sexta-feira, 30 de junho de 2017

Supremo limita possibilidade de revisão de delações

STF limita possibilidade de revisão de delações

Letícia Casado, Folha de S. Paulo

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta (29) que acordos de delação premiada podem ser revistos e até anulados ao fim do processo caso fique comprovado que o colaborador cometeu ilegalidades e não cumpriu com o que foi acertado com o Ministério Público Federal.

A decisão foi tomada por 8 dos 11 ministros da corte. Com a exceção de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, todos concordaram que seriam essas as condições para revisar ou anular um acordo.

Os três votos vencidos defenderam haver mais hipóteses para reavaliar o que foi acordado entre delator e Ministério Público, como, por exemplo, cláusula que trate sobre o cumprimento da pena. Diversos acordos da Lava Jato têm esse dispositivo.

Com a decisão, o STF deixou claro que o acordo poderá ser revisto caso o delator não cumpra o que foi acertado com o Ministério Público, deixando de revelar fatos importantes ou se ficar comprovado que ele faltou com a verdade.

"Não seria nem necessário dizer isso. Isso é o óbvio. Se surge um fato novo ou se chega ao conhecimento do sistema judiciário um fato já ocorrido que torna ilegal o acordo, é óbvio que pode ser revisto o acordo. Ninguém aqui quer agasalhar ilegalidade", disse o procurador-geral da República, Rodrigo janot, ao fim do julgamento.

Ele citou o exemplo dado pelo ministro Alexandre de Moraes: se descobre que houve tortura, coação de uma pessoa para delatar, ou colusão entre Ministério Público e defesa para a feitura do acordo, esse acordo tem que ser anulado mesmo.

"O que não se pode admitir, e o Supremo foi muito certeiro ao afirmar assim, é que um acordo que não seja ilegal e que o colaborador cumpra todas as obrigações a que se comprometeu, possa ter suas cláusulas revistas quando do julgamento do processo penal", afirmou Janot. "A insegurança para o réu-colaborador seria enorme."

Na prática, o STF reafirmou e delimitou o que já havia definido em 2015, quando discutiram um caso que envolvia homologação de delação premiada do doleiro Alberto Youssef.

Questionado sobre o que muda entre a regra existente desde 2015 e o que foi definido nesta quinta, Janot respondeu: "Muda nada. Reafirma o instituto da colaboração premiada, que sai fortalecido com esse julgamento do Supremo".

Para Janot, "o recado" do STF é que, quando o Ministério Público faz um acordo, "desde que o colaborador cumpra suas obrigações e não haja ilegalidade, o Ministério Público vai entregar o que se comprometeu a entregar"

A PGR ofereceu imunidade criminal aos executivos da JBS em troca das revelações que envolveram mais de 1,8 mil políticos. O benefício foi criticado por ministros, advogados e políticos.

JULGAMENTO
Os ministros decidiram três questões ao longo do julgamento, que durou quatro sessões.

A mais polêmica, definida nesta quinta, foi sobre o alcance para rever ou anular uma delação -decidida por 8 a 3.

Gilmar Mendes disse que havia entendido que Dias Toffoli e Alexandre de Moraes discordavam do relator Fachin e de Luís Roberto Barroso, que defendiam que o acordo não poderia ser revisto.

Nas sessões anteriores, Toffoli e Moraes votaram acompanhando o relator. Ao fazer considerações sobre o que o plenário poderia alterar na sentença, Toffoli entendeu que era melhor deixar a discussão para depois sobre o que poderia ou não ser alterado ao fim de um processo envolvendo delação premiada.

Moraes votou com o relator na primeira sessão, mas já indicava que o acordo poderia ser revisto caso houvesse nulidades - exatamente o que foi decidido ao final.

"Cada vez eu fico mais confuso, desde o primeiro dia. Me parece que houve realmente uma metamorfose ambulante neste julgamento. Eu entendi já que o voto do min Alexandre e do ministro Toffoli tinham premissas que não aceitavam os votos dos ministros Fachin e Barroso", disse Gilmar Mendes.

Toffoli respondeu que apenas quis dizer que a homologação não significa uma "cláusula pétrea" do que foi combinado entre procuradores e delator.

Luiz Fux interrompeu: "O plenário tem que se definir sobre isso porque temos mega operações nos gabinetes".

Fachin propôs que os ministros votassem um texto com a palavra "vinculação", para que o acordo ficasse vinculado ao cumprimento após sua homologação.

