sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O governo em seu labirinto - Luiz Carlos Mendonça de Barros


O debate sobre a política de concessão de serviços públicos ao setor privado trazem desafio para Dilma

As discussões dentro do governo sobre a política de concessão de serviços públicos ao setor privado revelam um labirinto no qual está presa a presidente Dilma Rousseff. Toda essa questão lembra-me muito um dos mais interessantes livros que já li sobre os dilemas que enfrentam, de tempos em tempos, muitos líderes políticos. Gabriel García Márquez explora esse tema com maestria e profundidade no livro "O General em Seu Labirinto", que apresenta uma versão romanceada da parte final da vida de Simón Bolívar.

O labirinto da presidente Dilma, nesta segunda década do século 21, é claramente diverso do que enfrentava -na visão de García Márquez- Bolívar. Mas tem todas as características de um labirinto, com seus caminhos falsos e um único verdadeiro, que liberta o prisioneiro. E como vejo esse labirinto -e como encontrar sua saída- tomando por base minha experiência no comando das privatizações no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso?

A linha de lã de carneiro que poderá permitir à presidente -como na versão grega dessa história- encontrar a saída do labirinto precisa ser forte e tecida com arte e eficiência. Um primeiro fio da linha imaginária deve ser, necessariamente, o da convicção de que um programa de concessões de serviços públicos pode levar ao aumento dos investimentos privados na infraestrutura econômica.

Fortalecem essa convicção os resultados que o país acumulou ao longo dos últimos 20 anos, em várias experiências, como são os casos do setor de rodovias no Estado de São Paulo, das ferrovias federais e, principalmente, das telecomunicações.

Se essa convicção for alcançada, ficará mais fácil à presidente enfrentar a questão política, representada pela oposição histórica de seu antigo partido (PDT) e do PT às privatizações do governo Fernando Henrique. Os interesses da sociedade devem prevalecer sobre as posições políticas e as partidárias, como Dilma Rousseff mostrou em várias de suas decisões como presidente do país.

Mas esse mesmo fio precisa trazer também a força da verdade dos fatos, e não apenas a das convicções ideológicas. E, no caso das concessões ao setor privado, é preciso dizer que as concessionárias privadas não podem ter a liberdade absoluta na condução de seus planos de negócios. Como concessionárias de serviços públicos, devem obedecer a certos limites para garantir a qualidade dos serviços e o acesso universal a eles por parte dos cidadãos, como acontece no Brasil de hoje no caso dos serviços de telecomunicações.

Outra restrição que deve constar de forma clara nos contratos de concessão é a tentativa de impor ao mercado condições que derivam da natureza de monopólio natural de certas concessões.

Em contrapartida, o fio salvador precisa trazer também o respeito ao direito das empresas privadas de buscar a maximização de seus lucros dentro dos limites estabelecidos nos contratos de concessão relativos à qualidade dos serviços, à sua universalização possível e à prática de atitudes monopolistas. Na legislação brasileira, esses direitos estão protegidos pelo conceito de equilíbrio financeiro dos contratos de concessão.

Por essa cláusula, os concessionários de serviços públicos não podem ser obrigados a operar com prejuízo, principalmente em razão de mudanças externas na condução de seus negócios. Não por outra razão, nas concessões das rodovias federais realizadas no governo Lula, os investimentos realizados até agora não foram os previstos originalmente. A melhor forma de respeitar esse direito é aceitar que os concessionários busquem nos leilões taxas de retorno compatíveis com os riscos associados e as condições de mercado.

Creio que, seguindo esses objetivos parciais, o governo possa criar as condições necessárias para o sucesso de um amplo e moderno programa de concessões de serviços públicos, a ser implantado nos próximos anos. Os instrumentos contratuais e modelagens dos leilões para isso estão disponíveis nas experiências exitosas que o Brasil acumulou nos últimos anos.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 69, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO




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