- O Estado de S. Paulo
Documentos para consumo interno, quando escapam ao controle de seus consumidores, têm o mérito de desnudar a dissimulação política, comum a todos os governos, especialmente em períodos de crise e consequente perda de aprovação pela população.
É precisamente o que ocorre com o governo Dilma, como mostra documento interno obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo, em que a Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto define o momento político como “caótico”, de difícil reversão, com a presidente “encastelada”, o seu eleitor arrependido e a oposição ganhando a batalha da comunicação.
O documento, de autoria atribuída ao ministro Thomas Traumann, diz o que o governo não admite para efeito público, desde a frustração do eleitorado com a distância entre promessas de campanha e comportamento pós-eleição, até a crítica à ruptura com o sistema de alimentação de blogs chapas-brancas, responsável pela queda da antecessora no cargo, Helena Chagas.
Traumann considera que essa inflexão na estratégia de distribuição das verbas produziu um “rompimento com a militância digital” – e, aqui, embora a crítica se oponha à virtude -, revela a dependência do governo de um sistema viciado e , no mínimo antiético, que consiste em patrocinar com verbas públicas o jornalismo amador e a favor, engajado por remuneração.
O documento ataca também a gestão da ex-ministra Ana de Holanda, por defender os direitos autorais, em grau que considera “ferrenho”, e que interrompeu o pacto governista com as redes sociais, mantido por um consumo socialista com o chapéu alheio.
Investe-se contra o direito universal consagrado de domínio pleno da obra pelo autor, em favor de uma política estatal que pretende construir sólido apoio no público consumidor com redução do direito autoral, sem que seu legítimo beneficiário se disponha a tal.
Em continuidade, diz o texto que a nomeação do ministro Joaquim Levy para o ministério da Fazenda, agrava a ruptura com o eleitor petista, por materializar a traição do discurso de campanha. As primeiras medidas de Levy, segundo o texto, produziram mágoa profunda no eleitor de Dilma – de resto, algo confirmado pela pesquisa Datafolha coincidentemente publicada no mesmo dia em que se toma conhecimento do conteúdo do ministro da Secom.
A sugestão de Traumann para começar a abrir portas de saída para o governo é mais do mesmo, ou seja, o retorno dessas políticas, que chama de “ação coordenada de comunicação”, que restaure o sistema interrompido por Helena Chagas. Prega a restauração do que ele próprio define de “guerrilha política”, na expressão talvez mais precisa da forma eliminativa do PT fazer política e que lhe custa hoje o isolamento na base aliada.
A guerrilha precisa de soldados de fora, diz o texto, com munição de dentro do governo. Nada mais ilustrativo do engajamento comprado do que essa construção. A munição são os recursos públicos disponibilizados a blogueiros e internautas, soldados da “causa” de contrapor ao jornalismo independente e profissional a “verdade” que a “mídia golpista” esconde.
A verdade, porém, está em outro trecho do documento em que algum reconhecimento à realidade é feito. “Não adianta falar que a inflação está sob controle quando o eleitor vê o preço da gasolina subir 20%, desde novembro, ou a sua conta de luz saltar em 33%”.
Essa é a realidade, que tem causa em erros cometidos no primeiro mandato na gestão da economia e que não há “guerrilha digital” que conserte. Os aumentos da gasolina e da luz resultam do represamento artificial das tarifas, em atos populistas da pior espécie, revogados agora pela inviabilidade de sustentá-los.
Essa a informação essencial ao público, que está nos jornais da “mídia conspiradora”, que o governo reconhece em papéis internos, mas que não saem nos blogs patrocinados.
De qualquer forma, percebe-se que o desenho desse processo projeta a saída iminente do ministro, confirmando versões de que não desejava continuar no cargo, onde estaria somente por conveniência pessoal da presidente da República, por prazo indeterminado.
Esse é o ponto: Traumann, certamente, estabeleceu prazo imediato para a sua saída, independentemente do vazamento do documento, que só pode apressá-la. Extrai-se da leitura a óbvia insatisfação com críticas à condução da política de comunicação e com a disputa pelas verbas oficiais, que o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, quer sob o comando de sua pasta.
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