Não queria mexer nessa ferida. Até em respeito a companheiros que já se foram e a muitos que felizmente ainda estão entre nós. Por eles tenho carinho e faço questão de manter laços de amizades.
Mas ao ouvir Dilma repetir pela enésima vez uma visão martirizada da esquerda que combateu a ditadura de armas na mão, não me contive.
O corajoso post de Cesar Benjamin de hoje me deu certeza. Vale a pena comprar esta briga, polemizar com quem está se apropriando da história.
Vende-se o peixe que temos democracia hoje porque a esquerda, sobretudo a armada, combateu heroicamente a ditadura. Hipervaloriza-se assim a ação dos agrupamentos armados e deifica-se suas ações.
A história não aconteceu assim. Não discuto aqui o despojamento de uma geração, da qual fiz parte. Seus sentimentos eram nobres, sem dúvidas. Embora as organizações de esquerda da época, inclusive a que eu militava, Ação Popular, não tivessem entre seus valores a democracia como valor universal.
No fundo queríamos substituir a ditadura por algum tipo de governo popular em transição ao socialismo, seja qual denominação isto assumisse.
Mas não é esta discussão que está em pauta. Sobre este tema há um livro de Daniel Aarão Reis e do saudoso Jair Ferreira de Sá que considero definitivo.
Retomo aqui um comentário do meu amigo Sérgio Fialho, outro baiano porreta:
“O que eu acho mais complicado é que esse discurso atribui implicitamente à luta armada o protagonismo da luta contra a ditadura, quando sabemos que, heroísmos à parte, que a ditadura caiu por força de um amplo, muitas vezes anônimo, movimento de massas, liderado por uma estratégia política oposta à luta armada. Se não se toma cuidado, esse discurso vira mistificação da história.”
Assino em baixo pelas seguintes razões: 1) A esquerda armada não foi vitoriosa. Foi derrotada militarmente, mas também politicamente. 2) A ditadura não caiu como ela imaginava. 3) Aliás, não foi derrubada, foi derrotada politicamente, como lucidamente, anteviu Armênio Guedes. 4) Os grandes protagonistas dessa transição da ditadura para a democracia foram os democratas (autênticos ou moderados), os liberais e, faça-se justiça, o PCB, um artesão da unidade.
Foi essa resistência molecular e cinzenta nos estreitos espaços legais, associada à luta de massas que tomou amplitude no final dos anos 70, que asseguraram o direito dos brasileiros de irem às ruas hoje para protestar contra o que quiser.
A democracia de hoje não é, portanto, uma dádiva do atual governo. É uma conquista de um povo.
Para ela contribuíram moderados como Thales Ramalho, Tancredo Neves, (um político de linha reta que jamais apoiou qualquer ação golpista), liberais como Paulo Brossard, dissidentes da Arena como Teotônio Vilela, democratas como Ulysses Guimarães, Franco Montoro, José Richa, Pedro Simon, Alencar Furtado, Lisâneas Maciel, Marcos Freire, Airton Soares, Chico Pinto, e tantos e tantos outros.
Para ser fiel a história não poderíamos deixar de registrar o quanto o PCB, seja através de seus dirigentes na clandestinidade seja através de seus parlamentares foi essencial nessa empreitada.
Para fazer justiça, teria que escrever uma nota só sobre os comunistas e a resistência democrática. Fica para outra oportunidade.
Hoje é dia de fazer uma reparação histórica.
De reconhecer a dívida que temos com liberais e democratas que construíram a ponte para fazermos a travessia e chegarmos à democracia de hoje.
Desculpem o texto longo. E se eventualmente feri suscetibilidades, mil perdões.
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