômico da ordem de 3%,
considerada insuficiente para a manutenção dos níveis de aprovação que a
presidente alcançou nas pesquisas de opinião pública. A palavra de ordem,
portanto, é fazer o que for preciso para que a economia cresça pelo menos 4% em
2012. A Fazenda insiste em 4,5%. E contempla a possibilidade de que o consumo
volte a se expandir a 8% ao ano.
E a inflação de 2013? Bom, disso se cuida mais à frente, depois das
eleições.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
FONTE: O GLOBO
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