• O governo está chamando o porco de "senhor suíno"
- Valor Econômico
"Quebraram o Estado", constatou Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos. "Estragaram a macroeconomia e deterioraram a micro", completou ele, referindo -se à perda da capacidade de o país crescer e à situação dramática de setores como os de energia elétrica e petróleo e gás.
O primeiro só não entrou em colapso, porque o país está em recessão. O segundo já estava padecendo das revelações do esquema de corrupção na Petrobras, investigadas na Operação Lava-Jato, e, mais recentemente, sofre com a queda brutal do preço do óleo no mercado internacional.
Há um problema de fluxo, com a queda real das receitas por causa da recessão, mas há também um desequilíbrio estrutural das contas da União, porque as despesas obrigatórias crescem mais do que a arrecadação e mais do que o crescimento do PIB. Chegou-se ao ponto de não ter dinheiro para pagar a primeira parcela do 13º salário dos aposentados do INSS.
"O Estado está quebrado e [o Congresso] toma decisões que aumentam o buraco lá na frente, o oposto do que deveria estar sendo feito no momento", disse ele. A avaliação de Arminio coincide com o que falam políticos do PMDB que estão ao lado do vice-presidente Michel Temer na busca de uma solução para o governo. É, também, o que economistas oficiais atestam sob a condição do anonimato.
"Não fazer nada hoje é levar o país para uma crise mais profunda. Esse quadro não é sustentável e não está sendo tratado como tal. A resposta até aqui é modesta e não demonstra convicção", sublinhou ele, que seria o ministro da Fazenda de um eventual governo Aécio Neves.
"Eu pensava que não haveria crescimento per capita no mandato da presidente Dilma Rousseff, o que já seria um vexame. Hoje vejo que errei. Acho que não vai ter crescimento, ponto."
Arminio alertou também para o receio de que uma solução mais definitiva para a crise brasileira só poderá ser construída no fim da Lava-Jato, cujas investigações não têm prazo para terminar. "São muitas incertezas, tanta coisa que afeta o mundo político, e sem um mínimo de consistência na área política não se conseguirá chegar a uma resposta adequada."
Nessa situação, Joaquim Levy, ministro da Fazenda, está, segundo ele, fazendo o que pode. "Cair na real, nessas horas, é parte da solução", argumentou. Quando a oposição diz que a presidente da República precisa reconhecer seus erros "não é para humilha-la", explicou, mas porque "é fundamental ter um diagnóstico correto a partir do qual se monta uma estratégia de correção de rumo".
Como herdeiro de si mesmo o governo não pode separar, nas contas públicas, o que era passado, o que foram as "pedaladas" e as receitas não recorrentes, do que deveria ser o presente mais sustentável e transparente. Aí, a conversa não é clara e fica-se chamando "o porco de senhor suíno".
O país está em uma crise profunda: recessão, desemprego crescente, alto grau de incerteza e paralisia dos investimentos. Os Estados também estão quebrando, segundo Arminio. O Rio Grande do Sul, que não consegue pagar os salários dos funcionários públicos, "é apenas a ponta do iceberg". "Nada garante que vai melhorar, mas vai piorar antes de ter a chance de melhorar", adiantou.
Para ele, a área econômica do governo jogou a toalha quando reduziu a meta de superávit primário de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0,15% do PIB e, está claro, agora, que o ano encerrará com déficit. "Ali eles admitiram que não conseguem cuidar da dinâmica da dívida, que é insustentável." Sem dinheiro para fazer poupança e abater os juros da dívida, essa só cresce.
Há quem diga que fazer mais austeridade em uma situação recessiva só deprime mais a atividade. Ele, porém, argumentou que, quando se passa do ponto, o fato de arrumar a casa expande a economia. "Vimos isso com muita clareza em 1999. A projeção era uma contração de 4% do PIB e o resultado final, fazendo um megaajuste fiscal, foi crescimento de 0,5%. O fator fundamental para isso foi a recuperação da confiança." É o que os economistas chamam de contração expansionista.
Outra face do problema é o colapso da produtividade, as regras do jogo que são incapazes de mobilizar capital, o sistema tributário que é uma colcha de retalhos, a intermediação financeira mais concentrada nas mãos dos bancos públicos, com consequências danosas tanto na área fiscal e na alocação de recursos quanto distributivas.
Nesse quadro geral, onde o Brasil está desconectado da economia mundial, a única atenuante no momento é o câmbio, cuja desvalorização está estimulando a substituição de importações. "O câmbio ajuda a dar um fôlego, mas não é suficiente", avaliou.
Uma saída natural, a essa altura, seria o governo abordar com muita clareza temas de mais médio e longo prazos e permitir um ajuste ao longo de alguns anos, sugeriu. Mas isso demandaria uma outra conjuntura política, onde os atores pudessem olhar para prazos mais longos. "Hoje há os que estão pensando em como se livrar da cadeia e outros que estão dedicados ao "impeachment" [da presidente Dilma] e coisas do gênero".
É condenável a postura de fazer pouco no presente e nada no futuro. Mas o caso é pior: "Estamos aumentando imensamente os gastos à frente, com a aprovação de medidas como o fim do fator previdenciário ou o Plano Nacional de Educação, e admitindo que no curto prazo também não vai ser possível fazer ajuste por causa da recessão", apontou.
Em algum momento o país vai ter que pensar sobre que tamanho o Estado deve ter, que sistema de saúde, de educação, de segurança pública a sociedade está disposta a financiar e quais as consequências de médio e longo prazo das escolhas que forem feitas. Hoje não há ambiente político para conduzir essa discussão, mas ela parece inevitável. Governo, Congresso e Judiciário vão ter que apresentar uma resposta digna do tamanho do problema que não seja só mais aumento de impostos.
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