O impeachment de
Collor nasceu da entrevista do irmão. O mensalão, daquela entrevista de Roberto
Jefferson. A acusação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o
chefe da quadrilha do mensalão não tem autoria.
O publicitário Marcos
Valério, identificado como autor da acusação, não a assumiu. E seu advogado
nega que tenha falado.
O áudio da entrevista
pode existir, mas o fato de a revista de maior circulação do país ter publicado
capa com uma acusação dessa gravidade sem autoria mostra que o julgamento ora
em curso no Supremo tem consequências que extrapolam a dosimetria das penas.
Se os juízes, pelas
indicações do relator no capítulo político do julgamento condenarem por
indícios, por que um jornalista precisaria de fonte para publicar uma acusação?
Não é de hoje que se
abusa do off, recurso legítimo do jornalismo que protege fontes com informações
valiosas em nome do interesse público.
Mas na acusação em
curso, paira no ar a dúvida sobre a que público serve a acusação anônima na
reta final de uma campanha eleitoral definidora dos exércitos de 2014.
Essa relação nebulosa
entre noticiário e interesse público não passa despercebida de quem está na
arquibancada.
Repousa esquecida em
cruzamentos de uma pesquisa Datafolha (10/08) a avaliação sobre a cobertura do
mensalão: 46% dizem que a imprensa tem sido parcial - e 39% a julgam imparcial.
Não dá para atribuir
o dado às massas ignaras do lulismo. Quanto maior a escolaridade, maior a
percepção. Dos entrevistados que passaram pela universidade, 53% julgam a
imprensa parcial. Entre aqueles que têm apenas o ensino fundamental, 41%
compartilham a impressão.
Não parece haver
dúvidas de que o julgamento tem inovado na interpretação da lei. Mas para
aquilatar seu real impacto sobre o combate à corrupção resta saber se a
jurisprudência será seguida à risca quando os holofotes se apagarem.
Para reverter a
má-fama angariada, a imprensa terá que se dedicar com igual afinco ao
julgamento da montanha de casos de corrupção que se acumulam nos tribunais.
Foi graças aos
jornalistas que se conheceram os grandes escândalos de corrupção no governo
Fernando Henrique Cardoso - Sivam, grampos do BNDES na privatização da
Telebras, caso Marka/FonteCindam e, o maior deles, a aprovação da emenda da
reeleição.
Ministros foram
defenestrados e contratos foram cancelados, mas o entendimento era outro sobre
a persecução penal dos envolvidos. Do desdobramento desses casos não se colhe o
mais leve indício de que a tese do domínio do fato pudesse um dia vir a evoluir
para a interpretação que ganha terreno no Supremo e facilita a condenação de quem
está no topo de hierarquias de poder.
A imprensa também
será desafiada a manter o arrojo com que se empenha na atual cobertura quando a
aplicação dessa jurisprudência se voltar para o setor privado, muito menos
aberto à investigação jornalística que o público.
O segundo capítulo do
julgamento, que condenou os banqueiros, impôs um padrão de austeridade inédito,
por exemplo, na gestão do risco bancário. Para punir um dirigente de empresa
não será preciso provar delito maior que a omissão no cumprimento do dever.
Uma coisa é enquadrar
o banco Rural, que já havia se tornado um pária no mercado desde o envolvimento
em intermediações financeiras com o governo a partir da era Collor.
Outra coisa é aplicar
a nova jurisprudência a grandes empresas e bancos. A sanha punitiva - e
jornalística - resistirá ao argumento, para além da coerção verbal, de que o
mercado, engessado, é um freio ao desenvolvimento econômico?
O que dizer, também,
da ameaça de reversão das reformas aprovadas com os votos que o ministro
relator assevera terem sido comprados? Bárbara Pombo conta hoje no Valor (pág.
E1) que advogados já se movimentam nesse sentido.
Se a oposição
conseguir voltar ao poder, o presidente que eleger pode se ver na contingência
de defender a constitucionalidade das reformas tributária e previdenciária que
seu partido acusou, com o possível beneplácito do Judiciário, de terem sido
compradas.
Na hipótese ainda
improvável de a mudança na jurisprudência trazer ameaça real ao estabelecido, a
reforma do Código Penal sempre pode ser uma saída para fechar a porteira aberta
por este julgamento.
O anteprojeto de
reforma do código, gestado no gabinete do presidente do Senado, José Sarney,
precede o julgamento do mensalão e não se remete aos seus resultados. Mas nada
impede que, uma vez iniciada sua tramitação, o texto possa ser abrigo das
pressões que devolveriam o país ao seu curso natural de leniência com a
corrupção dos donos do poder. E sem exceções.
Ainda não se sabe se
o mensalão é a causa para a queda do candidato do PT, Fernando Haddad, nas
pesquisas, mas, a julgar pelo Datafolha, a exploração do caso ainda não parece
ter surtido os efeitos esperados sobre o PT em São Paulo. Questionados como
veriam um próximo prefeito do PRB, do PSDB ou do PT, os entrevistados disseram
o seguinte: 15% achariam "ótimo ou bom" se o eleito fosse do PRB; 25%
disseram o mesmo de um tucano no poder; e 33% de um petista.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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