No final de janeiro, esta revista noticiou que o PSDB tinha começado o ano de 2013 com uma ideia fixa: "Os tucanos se debruçam sobre três questões centrais. Qual o melhor candidato, qual o melhor discurso e como evitar os erros do passado". A reportagem, assinada por Alberto Bombig e Leopoldo Mateus, identificou um certo "farfalhar de penas no ninho tucano", realçando aspectos ornitológicos da cena política brasileira. Estava dada a largada na campanha eleitoral de 2014.
Uma semana depois, ÉPOCA flagrou o mesmo apressamento, agora em "ninhos" com "farfalhar de penas", mas no 3º andar do Palácio do Planalto. A reportagem, outra vez de Bombig e Mateus, mostrou como a presidente da República, ao convocar uma rede de rádio e televisão para propagandear a redução na conta de luz de seus eleitores, esquentou o clima eleitoral: "O tom do discurso de Dilma, dividindo os brasileiros entre "nós" e "eles" – situação e oposição –, foi considerado um gesto de campanha. Para seus adversários, havia intenções eleitoreiras até na fantasia – ops, figurino – que a presidente usava". Sim, ela vestia vermelho. Candidatíssima. Declaradíssima.
Desde então, a agenda nacional foi abduzida pelas urnas futuras. Além de Aécio, praticamente definido como o nome do PSDB (embora José Serra ainda recalcitre, ao melhor estilo dos que "farfalham penas" sem sair do lugar), há os outros. Eduardo Campos e Marina Silva já puseram o pé na larga avenida. Ele, embora pertença ao Partido Socialista, da base aliada do governo Dilma, já desponta na bolsa de apostas como adversário da presidente candidata. Quanto a Marina, luta para transformar sua Rede num partido oficial. Se der certo, disputará.
Com as cartas na mesa, não se fala de outra coisa. E não se reclama de outra coisa. As eleições de 2014 viraram pauta obrigatória nos noticiários, nos jornais e nas revistas. Ao mesmo tempo, nos mesmos jornais, revistas e noticiários, as reclamações são caudalosas. A antecipação do debate eleitoral seria deletéria, nociva para o funcionamento do governo e para a democracia. É como se o país inteiro fosse ficar paralisado porque a batalha pelo voto eclodiu.
Será isso mesmo? Francamente: qual o problema de pensar desde já nas eleições de 2014? Vamos recolocar a pergunta: qual o problema de tornar pública uma discussão que ocupa, em tempo integral, a cabeça – e também as penas, em certas criaturas – de todos os agentes políticos, sem exceção? Se o cálculo eleitoral preside os movimentos de ministros, secretários, ascensoristas, motoristas e mandatários, por que não abrir esse tema para o eleitorado, sem restrições?
Alguns afirmam que a imprensa não deveria dar tanto destaque para o assunto, pois ele roubaria a atenção de outros temas essenciais, como o estrangulamento da infraestrutura dos portos, o caos na saúde pública, a prova de redação do Enem ou as despesas de Dilma com a hospedagem de sua comitiva em Roma, local em que a presidente pronunciou sua declaração histórica: "O papa é argentino, mas Deus é brasileiro".
Seria um erro, dentro desse cenário, dar cobertura à corrida eleitoral? Se pensarmos com mais calma, vamos concluir que não. Se os partidos e as autoridades só pensam nisso, só se guiam por isso, esse "isso" tem de ser assunto de primeira página. A propósito: pode haver frase mais eleitoreira do que a consideração presidencial acerca da nacionalidade divina?
Nesse quadro, falar sobre eleições não é um desvio, mas um dever da imprensa. São as urnas de 2014 – e, por vezes, as urnas de 2018 e de 2022 – que explicam os atos de governo hoje. São elas que explicam, desgraçadamente, a escolha de novos ministros. Elas explicam por que voltam a transitar agora na Esplanada dos Ministérios algumas das pessoas, físicas e jurídicas, que tinham sido varridas na tal faxina de uns dois anos atrás. E por que criar novos ministérios? (Aliás, quantos são mesmo os ministérios hoje no Brasil? 39? 45? 83? De quantos ministros você, leitor, sabe o nome? Pois um novo ministério foi criado. Por quê? Para melhorar a eficiência administrativa à máquina do Estado? Não. Ele foi criado para melhorar as chances da presidente candidata nas eleições de 2014.)
A imprensa deve sim se ocupar desse jogo. Se os políticos têm fixação nas urnas, nada melhor que garantir que o eleitor saiba disso. É bom que o eleitor pense em eleições o tempo todo. No mínimo, ele votará com mais consciência em 2014.
Eugênio Bucci é jornalista e professor da ESPM e da ECA-USP
Fonte: Revista Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário