Dezoito anos após sua criação, o sistema de metas de inflação foi modificado para melhor. Não apenas o centro da meta deixará de ser 4,5%, onde estava desde 2005, e será reduzido, como também o alvo será fixado em prazos maiores, de três anos. Ontem, o Conselho Monetário Nacional definiu que buscará conter a alta do nível de preços em 4,25% em 2019 e 4% em 2020. O Banco Central terá um horizonte maior para dosar a política monetária, como seus congêneres dos países desenvolvidos.
O momento escolhido é apropriado. A inflação está se desmanchando e há quem aposte em algo pouco acima de 3% para 2017. A expectativa dos investidores também é menor em relação à inflação de 2018, de 4,3%. O nível corrente de crescimento está bem abaixo do potencial, que por outro lado demorará para ser atingido, segundo as previsões (cadentes) para o PIB de 2017 e 2018. Se não houver surpresas, não será necessário grande esforço para derrubar o IPCA para 4% em três anos. E, mesmo diante de contexto muito favorável à desinflação - a maior recessão da história brasileira - o CMN foi moderado. A cautela se deve ao desempenho do regime de metas no país.
Em 2003, a meta foi fixada em 3,25% e a inflação foi quase o triplo, 9,25%. Desde 1999, só em quatro ocasiões a meta foi ultrapassada para baixo - 2000, 2006, 2007 e 2009. E, ao longo de quase duas décadas do sistema, em apenas uma vez a inflação anual efetiva caiu abaixo de 4% - 3,14%, em 2006. O regime de metas se apoiou largamente nos limites de tolerância das bandas - que de 2006 a 2016 corresponderam a uma variação permitida, para cima ou para baixo, de 40% em relação à meta. O teto da banda tornou-se na prática o alvo, desde 2010, no governo de Dilma Rousseff. Até que em 2015, com um IPCA de 10,67%, a leniência monetária colheu a inflação mais alta desde 2002.
As metas brasileiras e suas bandas foram bem mais generosas do que nos demais países que adotaram o sistema - são 47. A meta de inflação média dos países desenvolvidos é de 2,2%, a dos países emergentes, 4% e a dos países da América Latina, 3%, segundo levantamento do Credit Suisse. Em 35 países, o intervalo de tolerância é menor que o do Brasil e inferior a 1,5%.
O fato de ter errado muito o alvo central, porém, não elimina as virtudes do regime de metas. Desde que foi criado, a inflação só atingiu dois dígitos em duas situações. Na primeira, em 2002, devido à megadesvalorização cambial provocada pelo temor de o PT ganhar as eleições. E, depois, em 2015, pela aplicação malemolente da política monetária.
Ao longo do tempo, o pico de juros necessário para levar a inflação para dentro das bandas foi sendo gradativamente menor. Em abril de 1999, dois meses antes do nascimento do regime, o BC elevou a taxa Selic para 41,9%. O pico de juros para debelar o surto de 2003 foi 26,5%, 19,5% em 2005, 13,75% em 2008, 12,5% em 2011 e 14,25% no último ciclo de aperto.
A mudança dá mais margem ao BC para calibrar com maior precisão o nível dos juros. Uma coisa é manter a inflação dentro das bandas no prazo de um ano, no calendário gregoriano, como na implantação do sistema. Para obter resultados rápidos, o ritmo de alta e sua magnitude têm de ser maiores do que seriam em um hipotético combate gradual. Um horizonte mais longo de tempo também se adequa ao tempo para que ocorram os efeitos plenos das ações de política monetária, cujos efeitos são defasados, em geral por volta de 2 anos. Ainda que o BC conte agora com uma situação favorável que dificilmente se repetirá, a escada de 0,5 ponto percentual da meta de 2017 até atingir 4% em 2020 não deve sequer interromper o atual ciclo de alívio monetário.
Uma das propriedades do regime é que o BC, ao ancorar as expectativas, como fez agora, ao fixar meta menor tende a levar a uma inflação menor dada sua credibilidade. Juros reais, são outra história. Mesmo após queda de 4 pontos, continuam altos, em torno de 4,5%, na relação ao IPCA projetado e swap DI de 360 dias, e perto de 6,5% em relação ao IPCA corrente.
Metas de inflação baixas, porém, são típicas de economias estáveis, e o Brasil está longe disso. Um alicerce do sistema é a política fiscal, que colecionará déficits primários até 2019. As reformas estão no limbo. Sem austeridade nos gastos do governo, a política monetária é manca. De qualquer forma, abriu-se uma bela oportunidade para reduzir a meta e ela foi bem usada. Cumpri-la não depende só do BC.
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