• A política econômica é, no essencial, correta. Mas é um ajuste, um arrocho — ou seja, as coisas vão piorar antes de melhorar
- O Globo
Quando o ministro do Trabalho considera boa a notícia do fechamento de 2,4 mil empregos com carteira, não precisa dizer mais nada. Mas ele ainda disse que a crise não é extrema como se fala por aí.
Não é extrema porque o país não vai acabar, claro, mas, para o governo e para a presidente Dilma, é uma situação quase sem saída.
As 2,4 mil vagas foram fechadas em fevereiro, número assim qualificado:
— O resultado é bem pior do que esperavam os analistas;
— É muito pior do que fevereiro do ano passado, quando foram criados 260 mil postos;
— Em todo o ano passado, foram criados quase 400 mil empregos com carteira;
— Nos 12 meses encerrados em fevereiro último, foram fechadas 47 mil vagas;
— A região com o maior fechamento de vagas em fevereiro foi o Nordeste, com perda de 27,5 mil.
O Datafolha divulgado ontem informa que cresceu expressivamente o medo de perder o emprego. Diz ainda que apenas 16% dos eleitores nordestinos aprovam o governo Dilma.
Juntando as coisas: a geração de emprego era a única coisa positiva que resistia até o ano passado. Cada vez mais fraca, mas ainda positiva. O Nordeste foi onde a presidente obteve seu melhor resultado na eleição de outubro. Ou seja, o governo e a presidente estão perdendo seus maiores trunfos.
Como uma notícia dessa pode ser boa? Só tem um jeito: o ministro devia estar esperando coisa pior.
Ou acha, como parece achar todo o governo, a julgar pelas primeiras reações pós-manifestações, que dá para virar o jogo no grito, quer dizer, na comunicação.
Mesmo nesse departamento, contudo, o governo começou mal. Anunciar com toda a pompa, incluindo Hino Nacional para uma plateia de autoridades convocadas, um velho e requentado pacote de medidas anticorrupção, no dia mesmo em que se revelava a conexão Petrobras-Vaccari, só serve para estimular mais panelaços.
E como ficamos?
No nosso regime, o presidente não cai assim tão fácil. A Constituição coloca restrições ao impeachment para preservar a estabilidade a longo prazo. Mas os governos caem — ministros, líderes parlamentares e porta-vozes podem ser substituídos para dar uma nova direção à gestão. Ainda que indecisa e contrariada, parece que a presidente vai por aí. Já há ministros caindo.
E para quem ela pode terceirizar o governo? O pessoal do PMDB, do lado político e administrativo, Joaquim Levy do lado da economia.
Não deve ser por acaso que as modificações no programa de ajuste estão sendo negocias por Levy com os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha.
A política econômica é, no essencial, correta. Na verdade, a única saída para o momento. Mas é um ajuste, um arrocho — ou seja, as coisas vão piorar antes de melhorar, com mais inflação e mais desemprego, os dois piores fantasmas a assombrar a vida das famílias. E das famílias das classes médias, incluindo a nova, eleitora preferencial de Dilma. De todo modo, ganhando-se tempo, a política econômica se acomoda.
Na política propriamente dita, parece claro que Michel Temer, Calheiros e Cunha, com o pessoal do velho PMDB, são muito mais competentes que a presidente e sua turma.
A variável que ameaça essa construção é menos a deterioração das condições econômicas, um processo lento, e mais a Lava-Jato. Na sua décima fase — a “Que país é este?” — atingiu pesadamente o PT e se aproximou mais do núcleo dirigente. E já está bem perto de políticos do PMDB, justamente os encarregados de refazer o governo.
Também não custa lembrar que, na mesma pesquisa Datafolha de ontem, apenas 9% dos entrevistados fizeram avaliação positiva dos deputados e senadores. E 50% os consideraram ruins e/ou péssimos.
No positivo, perderam para Dilma, que fez 13%. No negativo, ganharam dos 62% de ruim/péssimo da presidente. No agregado, um empate muito feio.
A delação que falta?
À medida que avançam as investigações, o valor das delações vai declinando. Claro, os promotores e o juiz Moro já sabem muito do que o pessoal pode contar.
Mas ainda faltam peças importantes, especialmente fatos concretos, como número de contas, extratos de transações, datas de reuniões e movimentações financeiras, identificação dos verdadeiros donos de contas no exterior.
E falta também, segundo fontes próximas ao processo, uma especial delação, a de Ricardo Pessoa, da UTC. E não é nem para falar do cartel das empreiteiras, mas de doações que teriam sido feitas para o tesoureiro da última campanha da presidente Dilma.
A presidente sempre pode trocar ministros e políticos, mas se aquela for mesmo a última delação, como a presidente poderá fazer com ela mesmo?
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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
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