É intrigante que no mesmo dia em que uma devastadora rodada da pesquisa Datafolha revela que 62% dos brasileiros reprovam o governo Dilma, o Palácio do Planalto tenha deixado vazar um documento de circulação interna, elaborado pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) e divulgado com exclusividade na tarde de terça-feira pelo portal do Estado na internet, contendo duras críticas à política oficial de comunicação e propondo como solução investimentos pesados em publicidade, inclusive por parte da administração municipal paulistana.
E é preocupante observar a coincidência dos argumentos levantados pelo documento da Secom com aqueles de setores ideológicos do petismo que partem do princípio de que, entre outras iniciativas manipuladoras da opinião pública, “investimentos pesados” em publicidade são capazes de moldar a percepção que as pessoas têm da realidade de acordo com a vontade dos detentores do poder.
Sem minimizar o papel da comunicação, imaginar que se pode construir uma imagem da realidade com base no princípio de que uma versão repetida ad nauseam acaba aceita como verdadeira só é possível em regimes autoritários que suprimem o contraditório impondo, por exemplo, o “controle social da mídia”. Numa sociedade livre, a realidade acaba prevalecendo.
Afirma a análise da Secom que “Dilma e Lula são acusados pela corrupção na Petrobrás e por todos os males do País”. Ora, desde que chegaram ao poder, Lula e o PT se empenharam em propagar a versão de que “nunca antes na história deste país” houve governos tão maravilhosos. Enquanto tinha algum lastro na realidade, com investimentos sociais fortemente propagandeados e crescimento econômico baseado em fundamentos sólidos e favorecido pela conjuntura internacional, o “nunca antes” funcionou bem a ponto de garantir mais três eleições presidenciais para o lulopetismo.
Aí Dilma Rousseff entrou em cena e se encarregou de fazer tudo errado. O País piorou a olhos vistos e bolsos esvaziados. Enquanto tudo corria bem, o PT atribuía a bonança a suas próprias qualidades; já o desastre é culpa alheia. O problema é que, segundo o Datafolha, apenas 13% dos brasileiros, que já foram 65%, consideram o governo petista ótimo/bom. E não foi a propaganda que fez isso.
Na verdade, o documento da Secom tem muito mais a ver com o partido do governo do que com o próprio governo. Fossem outros os tempos, os funcionários que o redigiram seriam responsabilizados pelo uso delituoso de dinheiro público com finalidade típica e exclusivamente partidária, ou seja, particular. São setores ideológicos do PT, encastelados na administração, que continuam defendendo o “controle social da mídia”, projeto que a presidente da República engavetou nos primeiros dias de seu primeiro mandato, mantendo-se firme nessa postura louvável. Trata-se, portanto, de mais um ponto de conflito entre Dilma e o PT, como também acontece no momento em torno das medidas por ela propostas para promover o ajuste fiscal.
O trabalho da Secom extrapola os limites da comunicação para fazer duras críticas de natureza política ao governo e ao PT, no que endossa muitos dos argumentos que têm sido usados por Lula em seus mais recentes e espinhosos contatos com a presidente, inclusive o de que ela precisa se expor mais para defender sua administração, “não importa quantos panelaços eles façam”.
O documento considera altamente negativo o fato de o governo ter praticamente abandonado as redes sociais e os blogueiros que lhe são fiéis e lamenta o fato de que “as páginas dos deputados e senadores do PT pararam de defender o governo”. E propõe a reformulação do núcleo de comunicação social, que passaria a concentrar sob a mesma coordenação a Voz do Brasil, as páginas oficiais na internet e a Agência Brasil, de modo a potencializar o noticiário oficial favorável ao governo.
Cada um sabe onde lhe aperta o calo, por isso é compreensível que o ministro da Secom, Thomas Traumann, esteja preocupado com o desempenho da área sob sua responsabilidade nesta crise. Deveria preocupar-se com outras coisas. Fossem estes tempos de vergonha na cara, funcionários públicos não dilapidariam a Fazenda Pública com o tempo que devem ao serviço público, produzindo documentos para orientar ação partidária.
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