Por Cristian Klein – Valor Econômico
RIO - Procurador junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) e responsável pelo pedido de investigação sobre as chamadas "pedaladas fiscais", Júlio Marcelo de Oliveira afirma que se as contas da presidente Dilma Rousseff não forem rejeitadas pela Corte, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) "perde completamente a sua razão de ser". "Fica um sinal hipernegativo para todos os governadores e prefeitos do Brasil, e futuros presidentes da República, quanto à seriedade da LRF", disse ao Valor o procurador, que participa hoje do 2º Seminário Nacional sobre Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, no Rio.
Para Oliveira, a tese pela rejeição das contas de Dilma ficou fortalecida, apesar de o TCU ter concedido mais 15 dias para o governo explicar dois novos itens na lista que agora chega a 15 irregularidades atribuídas à administração federal.
O governo, reconhece o procurador, ganhou mais tempo para tentar convencer os ministros do tribunal. A própria concessão do novo prazo, na semana passada, foi interpretada por analistas como uma guinada no TCU, depois que Dilma e o presidente do Senado, Renan Calheiros, se aproximaram. Influente, o pemedebista poderia mudar o voto de ministros.
No entanto, realça Oliveira, o adiamento foi necessário para que o Ministério Público incluísse as duas irregularidades mais contundentes para a rejeição das contas e para a responsabilização da presidente. "Ela terá que explicar agora as coisas mais difíceis. Se, por um lado, o governo ganhou tempo e foi uma vitória, por outro lado a situação ficou mais difícil", diz.
Oliveira refere-se à assinatura de decretos, por Dilma, que teriam feito parte de uma grande operação de manobras fiscais - as pedaladas - a partir do segundo semestre de 2013. No jargão bancário, pedalada é a prática de empurrar para frente compromissos, fazendo uma dívida para pagar outra, com a expectativa de que, no final, consiga se resolver tudo - numa "ideia de que se você não pedalar, você cai", explica o procurador.
Quem pode cair e sair do poder, no entanto, é Dilma, por ter recorrido ao artifício. A manobra - quando caracterizada como operação de crédito utilizando-se de bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal (CEF) - é proibida pela LRF e é um dos trunfos da oposição para sustentar um pedido de impeachment no Congresso.
O governo, porém, rebate, ao afirmar que a prática vem sendo utilizada por todos os presidentes. Oliveira discorda: "Dizer que as pedaladas sempre aconteceram é um erro, uma mentira". O procurador argumenta que, no caso dos antecessores, o Tesouro Nacional deixava de pagar repasses da Caixa para o seguro-desemprego ou para o Bolsa Família, por exemplo, de modo casual. Se ficava em dívida, o Tesouro logo cobria, afirma. "O que aconteceu depois do segundo semestre de 2013 é deliberado, há uma nítida intenção de se financiar. Isso é inédito", diz, ressaltando que a operação envolveu R$ 40 bilhões para mascarar o resultado fiscal e abrir espaço para gastos em ano eleitoral.
Oliveira afirma que a outra tese do governo, a de que a responsabilidade por eventual erro é da equipe econômica, não se sustentaria mais, com a inclusão dos decretos de programação financeira e de contingenciamento, que estariam em desacordo com a LRF. "O fato de se ter a assinatura da presidente nos decretos é como se colocasse uma pá de cal nessa linha de argumentação", diz.
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