Um dia após o fim da rebelião que terminou com 26 mortos na penitenciária de Alcaçuz, na região metropolitana de Natal (RN), um novo motim foi registrado na manhã de segunda-feira. Ao ser entrevistado pela imprensa, o vice-diretor do presídio, Juciélio Barbosa, afirmou que "tem PCC [Primeiro Comando da Capital] de um lado e Sindicato do Crime do outro. Estão usando tudo: paus, pedras e com bandeiras das facções." As duas facções lutam pelo domínio do sistema carcerário no Estado, especialmente em Alcaçuz, de acordo com Gabriel Bulhões, da Comissão de Advogados Criminalistas da Ordem dos Advogados do Brasil. O Sindicato do Crime é uma dissidência do PCC surgida por volta de 2012 da qual todas vítimas faziam parte.
A matança em Alcaçuz é mais um capítulo da crise penitenciária no país: foi o terceiro massacre em presídio em 15 dias. No total, 134 detentos já foram assassinados neste ano.
Há muito é de conhecimento público que a situação carcerária brasileira é absolutamente insustentável, com um crescimento muito maior dos presos do que vagas nas prisões. Segundo o mais recente Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, de abril, a população carcerária brasileira chegou a 622.202 pessoas em dezembro de 2014. O perfil socioeconômico dos detentos mostra que 55% têm entre 18 e 29 anos, 61,6% são negros e 75% têm até o ensino fundamental completo. Segundo o censo, o Brasil conta com a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237). Entre os detentos brasileiros, 40% são provisórios, ou seja, não tiveram condenação em primeiro grau de jurisdição.
O diretor do departamento do Ministério da Justiça encarregado da pesquisa à época da sua divulgação, Renato De Vitto, tornou explícito um temor de muitos - de que o crescimento da população penitenciária brasileira nos últimos anos não significou redução nos índices de violência. "Ao contrário, mesmo com o aumento dos encarceramentos, a sensação de insegurança não diminuiu. Isso significa que é preciso se repensar a prisão como instrumento de política pública para combater a criminalidade", disse. E acrescentou: "É importante ressaltar os danos que a prisão acarreta não apenas para as pessoas encarceradas, como também para seu círculo familiar. Acreditamos que é preciso se investir em soluções penais mais sofisticadas, como alternativas penais, programas de trabalho e educação, entre outras, que promovam uma real reinserção desse indivíduo à sociedade."
Neste início de ano, a eclosão de massacres e de revoltas dos presos e as afirmações de muitas autoridades - como o vice-diretor do presídio de Alcaçuz - de que o que está ocorrendo nos presídios é uma disputa de poder entre várias facções criminosas acabaram provocando um intenso debate pela imprensa e pelas redes sociais sobre a necessidade ou não de separar esses grupos nas prisões. Na edição de segunda-feira do Valor, José Mariano Beltrame, que por dez anos, até o ano passado, foi secretário de Segurança do Rio, consultado sobre a questão, defendeu a separação de presos por facções, prática que o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, considerou absurda e que deveria ser abandonada. "No nível que chegou, tem que separar, senão vai dar problema. Você tem hoje facções que são extremamente violentas, que banalizam a vida", disse Beltrame.
Essa controvérsia acabou deixando em segundo plano uma questão que deveria ser central no debate e na formulação de políticas para o combate à violência no Brasil: o país precisa acabar com o poder das facções criminosas ou a sequência de graves problemas no sistema prisional vão continuar - e provavelmente piorar. Quem tem que controlar as cadeias e as prisões são as autoridades. O poder deve ser do governo e não de grupos criminosos.
Obviamente, esse não é um problema de fácil ou rápida solução. Ao contrário, é extremamente complexo e exige o aprofundamento da análise da situação. Mas o governo do presidente Michel Temer, que teve a ousadia de propor uma medida como a PEC do teto dos gastos públicos e que está avançando nas reformas previdenciária e trabalhista - todas questões polêmicas e controvertidas - deveria também estudar em profundidade o aumento da criminalidade e as razões da formação de milícias e facções ligadas ao tráfico de drogas e propor um plano para conter esses grupos.
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