- Valor Econômico
• Governo tem chance para reposicionar o Brasil na cena global
O ano de 2017 apresenta ao governo brasileiro uma série de oportunidades para que um reposicionamento estratégico do país na cena internacional seja, enfim, realizado com sucesso. Se definir colocar essa iniciativa entre suas prioridades, caberá então ao presidente Michel Temer determinar uma mudança na atuação do país no exterior. Depois de adotar ações que buscam consolidar a imagem de que a atual administração tem legitimidade e voltadas a tranquilizar investidores, o governo precisará construir e executar um projeto estratégico, coerente e articulado.
Esse mesmo diagnóstico poderia ser usado para apontar as urgências do governo em outras áreas, mas é descrito com detalhes em relação à política externa em um estudo conjunto de Hussein Kalout, cientista político, especialista em política internacional e Oriente Médio e pesquisador da Universidade Harvard, e Marcos Degaut, cientista político, doutor em estudos de segurança e professor-adjunto na Universidade da Flórida Central. O documento "Brasil - Um País Sem Grande Estratégia" também traz propostas e sugestões, as quais circulam em alguns dos principais gabinetes de Brasília.
Para os autores, apesar da retórica oficial sobre os esforços voltados à reforma da governança e à alteração da geografia econômica globais, não há hoje a formulação de uma agenda consistente e integrada, com identificação clara dos principais objetivos comerciais, econômicos e políticos do Brasil. Nos governos do PT, houve um debate sobre a formulação de um "livro branco da diplomacia", justamente um plano estratégico, um conjunto de diretrizes para a área. Mas as discussões acabaram em segundo plano.
A própria ex-presidente Dilma Rousseff não era afeita aos temas internacionais. O estudo aponta, porém, que o Brasil já não vinha sendo bem sucedido nos quatro eixos principais da política externa lançada por Luiz Inácio Lula da Silva.
Os autores enumeram: as discussões sobre a reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas "se encontram em um limbo político, sem perspectivas de evolução no curto prazo"; a integração política e econômica sul-americana sob liderança nacional não avançou e tem gerado reações negativas à "pretensa hegemonia brasileira na região"; a aposta de ativismo comercial e atuação no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC) falharam; e cada vez fica mais evidente a incapacidade dos países que integram o Brics - Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil - de coordenar ações e interesses.
Para alterar essa situação, ponderam os dois especialistas, por exemplo, o país deveria repensar a sua capacidade de contrariar parceiros autoritários ou deixar de vincular seus interesses a parceiros que enfrentem grandes resistências de outros players de peso. Também não terá como escapar de uma reflexão sobre o que quer de seu relacionamento com Washington.
Em tempos de restrições orçamentárias, o estudo questiona a eficácia da decisão de se ampliar o número de embaixadas. Diplomatas argumentam que tal rede ajudou nas campanhas de indicados brasileiros para cargos de direção em órgãos multilaterais, além de dar estrutura para a atuação política e comercial do Itamaraty. Os autores argumentam, por exemplo, que dados oficiais apontam uma alta de US$ 736 milhões para US$ 1,6 bilhão entre 2004 e 2014 nas exportações para 18 países africanos onde foram abertos novos postos. Apesar do crescimento nominal, destacam eles, isso representou apenas 0,38% da pauta exportadora nacional.
Em outra frente, o estudo destaca a carência de tradição e meios para um trabalho efetivo dos setores de inteligência do governo, assim como a opção por não proporcionar bens públicos, benefícios econômicos e comerciais e parceria militar para países vizinhos dispostos a buscar exatamente isso com outros atores, como os EUA. "A ideia, sedutora, é a de que se pode colher os frutos positivos da liderança sem arcar com o ônus."
Kalout e Degaut sugerem que o Brasil deve considerar fortalecer recursos e habilidades de "hard power", a fim de equiparar seu poderio militar com suas aspirações políticas e econômicas, "podendo ser capaz de fazer uso dos instrumentos de uma efetiva 'diplomacia coercitiva' quando necessário".
Em dezembro de 2015, dias depois de Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, abrir o processo de impeachment, embaixadores de diversos países se reuniram em um almoço de fim de ano com jornalistas. Todos especulavam sobre as chances de a Dilma concluir o mandato, a solidez jurídica do pedido de impeachment e quais seriam os limites legais para os próximos presidentes manejarem o Orçamento sem risco. Os diplomatas estrangeiros também tateavam: "Até onde a Operação Lava-Jato atingirá o meio político?"
Parte dessas dúvidas já foi dirimida. Outras persistem, e algumas novidades capazes de alterar a atual ordem mundial e àquela época consideradas improváveis surgiram. Donald Trump foi eleito presidente nos EUA e um plebiscito decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia, por exemplo.
Temer já foi à assembleia da ONU e enviou a equipe econômica a Davos para promover o Brasil. No mês que vem, deve receber o presidente argentino. E o Itamaraty pode organizar já no primeiro semestre uma cúpula entre o Brasil e a União Europeia. A curto prazo, a atual crise na segurança pública pode dar impulso à cooperação fronteiriça.
Por outro lado, os planos de Trump para a região ainda são desconhecidos e países importantes na Europa passarão por eleições. "Enquanto avança a percepção de que a ação externa brasileira tem perdido seu brilho, este parece ser o momento adequado para que os líderes brasileiros meditem acerca das reais fontes do poder nacional, suas fraquezas e limitações, quais são os reais interesses nacionais e como alcançá-los", alertam Kalout e Degaut. Com o fim dos recessos do Congresso e do Judiciário nos próximos dias, vai ficar mais claro o fôlego que o governo terá para se reorganizar e tirar planos do papel.
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