- Valor Econômico
Partidos querem reduzir dependência dos eleitores
O relatório do ministro Herman Benjamim foi posto na geladeira. O julgamento foi adiado e, como previsto, desenha-se saída que garanta a Temer concluir seu mandato. A procrastinação tem apoio generalizado. Dilma pediu para ouvir testemunhas que nada acrescentariam ao processo. Não interessa a ninguém reconhecer que campanhas eleitorais eram irrigadas por rios de dinheiro provenientes de desvios ilícitos.
Na outra ponta da operação, na discussão da alteração da legislação eleitoral, costura-se o reforço do caixa dos partidos, com a ampliação dos recursos públicos destinados a financiar campanhas. Em seu relatório, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) propôs a constituição de um Fundo Especial de Financiamento da Democracia, que contaria com aporte de R$ 2,185 bilhões em 2018. O fundo a ser criado vai se somar ao Fundo Partidário e ao horário gratuito de propaganda eleitoral.
A adoção da lista fechada visa apenas justificar a ampliação do financiamento público. A alegação de que a lista aberta seria incompatível com financiamento público não procede. Assume-se que partidos não teriam como repartir o dinheiro recebido. Por quê não? Já não repartem o tempo de propaganda no rádio e na TV? Não caberá aos partidos definir o ordenamento da lista? Para os partidos, o essencial é obter mais recursos e diminuir sua dependência da decisão dos eleitores, seja contribuindo com recursos, seja votando.
A operação conta com o apoio do ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Em Boston, participando de uma conferência, Gilmar Mendes, sem mencionar o relatório de Vicente Cândido, voltou a defender a urgência de uma revisão da legislação eleitoral brasileira. "Estamos chegando no dia 2 e precisamos fazer a reforma" declarou.
Chama a atenção que o ministro presidente fale na primeira pessoa do plural e use o artigo definido. Ao fazê-lo, Gilmar Mendes chama a si a liderança do processo e define seus rumos. A que se saiba, não lhe cabe escrever leis. Além de ditar o que cabe a outros fazer, o ministro levantou suspeita sobre a próxima eleição caso não se aprove a reforma que defende.
Mendes repetiu seu argumento preferido: "vamos para a eleição de 2018, que é uma eleição grande, sem modelo específico, só com a doação das pessoas físicas - em que não há tradição no Brasil, e muito provavelmente vão ficar entregues ao crime organizado, a pessoas que já trabalham no ilícito". Arrematou sua catilinária usual afirmando que há riscos de que a eleição de 2018 venha a ser "muito distorcida". Registre-se que o autor destas palavras, dirigidas ao público externo, é o ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, a autoridade responsável pela lisura dos pleitos no Brasil. Trata-se de um alerta ou de uma ameaça? Caso a mudança defendida pelo ministro presidente não venha a ocorrer, o que concluirão os que o ouviram atentamente no encontro Harvard-MIT?
De duas uma: ou Gilmar Mendes foi traído pela transcrição dos jornalistas ou faltou com a precisão. Há um modelo vigente. Só são admitidas contribuições de pessoas físicas. As contribuições das jurídicas foram vedadas pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão da qual o ministro participou, mas foi derrotado. Há, portanto, um modelo. O ministro não gosta dele e o acusa de conter consequências que seriam nefastas.
A referência feita ao tamanho da eleição visa desqualificar a objeção óbvia: a eleição de 2016 não serviria para provar que o modelo não é inviável, pois foi uma eleição pequena. As consequências desastrosas previstas só virão em 2018, em "uma eleição grande". De fato, do ponto de vista dos recursos, eleições locais são insignificantes se comparadas às gerais, as que envolvem a eleição de presidentes e de governadores. O que importa, para políticos e para os interesses organizados, são as eleições para cargos executivos. Aí reside o poder. Para aí converge o dinheiro grosso. Mas de quais evidências se vale o ministro para enxergar riscos de distorções perigosas em eleições futuras?
O ministro presidente ouviu "promotores amigos" que lhe contaram que na "grande" Embu das Artes, município onde votam 160 mil eleitores, o Primeiro Comando da Capital (PCC) contribuiu para eleger vereadores e o prefeito. Este foi seu motivo para soar o alarme? Não teria sido mais apropriado ouvir o que tem a dizer o ministro Herman Benjamin, que se debruçou sobre as eleições presidenciais e sabe como ninguém explicar que nas de 2014, tanto Dilma quanto Aécio, contaram com recursos a rodo, providenciados generosamente por pessoas que, entre outras atividades, "trabalham no ilícito"?
Cada um escolhe as evidências que lhe parecem mais convenientes. Sejamos claros, a ameaça de que eleições venham a ser dominadas pelo crime organizado não passa de uma fantasia, destas usadas para ameaçar crianças e justificar o injustificável. Com base no que se passou na "grande" Embu, Gilmar Mendes projeta riscos de graves distorções no pleito de 2018. É uma falácia afirmar que sem a ajuda do Estado, só restaria aos políticos recorrer ao crime organizado. O argumento é velho e surrado. Usado pela primeira vez pela oligarquia inglesa no Século XIX para defender suas cadeiras, foi recuperado no Brasil por Ronaldo Caiado quando quase perdeu sua cadeira para o "invasor" Henrique Meirelles.
Não há razões para ampliar o financiamento público das campanhas. Vicente Cândido e Gilmar Mendes desconsideram a viabilidade de um modelo baseado na contribuição individual porque ele não é parte da tradição. Por que não começar? Competir por recursos é tão crucial como competir por votos. Cabe ao tribunal julgar se as fontes das contribuições seguiram ou não a lei. Não é disto que trata o relatório do Ministro Herman Benjamim?
*Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.
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