Por Rosângela Bittar e Raymundo Costa – Valor Econômico
BRASÍLIA - No Brasil, nunca foi tão sentida, como agora, a falta de um líder político, de um tribuno, de um articulador respeitado, de um alguém, para usar o sujeito da oração a quem recorreu o vice-presidente Michel Temer, que tenha luz própria e não seja um mero liderado, para tomar as providências cabíveis. Disso deriva a extrema dificuldade que se faz notada em todos os ambientes do governo de prever, planejar e executar as ações capazes de reverter a crise política, econômica e moral que está causando tanta ansiedade.
A presidente Dilma Rousseff não tem tropa, como definiu um de seus colaboradores ao justificar a falta de iniciativas políticas e administrativas do governo. Ontem, um dia em que apareceu governando, a presidente estava escudada por dois ministros que, não é acaso, são considerados os que atuam bem na sua área, Armando Monteiro Neto (Desenvolvimento), na mobilização e reunião da presidente com empresários, e Mauro Vieira (Relações Exteriores), no comando da visita de Estado da presidente Angela Merkel, da Alemanha. Os encontros e acordos com a Alemanha, como já se havia notado nos desdobramentos da visita da presidente brasileira aos Estados Unidos, permitiram que sobressaísse o trabalho de dois ministros com atuação política mas estão no comando de assuntos prioritários de governo, o da Defesa, Jaques Wagner, e o da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo.
O resto do governo ainda precisa provar sua existência, e nas áreas onde não há impasse político, há impasse administrativo de grande monta. No primeiro caso está, por exemplo, a prioridade das prioridades de Dilma, o Ministério da Educação. O ministro Renato Janine, um nome respeitado no meio em que atua, está vivendo uma vida de refém. O ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil, ex-MEC) mantem a intervenção direta no ministério através do secretário geral, homem de sua confiança e não dos ministros que o sucederam, Luis Claudio Costa, que entrega ao ministro a gestão mastigada. Fora dali, o ministro Mangabeira Unger, no cargo de secretário de Assuntos Estratégicos, tem a missão de formular o plano Pátria Educadora. Ao especialista sobrou o prato feito. Na saúde é o inverso, o ministro Artur Chioro tudo sabe, tudo pode, mas nada faz.
A Presidência da República está ocupada por escalão avançado do PT, seus melhores do momento, que entretanto não têm liderança política nem no próprio partido.
Para sair do impasse, principalmente na relação com o Congresso, onde precisava e ainda precisa, se continuar firme no cargo, aprovar seu programa econômico, a presidente Dilma concordou nomear para a tarefa o político mais experiente do governo, o vice-presidente Michel Temer, ex-presidente da Câmara e do PMDB. No momento, porém, Temer é visto como um político em processo gradativo de desânimo e poderá desistir de sua missão a qualquer momento. Já estava agastado com a presidente e agora também com seu partido, que exige dele uma reação mais efetiva.
As lacunas do Congresso são abissais. Circulou nos últimos dias nas redes de internet entrevista de Ulysses Guimarães a Jô Soares, inspiradora do apelo do ex-presidente Fernando Henrique à renúncia de Dilma, em que o político demonstrava a falta de condições de Fernando Collor continuar no cargo de presidente, deslegitimado que fora pelas ruas, o que considerava uma voz contrária mais eloquente do que a das urnas. Um Ulysses, um Mário Covas, um Paulo Brossard, um Jarbas Passarinho que, em formulação respeitável embora derrotada, defendia a possibilidade da renúncia fora de hora do então presidente para não sofrer o impeachment, e até um Antonio Carlos Magalhães, com seu ímpeto avassalador, ao lado até o fim do político com quem a nação se incompatibilizara de maneira irreversível.
No Parlamento de hoje quem pode tomar a dianteira intelectual da defesa da presidente? Paulo Rocha? Humberto Costa, se Rocha não conseguir arrastar liderados? Gleisi Hoffmann, ex-ministra da Casa Civil que, apesar de citada em delação da Lava-Jato, não teve até hoje sua presença confirmada nas fornadas de denúncias? Ou Renan Calheiros, a quem o governo recorreu para um acordo tardio de votação de medidas que já foram urgentes? Os oradores inexistem, as trapalhadas se sucedem.
A viagem do ministro da Justiça ao Porto para testemunhar um encontro da presidente Dilma Rousseff com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que era para ser secreto, está no rol dos absurdos.
A presidente não pode sair às ruas e não há quem a ajude a resolver isso. Há duas coisas que a tiram do sério completamente, alterando seu humor: panelaços e a manifestação de pessoas, que vê de cima, quando passa de helicóptero no trajeto entre a Base Aérea e o Alvorada. Insultam-na, dão banana, sem respeito ou tolerância. Quem pode resolver?
Se recorrer aos governadores, e não tem se sensibilizado com essa saída, são poucos os que, com luz própria, poderiam ajudá-la, se quisessem. Quem tem essa condição está, em maioria, na oposição, como Geraldo Alckmin, de São Paulo, e Marconi Perillo, de Goiás. O grande grupo é formado por postes, seja liderados de Lula, seja de Eduardo Campos, morto há um ano, seja de um empresário ou de um político antigo fora da linha de frente. Os governadores estão cuidando de seus quintais, articulando-se com os deputados estaduais para não sofrerem impeachment.
Se tivesse a presidente pelo menos um Palácio do Planalto capaz de comandar a reação, liderar qualquer processo, articular-se com os demais poderes, apontar rumos, haveria uma nesga de claridade. Dilma não tem programa de governo e não tem tropa.
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