sexta-feira, 30 de junho de 2017

A Dodge de Brasília | Reinaldo Azevedo

- Folha de S. Paulo

Caberá à procuradora-geral tirar a operação Lava Jato do caminho da delinquência

Só existe um caminho seguro para que o Brasil passe a ser um país menos corrupto, mais eficiente, respeitador do dinheiro público e voltado à correção de desequilíbrios que conduzem a iniquidades. É o das reformas. Não me refiro apenas a essas que estão no noticiário: da Previdência, trabalhista, política. Trato do reformismo em sentido amplo.

A alternativa é o jacobinismo canhestro que emana de fanáticos que hoje compõem a Lava Jato e que transformaram o necessário combate à corrupção num fim em si mesmo e numa sequência de atos criminosos.

O moralismo tacanho é, para a direita e os conservadores no geral, o que a irresponsabilidade fiscal é para a esquerda: sua atração fatal, seu amor bandido, o seu jeito estúpido de ser. Quando se transforma a caça aos corruptos num ponto de chegada da vida pública, também se escolhem os meios da luta política, que haverão de ser necessariamente policialescos, repressivos, opressivos se preciso.

Ou não vimos Deltan Dallagnol, com suas "faces rosadas e perfil longilíneo" –como destacou um site que vendia suas palestras–, a defender as tais 10 medidas contra a corrupção, quatro das quais eram arreganhadamente fascistoides, sob o silêncio cúmplice da imprensa, o muxoxo assustado das esquerdas e a gritaria espalhafatosa dos que apelidei da "direita xucra"?

Rodrigo Janot deixa a Procuradoria-Geral da República em setembro. Poderia, de fato, estar saindo do cargo como aquele que encetou esforços inéditos no Ministério Público Federal para enfrentar os desmandos, a audácia criminosa dos poderosos, a impunidade arrogante dos donos do poder.

Em vez disso, deixa um rastro de terra arrasada, à feição das expedições vingadoras. "Velhos, mulheres e crianças foram trucidados sem julgamento, vilarejos arderam em chamas e nem mesmo os animais foram poupados." São palavras do historiador francês Alain Gerard ao se referir a um dos massacres promovidos pela Exército francês em 1794, sob as ordens da República jacobinista do Terror, contra os camponeses de Vendéia. Com cem anos de antecedência, a França teve a sua Guerra de Canudos em escala muito ampliada.

O fanatismo, aqui ou alhures, antes ou agora, não enxerga relevos, nuances, diferenças. Ao contrário! Os entes reais atrapalham a equação daqueles que são movidos por entes de razão, por fantasmagorias que se querem benignas e que só existem em suas mentes perturbadas por ideias de purificação ou "redenção" –para lembrar uma palavra um tanto assustadora quando empregada por um ministro do Supremo, como fez Edson Fachin.

Infelizmente, e as colunas estão em arquivo, as minhas piores expectativas sobre a Lava Jato se cumpriram. Não estou surpreso que o Datafolha ache desnecessário –e é mesmo!–, testar o nome de Aécio Neves (PSDB) para a Presidência, mas que seja Lula, hoje ao menos, o favorito para o pleito de 2018.

É constrangedor flagrar a direita a fazer contas para ver se dá tempo de o petista ser condenado em segunda instância e, assim, não concorrer à eleição. Ou a apelar a Moro, o demiurgo, para que prenda logo o ogro.

Janot é o autor desse desastre. Refiro-me a este senhor que se impôs como desafio depor o presidente Michel Temer. E o faz atropelando a lei e o bom senso, com o incentivo cúmplice de parte do Supremo, raramente tão pusilânime, e de setores da imprensa. A determinação da mediocridade é um inimigo histórico da civilização. Dias difíceis virão. A desordem causada pela Lava Jato, também nos terrenos institucional e legal, é assombrosa.

Há algo de estupidamente errado num processo que, sob o pretexto de combater a corrupção, faz o país mergulhar numa crise política inédita, garantindo, ao fim, na prática, a impunidade aos grandes corruptores.

A tarefa de Raquel Dodge é bem maior do que dar sequência à Lava Jato. Caberá à procuradora-geral da República tirar a operação do caminho da delinquência.

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