O magistrado defendeu que o acordo homologado "como regular, voluntário e legal gera vinculação condicionada ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, salvo ilegalidades superveniente apta para justificar anulação do negócio jurídico".

O objetivo, disse ele, era fazer com que o instituto da delação premiada ficasse protegido de revisões –ou seja, para que não pudesse ser invalidado depois de assinado, a menos que surgisse um fato novo.

Três ministros concordaram com essa posição: Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux.

Mas o termo "vinculação" gerou polêmica. Gilmar Mendes e Marco Aurélio afirmaram que o Supremo não poderia aceitar ficar vinculado a uma decisão tomada pelo Ministério Público na hora de fechar acordo com delatores.

Alexandre de Moares também concordou que a expressão tinha peso forte, além do que ele estava disposto a aceitar.

Para ele, homologar um acordo "não impede que, no momento do julgamento, o colegiado analise os fatos supervenientes ou os fatos de conhecimento posterior".

Os ministros reescreveram o texto, aprovado por 8 magistrados: "O acordo homologado como regular, voluntário e legal deverá em regra produzir seus efeitos em face ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, possibilitando ao órgão colegiado a análise do parágrafo 4º do artigo 966 do novo Código de Processo Civil".

"Chegamos à conclusão que todos que votamos no sentido de que cabia ao relator a homologação da colaboração premiada que era em regra vinculativa, fatos supervenientes [posteriores] à delação e relevantes que justificariam a anulação dos negócios jurídicos poderiam ser levados em consideração pelo colegiado", disse Fux.

"Então quando o ministro Alexandre de Moraes aderiu ao voto do relator Fachin ele fez esse adendo e não impugnamos. Para a clareza é importante estabelecer que, para nós, a homologação é vinculativa sem prejuízo ao surgimento dos fatos supervenientes, que serão discutidos pelo colegiado", afirmou.

Dias Toffoli, que em 2015 foi o relator da ação que definiu as bases da delação premiada, reafirmou sua posição no julgamento da JBS: "Deixei claro que o acordo é um negócio jurídico, sendo assim, pressupostos de existência de validade e eficácia serão sempre analisados".

Para Barroso, a decisão do plenário oferece segurança jurídica para o instituto da colaboração, assegurando que se o delator cumprir sua parte, o contrato com o Estado será honrado.

"O controle de legalidade é feito no momento de homologação do acordo e prevalecerá a menos que o colaborador tenha mentido ou não venha a cumprir as obrigações a que se comprometeu. Abrimos uma mínima exceção, por sugestão do ministro Alexandre de Moraes, que se houver um fato superveniente excepcionalíssimo em que se demonstre coação, ou tortura, que foi o exemplo que ele usou, coisas totalmente fora da normalidade, o que, como regra geral, não ocorre", disse ele depois do julgamento.

O advogado da JBS, Pierpaolo Bottini, destacou que a possibilidade de revisar o acordo diante da ineficácia "está previsto na lei".

"O que o STF fez foi limitar as hipóteses, restringir as hipóteses das quais se pode revisar o acordo. E acho que isso foi bastante importante. Então, acho que essa decisão foi muito razoável", afirmou.

"O plenário entendeu que há uma legalidade, que não altera nenhuma das suas cláusulas e que o acordo será revisado se houver uma ilegalidade patente, uma mentira, um fato superveniente. Eu imagino que isso não vai haver, portanto, acho que o acordo vai se manter rígido."

OUTRAS DECISÕES
Outras duas questões foram analisadas ao longo das quatro sessões: se Fachin seria mesmo o relator da delação da JBS e se um relator pode homologar monocraticamente uma delação.

A delação da JBS levou à investigação e a uma denúncia contra o presidente Michel Temer e o senador afastado Aécio Neves.

Todos votaram por validar Fachin como relator. Foi isso que levou a discussão ao Supremo: o governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), delatado pela JBS, questionou se cabia a Fachin relatar o caso.

No segundo ponto, os ministros decidiram por 9 votos a 2 que uma delação pode ser homologada de maneira individual (monocraticamente). A questão foi levantada pelo próprio Fachin, que queria saber sobre as atribuições de um relator.

Gilmar Mendes e Marco Aurélio divergiram dos colegas neste ponto; para eles, algum colegiado do STF -plenário ou turma -poderia ter a competência para homologar uma delação.

Os ministros também avaliaram que a atuação do relator, em um primeiro momento, se limita a analisar aspectos formais do acordo, tais como regularidade, legalidade e voluntariedade do delator.

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