Ao assumir a presidência do STF, a ministra Cármen Lúcia inverteu a ordem da saudação para cumprimentar primeiro o “cidadão brasileiro”. Na presença dos ex-presidentes Lula e Sarney, do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do presidente Michel Temer, a cerimônia foi marcada por duros discursos contra a corrupção, como o feito pelo decano Celso de Mello, que condenou os “marginais da República”, sem citar nomes.
Cármen Lúcia admite rever reajuste salarial
• Ao assumir, nova presidente do Supremo faz saudação ao cidadão, ‘senhor do poder da sociedade democrática’
André de Souza, Carolina Brígido, Vinicius Sassine, Catarina Alencastro e Renata Mariz - O Globo
-BRASÍLIA- Empossada ontem presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) numa solenidade com a presença de políticos dos mais variados partidos, advogados e artistas, a ministra Cármen Lúcia disse que poderá rever a proposta de reajuste salarial para os ministros da Corte, que atualmente ganham R$ 33,7 mil por mês.
A declaração da ministra foi dada em entrevista à GloboNews. É uma postura diferente da de seu antecessor no cargo, o ministro Ricardo Lewandowski, que tentou articular a aprovação do aumento no Congresso. O eventual reajuste teria impacto bilionário, porque implicaria aumentos para todos os juízes do Brasil, cujos salários são vinculados aos rendimentos de ministros do STF.
A base do governo vinha defendendo o reajuste dos ministros do STF, mas, em entrevista ao GLOBO publicada domingo, o presidente Michel Temer se posicionou contra o aumento, como medida de contenção dos gastos públicos.
— Vou primeiro me assenhorar de todos os dados relativos a isso, exatamente por causa das consequências que já se puseram publicamente como sendo extremamente graves, nefastas, em uma hora de muitas dificuldades para o Brasil. Minha primeira providência é verificar todos os dados, esclarecer para juízes e para a população o que está acontecendo, sempre com toda a abertura e transparência, dizer qual é a posição que eu passarei a adotar, junto com os outros ministros, evidentemente — declarou Cármen.
“Princípio e fim do Estado”
No discurso de posse, Cármen Lúcia inverteu a ordem da saudação de autoridades para começar cumprimentando o cidadão brasileiro.
— A norma protocolar determina que os registros e cumprimentos se iniciem pela mais elevada autoridade presente. Inicio, pois, meus cumprimentos, dirigindo-me ao cidadão brasileiro, princípio e fim do Estado, senhor do poder da sociedade democrática, autoridade suprema sobre todos nós, servidores públicos, em função do qual há de labutar cada um dos ocupantes dos cargos estatais.
A ministra passeou por Guimarães Rosa, parafraseou Caetano Veloso e arrematou com versos dos Titãs.
— De nós é esperado pelo cidadão brasileiro, o qual quer saúde, educação, trabalho, sossego para andar em paz por ruas, estradas do país e trilhas livres para poder sonhar além do mais. Que, como na fala do poeta da música popular, ninguém quer só comida, quer também diversão e arte.
Ela reconheceu que a Justiça não atende as expectativas da população e precisa ser mais rápida.
— O Judiciário brasileiro reclama mudanças, e a cidadania exige satisfação de seus direitos, como a Constituição lhe assegurou. Estamos promovendo mudanças. E é preciso que elas continuem, cada vez com mais pressa, diminuindo o tempo de duração dos processos, sem perda das garantias do devido processo legal, do amplo direito de defesa, do contraditório, mas com processos que tenham começo, meio e fim, e não se eternizem em prateleiras emboloradas que empoeiram as esperanças de convivência justa — disse Cármen Lúcia.
As autoridades que lotaram o plenário do STF ouviram, no início da cerimônia, Caetano Veloso cantar o Hino Nacional, no estilo banquinho e violão. Arrancou aplausos efusivos dos presentes. Estavam lá o presidente Michel Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os ex-presidentes Lula e José Sarney, além de ministros, parlamentares e governadores. Lula e Temer não se falaram.
O Senado decidiu atrasar a votação do projeto de aumento dos vencimentos dos ministros do STF e, ao mesmo tempo, discutir formas de acabar com o efeito cascata do reajuste nas Justiças estaduais. Para isso, a ideia é aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse ontem que o projeto do aumento só será votado depois das eleições, ou seja, em novembro.
— Estamos com muita dificuldade de votar esse aumento. Chegou a hora de discutirmos alternativas. Quando voltarmos das eleições, poderemos discutir saídas — disse Renan, em plenário, para os demais senadores.
Governadores presentes à posse de Cármen Lúcia, e que hoje vão se reunir com a presidente do STF, também se posicionaram contra o reajuste dos ministros da Corte. — Minha opinião pessoal é que não é o momento. Não é o momento adequado para se discutir este tema. A tarefa agora é recuperar a economia, reduzir juros, fazer o ajuste fiscal para retomar a atividade econômica, que ainda não se recuperou — disse o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).
O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), disse que não é coerente dar reajustes num momento em que a economia não vai bem. O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), disse que, se a União não evitar medidas que podem provocar problemas “graves”, corre o risco de o Brasil “percorrer o mesmo caminho da Grécia”. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), recomendou prudência e disse que é preciso considerar a atual situação fiscal do país.
Na entrevista à GloboNews, a nova presidente do STF disse que pautará em plenário as ações que questionam o impeachment da expresidente Dilma Rousseff assim que os processos estiverem prontos para julgamento. Os relatores — os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki e Rosa Weber — já negaram uma série de liminares. Agora, caberá ao plenário do STF examinar o mérito. Não há previsão de quando isso vai acontecer.
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