- O Estado de S. Paulo
A denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o deputado Eduardo Cunha, inimigo número um do Palácio do Planalto, era esperada há tempos, mas chegou no mesmo dia em que movimentos ligados ao PT faziam manifestações de rua a favor da presidente Dilma Rousseff e justamente em meio a uma forte ofensiva do governo para evitar que o Congresso e o empresariado batam asas atrás da opinião pública.
Há décadas, desde que Cunha despontou na política, já enrolado em maracutaias, sabe-se que ele é bastante polêmico e, de santo, não tem nada. Mas, se a Procuradoria foi rápida para denunciar Cunha, junto com o senador e ex-presidente Fernando Collor e a ex-deputada Solange Almeida, “a lista do Janot” – ou seja, dos investigados do procurador-geral, Rodrigo Janot – vai muito além dos três. São 53 políticos, praticamente todos eles de partidos aliados ao governo, como PP, PMDB e PT.
A denúncia contra Cunha, bastante consistente, constitui um fato gravíssimo e pode transformar o presidente da Câmara em réu no Supremo Tribunal Federal, afetando ainda mais a imagem já tão combalida do Congresso, dos políticos e dos partidos. Mas, além disso, o cerco ele mexe bastante no tabuleiro político. Pelo menos cem parlamentares, de dez partidos, já pedem a sua destituição da presidência, outros líderes pregam o “direito de defesa”, os governistas comemoram e o PSDB fica numa saia justa.
Liderados pelo PSOL, dez partidos querem a renúncia ou a destituição de Cunha da presidência por um motivo cristalino: a tentativa de preservar a dignidade da Câmara. Mas essa pode não ser a única motivação do PT e de partidos governistas, pois Cunha, que já era o inimigo número um de Dilma, agora é uma fera ferida e sem muito a perder. Antes de sair ou virar réu, pode acionar o botão mágico de um processo de impeachment da presidente.
Já a posição do PSDB e do DEM é dúbia, o que não chega a ser exatamente uma novidade. Numa relação errática com Cunha, os tucanos querem tirar proveito da agressividade dele contra o governo, mas sem se confundir com ele. Ora se aproximam de Cunha, para espicaçar melhor o governo; ora se afastam, para não se contaminarem com a má fama e os processos do deputado.
Neste momento, já há quem no PSDB defenda jogar a fera ferida a seus predadores, ou seja, às feras governistas. Para essa corrente, continuando a metáfora zoológica, seria como tirar o “bode da sala”. Sem Eduardo Cunha e tudo o que ele representa, estaria aberto caminho para uma aproximação mais ousada e mais explícita entre PSDB e PMDB a favor do afastamento de Dilma e posse do vice Michel Temer. Uma coisa é fazer acordo para Temer, Cunha e Renan Calheiros assumirem. Outra seria uma aliança com Temer e Renan para governar.
De qualquer forma, a Câmara e o Senado estão com uma enorme batata quente nas mãos, porque é aquela velha história: contra fatos não há argumentos, e os fatos envolvendo Eduardo Cunha parecem muito bem embasados. São milhões de dólares de empresas que têm contratos com a Petrobrás que passearam por contas no exterior, por notas frias e até por igrejas e foram parar nas contas de Cunha e de Collor. Quanto à ex-deputada Solange Almeida, ela foi laranja das tramoias de Cunha.
A chance de Cunha manter a presidência da Câmara é zero, mas todo mundo já sabe como ele é e como ele age. Ele vai gritar, espernear e usar a metralhadora giratória antes de cair. E, certamente, não cairá sozinho. Até lá, o mundo político faz contas, considerando o que interessa ao governo, o que convém à oposição e como a queda dele pode reverter a favor ou contra Dilma.
A opinião pública e as manifestações de ontem dos movimentos alinhados ao PT querem o sangue de Eduardo Cunha, mas, com honrosas exceções, o mundinho político em Brasília quer mesmo é saber quem vai se dar bem ou se dar mal com a desgraça dele.
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